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Nos últimos meses, várias empresas norte-americanas, incluindo a Ford, JPMorgan Chase, Harley Davidson e Lowe’s, recuaram nas políticas de diversidade equidade e inclusão (DEI). A alteração nos programas destinados a aumentar a igualdade de género e a representação racial e étnica nos locais de trabalho surge em resposta à pressão de organizações conservadoras, que alegam que as políticas DEI podem ser vistas como divisórias e que se concentram excessivamente na raça ou no género em vez de no mérito. "Estamos conscientes de que os nossos empregados e clientes têm um vasto leque de convicções e que o ambiente externo e legal relacionado com questões políticas e sociais continua a evoluir", afirmou o CEO da Ford, Jim Farley, numa nota enviada aos funcionários em agosto passado.
Um estudo recente da McKinsey&Co e da LeanIn sustenta este recuo no compromisso de algumas empresas norte-americanas para com a DEI. Ao questionar 281 empresas nos EUA, que no conjunto empregam mais de 10 milhões de pessoas, apurou que o número de empregadores que colocou a diversidade de género como uma alta prioridade caiu de 87% em 2019 para 78% este ano. O apoio à diversidade racial também caiu de 77% em 2019 para 69% dos empregadores. Os analistas referem que, pela primeira vez numa década, está a registar-se uma queda no compromisso das empresas com a diversidade de género e racial.
Consultora da comunidade EMEA na Google
"Estamos a assistir a uma polarização crescente no clima político, associada a uma falta de compreensão em torno da DEI. É uma situação complexa e, infelizmente, a DEI tornou-se num alvo fácil de reações adversas", assinala Kelsey Robb, consultora da comunidade EMEA na Google, ao Negócios. E acrescenta: "Em alguns casos, as métricas utilizadas para medir o progresso das iniciativas têm sido ambíguas, levando à desilusão quando o investimento parece não se correlacionar diretamente com resultados tangíveis. Este retrocesso pode ter implicações significativas. As empresas poderão começar a concentrar-se em aspetos mais restritos da diversidade. Além disso, em tempos de recessão económica, as iniciativas de DEI são frequentemente as primeiras a sofrer cortes, o que pode ser extremamente prejudicial".
Recorde-se que as empresas nos EUA intensificaram o foco nas iniciativas de diversidade após protestos generalizados contra as disparidades raciais e de género na liderança, na sequência dos assassinatos de George Floyd e de outros negros americanos pela polícia em 2020. No entanto, ultimamente, algumas empresas têm recuado nesta estratégia, alterando os programas DEI destinados a aumentar a representação diversa nos locais de trabalho em resposta à pressão de organizações jurídicas conservadoras.
E poderá este fenómeno contagiar a Europa? "Em certa medida, já chegou", refere Kelsey Robb, pois "não se trata de empresas que operam apenas num mercado local, mas sim de empresas globalizadas com dezenas de milhares de empregados em todo o mundo. Embora tenham de estar atentas aos mercados em que operam, a maioria das suas operações e da sua liderança estão frequentemente sediadas nos EUA, pelo que as tendências aí existentes tendem a repercutir-se no exterior". No entanto, na sua perspetiva, "não creio que venhamos a assistir a esta reação com a mesma intensidade na Europa. Se olharmos para o Reino Unido, por exemplo, a Lei da Igualdade de 2010 oferece proteções sólidas contra a discriminação".
Responsável pela área de Cidadania Responsável do GRACE - Empresas Responsáveis
E em Portugal? Diana Gameiro Lopes, responsável pela área de Cidadania Responsável do GRACE - Empresas Responsáveis, conta que "a tendência que se verifica nos EUA não se sente ainda em Portugal. O que sentimos nos nossos associados é que os temas DEI são cada vez mais valorizados e que os benefícios de ter equipas diversas e ambientes inclusivos são cada vez mais reconhecidos". Nesta linha, dá conta de que "temos vários exemplos de sucesso de implementação de políticas DEI com impacto direto no negócio e nas equipas, as formações que organizamos sobre a temática têm uma forte adesão e são recorrentes os pedidos de partilha de sugestões e de boas práticas que possam inspirar quem está agora a começar a trilhar este caminho".
Vantagens da DEI
Este fenómeno de retração que se está a verificar nalgumas empresas contraria o que a investigação diz sobre as vantagens que a diversidade, equidade e inclusão trazem às empresas. Mais produtividade, mais inovação e retenção de talento são algumas das vantagens que as equipas diversas podem trazer. Mas há mais: "Uma cultura diversificada e inclusiva aumenta a inovação, a criatividade e os resultados financeiros", defende Lori George, ex-diretora executiva de DEI da Coca-Cola. "Se houver uma cultura diversificada e inclusiva no ecossistema, na empresa, nos sistemas, nos processos, nas ferramentas, nas políticas e procedimentos, os resultados financeiros aumentam". No caso da Coca-Cola, assentou na igualdade salarial global. "Declarámos publicamente que seríamos 50% liderados por mulheres até 2030. Atualmente, já são mais de 50%. Depois, cada unidade operacional definiu localmente o seu próprio objetivo. Nos EUA, o objetivo era refletir o mercado, ou seja, espelhar o mercado em todos os níveis de emprego com base nos dados dos censos para esse grupo étnico específico, sejam negros, hispânicos ou asiáticos. Portanto, se fosse, por exemplo, 13% de afro-americanos, então seria 13% dentro da empresa", explica Lori George.
Lori George
Ex-diretora executiva de DEI da Coca-Cola
Também Kelsey Robb conta o impacto positivo que um ambiente propício à diversidade, equidade e inclusão traz à Google. "A verdadeira magia da DEI reside na promoção da diversidade de pensamento. Quando se tem uma equipa com uma grande variedade de formações e experiências, é possível desbloquear esta incrível capacidade de resolver problemas complexos de forma inovadora". E especifica: "Pense na missão da Google que é organizar a informação do mundo e torná-la universalmente acessível e útil. Para alcançar verdadeiramente essa acessibilidade universal, é necessária a participação de todos. É preciso ter em conta todas as perspetivas, todas as necessidades únicas. É aí que o pensamento diversificado se torna não só uma força, mas uma necessidade".
Focando novamente em Portugal, Diana Gameiro Lopes, reforça as vantagens deste tipo de políticas num país que se está a tornar também bastante diverso. Na sua perspetiva, "é na riqueza da diversidade de experiências, de pensamentos e de opiniões que nascem as ideias. Assim, um ecossistema empresarial sem diversidade torna-se menos inovador, menos produtivo e consequentemente menos competitivo. Vivemos cada vez mais num país diverso que só tem a ganhar se incluir na sua força de trabalho essa mesma diversidade, tornando o tecido empresarial português um mosaico mais colorido, mais diverso e de maior sucesso".
Caminho sem retorno
Incluída nas métricas de sustentabilidade das empresas, este parece ser "um caminho sem volta" para as empresas comprometidas. Lori George questiona se as empresas que estão a recuar nas políticas DEI estariam realmente comprometidas, defendendo que "é preciso assumir um compromisso". Lori George sublinha que qualquer empresa que esteja a tentar resolver um problema estabelece objetivos. "Com a DEI não deveria ser diferente. Se estamos a tentar aumentar alguma coisa, estabelecemos um objetivo e alocamos os recursos, o tempo, as pessoas e o dinheiro para o conseguir", defende. Alegando que não conhece a justificação para o recuo de várias empresas nos EUA nas políticas de diversidade, Lori George acredita que "as empresas que mantêm o rumo, no final, terão os melhores resultados e o maior impacto", na medida em que há também uma expectativa crescente por parte dos consumidores nesse sentido.
Para a associação empresarial GRACE - Empresas Responsáveis, a implementação de políticas DEI deve passar por várias ações. Começando pela formação e sensibilização das equipas das vantagens e das dificuldades de construir um trabalho diverso e inclusivo, defende também os grupos de afinidade como "ferramentas muito úteis" não só para os trabalhadores não se sentirem sozinhos, mas também para a própria empresa ir auscultando os vários grupos e perceber onde pode melhorar as suas políticas. Considera também essencial que a diversidade, a equidade e a inclusão devem estar presentes em todas as fases de vida do colaborador.
"Este é um processo demorado, pois tal como em todas as definições de estratégia é fundamental começar por avaliar o ecossistema, características e necessidades da organização, para que depois possam ser definidas as prioridades, quais as medidas que serão implementadas e quais as métricas utilizadas para medir o sucesso das mesmas", sublinha Diana Gameiro Lopes. Mas é, acima de tudo, acrescenta, "um processo que vale a pena, porque o que nos diz a experiência dos nossos associados é que, uma vez começado o processo e experimentados os benefícios, já ninguém volta atrás".