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A aposta na capacitação digital de pessoas e empresas e conceitos como Digital Innovation Hubs ou Zonas Livres Tecnológicas estão a ser implementados para alavancar o país nesta missão, conta André de Aragão Azevedo, secretário de Estado para a Transição Digital, na abertura do debate "Transformação Digital em Sustentabilidade".
A transição digital é uma área-chave para este Governo. Quais os principais objetivos para esta área e de que forma o Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) será essencial para que essas metas sejam atingidas?
A área da transição digital foi desde logo assumida como uma prioridade política, materializada na criação de uma secretaria de Estado. E depois materializou-se no nosso Plano de Ação para a Transição Digital, que aprovámos e apresentámos publicamente em março de 2020, e que pretendia ser o guião daquilo que são as várias dimensões da transição digital. E estas estão resumidas em três grandes pilares. Um tem a ver com a necessidade de eliminarmos o que ainda é um dos nossos défices, a área das competências e das qualificações. Depois temos um segundo pilar que tem a ver com a necessidade de promovermos a transição digital do nosso tecido empresarial, sobretudo composto por pequenas e médias empresas. Temos a área dos serviços públicos e da administração pública como terceiro pilar.
O PRR surge como uma decorrência da crise pandémica e económica. Foi muito bom termos predefinido um guião de trabalho com um caderno de encargos muito claro em termos de medidas emblemáticas que estavam já definidas. O que conseguimos foi um novo fôlego para ir mais longe e acelerar o ritmo de transição digital. O que fizemos foi revisitar este exercício base, o nosso Plano de Ação, para agora ter outras condições de exequibilidade.
A transição digital e tecnológica abre questões relacionadas com o emprego e a necessidade de readaptação de recursos. De que forma existe uma complementaridade entre as linhas mestras do Plano de Ação e estas questões?
Relativamente ao tema das competências, o que fizemos foi segmentar a população, começando com uma intervenção ao nível da escola digital com o programa que está em curso. É um programa de transformação do paradigma de aprendizagem e de ensino, que passa, entre outras coisas, pela atribuição de computadores a cada aluno e professor. Mas também de kits de conectividade, que permitam a aprendizagem em mobilidade, em casa, na escola, na biblioteca, etc.
A segunda parte tem a ver com a nossa população ativa e com a necessidade de mudarmos o paradigma da formação. Estávamos muito centrados no modelo antiquado de formação intensiva na fase de formação académica que depois dava lugar a uma fase de vida profissionalizante. E o que vemos é que a era digital nos remete para uma necessidade de recorrentemente regresso às escolas, às universidades, para irmos buscar competências mais específicas que o mercado procura.
Foi isso que fizemos com vários programas. Por exemplo, com o Upskill, que envolveu empresas e universidades, e com o programa Emprego Mais Digital, que pretende garantir que toda a nossa força de trabalho domine um conjunto de ferramentas essenciais.
De que forma a transição digital pode acompanhar os objetivos e exigências da transição climática?
Isso foi logo definido de início no programa do Governo. Temos quatro áreas de aposta estratégica: a transição digital, a transição climática, o desafio da natalidade e da demografia e o desafio das desigualdades. Houve logo, desde o início, um assumir muito claro de que estas duas áreas tinham de ser prioritárias, com a noção de que há uma interdependência absoluta entre elas. Não podemos pensar no processo de transição climática sem ter subjacente uma lógica de incorporação tecnológica. Isso foi definido a nível nacional, mas também a nível europeu.
O que fizemos, nomeadamente no PRR, foi decompor e traduzir essa prioridade política em iniciativas concretas, nomeadamente com o apoio à descarbonização da indústria, à mobilidade mais sustentável, à eficiência energética dos edifícios, portanto, com um portefólio muito alargado de medidas que permitam atingir as metas que estão definidas de neutralidade carbónica em 2050.
Do ponto de vista da introdução de tecnologia no tecido empresarial português, como vê a posição de Portugal?
Neste processo da pandemia, ficaram expostas algumas vulnerabilidades ao nível da capacidade produtiva da Europa e da necessidade de haver aqui um novo ciclo de reindustrialização, com um paradigma diferente. O que se pretende agora é um robustecimento da política de industrialização europeia com uma base muito mais verde, muito mais tecnológica e, portanto, muito mais sustentável. É na conjugação das duas dimensões que os instrumentos foram desenhados e que as políticas públicas e privadas estão a ser implementadas.
Olhando para o tecido empresarial português, a transição digital será mais desafiante em que setores?
A nossa estratégia é a transversalidade. Não queremos deixar ninguém e nenhum setor económico para trás. A nossa estratégia passa por criar os polos de inovação digital – os Digital Innovation Hubs. Teremos uma agenda de transformação digital que garanta que as empresas que estão mais maduras do ponto de vista de digital possam puxar por todo aquele setor. Procuramos esta aproximação, trazendo também as universidades, a academia e os centros de investigação a bordo, para que se crie uma combinação virtuosa entre todos estes atores. Aqui vale a pena também destacar que no PRR considerámos especificamente um apoio a startups que desenvolvam projetos na área da dupla transição, portanto, verde e digital. Estamos a falar de 90 milhões de euros especificamente para apoio nesta dupla dimensão.
Que balanço faz da introdução destes Digital Innovation Hubs. Em que ponto estamos, uma vez que são centrais na transição digital?
É uma iniciativa que surge paralelamente a nível nacional e europeu. A Europa definiu o conceito de uma rede europeia de polos de inovação digital, que teriam como pressuposto a incorporação de inteligência artificial, de soluções de cibersegurança e também de computação avançada. O que procurámos foi definir a agenda digital para cada um dos setores. Lançámos um pedido de manifestações de interesse, na qual tivemos 31 consórcios concorrentes, com critérios de majoração em função da sua distribuição geográfica e de capacidade de agregarem toda uma rede de stakeholders. Após uma avaliação, resultou na aprovação dos primeiros 16. É nesta fase que estamos agora. Isto será a base da rede nacional. Daqui ocorrerá uma segunda fase de candidatura a nível europeu. Ainda não está claro o slot de hubs que poderemos ter, mas em princípio serão entre seis e dez.
O que são as Zonas Livres Tecnológicas e porque é que podem ser diferenciadoras?
Elas surgem da necessidade de, em alguns setores, como por exemplo na banca ou na biotecnologia, existirem enquadramentos regulatórios e legislativos muito apertados, que são de alguma forma incompatíveis com a experimentação de conceitos inovadores. Se queremos potenciar essa inovação precisamos de criar regimes de exceção que, com regras e com o envolvimento direto das entidades reguladoras, permitam às empresas e aos centros de investigação testar esses novos conceitos.
Em que fase é que estas Zonas Livres Tecnológicas se encontram?
É uma das medidas emblemáticas do Plano de Ação para a Transição Digital. Criámos um enquadramento legal de princípios genéricos. Depois lançámos um processo de consulta e fizemos já o diploma-quadro. Deste ponto de vista, fomos muito inovadores e temos sido elogiados internacionalmente. Porque não queremos só desenvolver um setor em concreto deixando outros para trás.
Quando é que podem ser uma realidade?
Neste momento, o diploma está pronto. Os consórcios podem candidatar-se. A nossa ideia é cruzar os próprios polos de inovação digital. Já existem manifestações de interesse e projetos concretos que têm trabalho feito. Dou-lhe o exemplo do Ceiia, em Matosinhos, na área da mobilidade. Também visitei há dias, em Troia, uma iniciativa da Marinha muito interessante, que passa por atrair para a área militar empresas e a academia, para desenvolverem conceitos inovadores ao nível dos veículos não tripulados subaquáticos. Desenvolveram conceitos de cariz militar, mas que permitem, pelo mapeamento do fundo marítimo, termos uma qualidade de informação sobre o fundo aquático muito maior. Isto depois pode ser colocado ao serviço de todo o nosso ecossistema ambiental e de agentes que trabalham a área da sustentabilidade.
No caminho para a transição digital e para um mundo mais sustentável, o que gostaria que fosse uma marca deste Governo e do seu trabalho?
Gostava muito de conseguir cumprir o Plano. Termos uma população mais qualificada em linha com o padrão europeu, acelerar a transição digital das nossas empresas. Por exemplo, em 2020, durante a pandemia, tivemos um crescimento de 50% da presença digital das nossas empresas, ficando clara a premência desta agenda digital. Na administração pública, em todo o contexto de negócios e dos cidadãos, termos de facto padrões de nível europeu e mundial. O meu objetivo é que sejamos líderes mundiais nesta matéria, como de alguma forma somos, porque estamos em vários rankings nos lugares cimeiros. É esse o caminho que queremos trilhar.