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António Rios de Amorim: Aeroporto em Rio Frio? “Não nos pareceu que isso fosse sequer uma ameaça”

A Corticeira Amorim começa a investir em Rio Frio em outubro. “Vamos plantar mais de um milhão de sobreiros nos primeiros cinco anos”, revela António Rios Amorim.

Helena Garrido | Mariline Alves - Fotografia 27 de Setembro de 2023 às 11:00
Mariline Alves
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    "Estabelecer um aeroporto naquilo que é o maior aquífero da Península Ibérica, a maior mancha de montado de Portugal, um corredor de passagem de fauna entre os estuários do Sado e do Tejo, não nos pareceu que isso fosse sequer uma ameaça". Assim responde o presidente executivo da Corticeira Amorim quando questionado sobre os riscos de investir em Rio Frio, uma das potenciais localizações do novo aeroporto. António Rios Amorim é o convidado das "Conversas com CEO", integradas no projeto Negócios Sustentabilidade 20|30, uma entrevista que pode ser ouvida na íntegra em podcast. Durante mais de meia hora falámos do início da sua carreira, do projeto que vai ser Rio Frio, onde numa primeira fase vão investir 10 milhões de euros e esperam desenvolver novas técnicas associadas à sobricultura que vão permitir antecipar a primeira extração de cortiça. Revelou ainda algumas novas oportunidades que se abrem ao grupo, nomeadamente através da venda de créditos de carbono.

     

    Há na sua vida de gestor e acionista um momento definidor?

    Claramente ter de assumir a responsabilidade de uma empresa centenária, hoje com 153 anos de história, é o momento mais marcante da minha carreira. A minha geração é a quarta ao comando da empresa. Ter tido toda a família a delegar em mim a responsabilidade de conduzir esse negócio, numa altura particularmente difícil, tenho de dizer que foi até hoje o desafio mais importante e mais marcante que tive pela frente.

     

    E qual a personalidade inspiradora da sua carreira?

    Uma personalidade marcante, um líder absolutamente carismático – nunca vamos ter mais nenhum – que pegou numa simples empresa de cortiça, algures nos anos 50, e a converteu no maior grupo mundial de transformação de cortiça. O País era o maior produtor de matéria-prima do mundo, mas a transformação de cortiça estava maioritariamente na Catalunha, em Itália, em França, na Alemanha, na Suíça, nos Estados Unidos. Os grandes grupos mundiais do setor da cortiça até à década de 40 eram americanos. 

    Estamos a falar de Américo Amorim. É a personalidade que inspira todos os colaboradores do grupo. Se não fosse a sua ousadia, determinação, liderança, seguramente que a empresa não seria o que é hoje. 

     

    Recentemente foi autorizado o abate de sobreiros para se instalarem painéis solares. Há aqui uma ameaça ao sobreiro?

    Não. Se calhar a última votação que a Assembleia da República teve de forma unânime foi considerar o sobreiro como a árvore insígnia de Portugal. Há um capital emocional com o sobreiro, uma vantagem ecológica e uma lei de proteção do sobreiro. Não queria que casos episódicos se tornassem habituais.

     

    É um alerta?

    Com certeza. Não é só a nossa empresa, é a associação do setor, são todos os intervenientes que desenvolvem, de forma paciente, esta espécie de crescimento lento. E há hoje oportunidades de se gerar melhor retorno para os produtores florestais, fazendo evoluir o modelo de sobricultura. Um sobreiro demora, em média, 25 anos a dar a sua primeira extração e tiramos cortiça a cada nove anos. Acreditamos que, com mais investigação e desenvolvimento, com mais investimento nos modelos de sobricultura, vamos conseguir antecipar a primeira extração de 25 para 10 ou 15 anos.

    Rio Frio está sobre o maior aquífero da Península Ibérica e, por isso, com condições muito especiais e propícias para o desenvolvimento do novo modelo de sobricultura.

    Comprou recentemente Rio Frio. Já estão na fase do investimento?

    Já estamos na fase do investimento, a começar em outubro de 2023.

    Pretendemos adensar 384 hectares entre este ano e janeiro e fevereiro de 2024. Rio Frio é absolutamente atípica. Mais de 90 por cento do montado, em Portugal, é de regeneração natural. Rio Frio é dos mais densos que temos, plantado pelo Homem há 110 anos, com uma densidade de cerca de 100 árvores por hectare. Acreditamos que podemos elevar esta densidade de 100 para 400 árvores por hectare, parte delas em sequeiro, parte com o novo modelo de sobricultura. Rio Frio está sobre o maior aquífero da Península Ibérica e, por isso, tem condições muito especiais e propícias para o desenvolvimento do novo modelo de sobricultura.

     

    E quando é que espera ter esse projeto concluído?

    Vamos desenvolver o projeto em duas fases: nos primeiros cinco anos vamos adensar 2.300 hectares. Depois temos mais mil e poucos hectares que são de regeneração natural, onde também pretendemos levar algum adensamento.

     

    É um investimento elevado?

    É um investimento elevado. Para esses primeiros 2.300 hectares, estamos a falar de valores à volta de 10 milhões de euros.

     

    Avaliou o risco de o novo aeroporto acabar em Rio Frio?

    Não avaliámos esse risco. Estabelecer um aeroporto naquilo que é o maior aquífero da Península Ibérica, a maior mancha de montado de Portugal, um corredor de passagem de fauna entre os estuários do Sado e do Tejo, não nos pareceu que isso [o novo aeroporto] fosse sequer uma ameaça. Adquirimos Rio Frio em agosto de 2022 e nem sequer estava relevada a possibilidade de o aeroporto ficar nesta localização. Nem nos passou pela cabeça que isso pudesse acontecer. Não é com esse propósito que lá estamos. Vamos lá para plantar mais de um milhão de sobreiros nos primeiros cinco anos e continuar este investimento nos anos seguintes. Estamos com uma perspetiva de fileira e nenhuma outra, que não faria sentido para uma empresa industrial cotada como a Corticeira Amorim.

     

    Como é que estas alterações climáticas estão a afetar esta área do sobreiro?

    Estão a afetar porque estamos a falar de uma implantação de mais de 80 por cento de sobreiros na zona do Ribatejo e Alentejo, áreas com condições climáticas adversas. A vantagem é ser uma árvore daqui, adaptada ao solo e ao clima. Temos verificado alguma mortalidade em zonas específicas, o que nos preocupa. Um projeto de investigação que também estamos a levar a cabo é identificar as doenças que provocam alguma mortalidade. Com menor densidade, há menos sombreamento e vamos ter depois uma taxa de mortalidade proveniente das alterações climáticas. Por isso é que no novo modelo de sobricultura pretendemos instalar 400 árvores por hectare, quando a média nacional são 50-60.

     

    E isso não tem impacto na biodiversidade?

    Não. Estamos a falar de uma densidade relativamente baixa quando comparamos com outras espécies florestais. Quando instalamos montado, temos de ter em atenção alguns fatores. O primeiro é que por cada tonelada de cortiça produzida capturamos 73 toneladas de CO2.  

     

    Já atingiu assim neutralidade carbónica?

    Sim, fruto deste grande contributo dado pelo montado. Estamos a falar de uma fileira que todos os anos emite cerca de 250 mil toneladas, mas captura quase cinco milhões de toneladas de CO2. As emissões por ano são 5% da captura.

     

    Isso cria uma oportunidade de negócio…

    A Corticeira Amorim só recentemente é que é proprietária de montado e os créditos de carbono não existem para os povoamentos já existentes, só para novas plantações. Vamos ter a possibilidade de vender esses créditos de carbono.

     

    Quando é que espera começar a vender esses direitos de carbono?

    Estamos a falar das novas plantações. Nomeadamente as de Rio Frio, onde investimos hoje para ter retorno a 23 anos. Se conseguirmos vender os direitos de carbono, se calhar baixamos 3 ou 4 anos. Vamos tentar criar outras fontes de rendimento. Mas claramente que isto é uma fonte potencial de rendimento. Vai demorar 6 a 7 anos. Em Portugal havia um dito que era: "Eucalipto para nós, pinheiros para os filhos e sobreiros para os netos". O que estamos a tentar fazer é que o retorno do sobreiro não seja só para os netos.

    Antes de virem os analistas financeiros (…) vêm os analistas de ESG. Se não nos qualificarmos bem nas análises e ‘ratings’ ESG, o analista financeiro já nem vem.

    Qual é o principal desafio neste universo estratégico do ambiente, do social e da governação?

    Quem não levar as questões do ambiental, social e de governança a sério, se isto não fizer parte do projeto estratégico da empresa, a empresa não vai ter futuro. Nós somos uma empresa cotada. Antes de virem os analistas financeiros para verem se somos uma boa opção de investimento para os fundos internacionais, vêm os analistas de ESG. Se não nos qualificarmos bem nas análises e "ratings" ESG, o analista financeiro já nem vem. Porque acha que se uma empresa não qualifica bem em matérias de ESG não vale a pena investir nela, porque não percebeu como é que o mundo está a evoluir. A Corticeira Amorim felizmente tem qualificado muito positivamente a nível ambiental. Uma rolha de cortiça, por exemplo, melhora a performance e a pegada de carbono de uma garrafa de vinho em 30%. Conseguimos neutralizar as emissões do fabrico da garrafa de vidro.

     

    Um dos problemas de uma empresa familiar é governança. Como tem gerido essas tensões?

    Com um modelo de governança adequado que começou a ser equacionado no dia em que o meu tio Américo decide abandonar as suas funções executivas. Uma pessoa como ele não é substituída por outra. É substituída por um modelo diferente. Como costumo dizer, somos precisos 15 ou 18 para fazer aquilo que ele fazia sozinho, mas também não nos temos dado mal.  Estamos reféns de um princípio: o crescimento é fundamental numa empresa, a acomodação nunca pode existir. Empresa que não cresce não tem nenhum futuro. Tanto crescimento orgânico como por aquisição, com parcerias, mas a empresa tem de crescer. Ficamos doentes e nervosos quando isso não acontece. E tem de ser retificado no período imediatamente a seguir.

     

    A Europa está em guerra, as taxas de juros sobem, não sabemos bem se não vamos acabar o ano em recessão. Como vê o horizonte a curto prazo?

    O horizonte não parece muito risonho. Temos tido aqui algumas decisões macroeconómicas de algum repentismo, responsáveis pelo que estamos a viver. Estou a falar de todo o dinheiro que se injetou nas diferentes economias, como uma forma de retirar a economia mundial do cenário potencial de recessão, fruto da covid. Passámos do 8 para o 80 e agora estamos a querer passar do 80 para o 8. Temos de ter o cuidado para, com esta conjuntura e esta política monetária, não matarmos o doente com o remédio. Temos de fazer uma evolução mais natural, mais espaçada no tempo. Era bom e urgente uma sinalização de uma redução de taxas de juro, já que a inflação parece mostrar que começa a estar mais controlada. Isso vai ser um tónico fundamental para se superar este momento de estagnação que estamos a assistir em todo o mundo. Depois é preciso encontrar uma solução definitiva para este conflito que não nos deixa dormir descansados. Todos achamos que vai resultar de um acordo, mas tudo isto pode escalar para níveis bastante mais preocupantes. 

    Bilhete de identidade Idade: 56 anos
    Cargo: Presidente e CEO da Corticeira Amorim; presidente da COTEC e vice-presidente da Business Roundtable Portugal; presidente da Confederação Europeia de Cortiça (2003-10) e da APCOR até 2012
    Formação: Pós-Graduação em Gestão de Empresas no INSEAD, Stanford e Universidade de Columbia; licenciado em Comércio Internacional, Universidade de Birmingham.
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