- Partilhar artigo
- ...
Os temas da transição climática e descarbonização já não estão no topo da lista das principais preocupações dos CEO a nível mundial. O entusiasmo deu lugar à procrastinação no caminho para atingir as metas traçadas nos últimos anos, à medida que questões mais prementes ocupam a agenda dos líderes empresariais - como a ascensão da inteligência artificial, a incerteza geopolítica e os conflitos regionais que ameaçam escalar para guerras globais, a inflação e o aumento do custo do capital. Assiste-se assim a um "declínio acentuado na prioridade dada à sustentabilidade", conclui o mais recente estudo da consultora Bain & Company "The Visionary CEO’s Guide to Sustainability 2024".
Clara Albuquerque
"Partner" da Bain & Company
"A transição para um mundo mais sustentável está a seguir um ciclo que nos é familiar. O que começou há alguns anos como uma exaltação sem limites, deu agora lugar a um realismo pragmático. À medida que o desafio de cumprir metas e compromissos ousados se torna claro, muitas empresas começam a repensar o que é alcançável e em que prazo. Procrastinar é um erro", afirma Clara Albuquerque, "partner" da Bain & Company.
Contas feitas pelo FMI mostram que um potencial aumento da temperatura global na ordem dos 2 graus Celsius "teria consequências devastadoras para a economia, com o custo do capital a aumentar mais de 1%". A Bain & Company conclui que isto poderá reduzir em 6 biliões de dólares o valor do S&P 500, o índice de referência das principais empresas norte-americanas.
Diogo Rebelo, "senior manager" da Bain & Company explica o impacto destes números. "Um aumento de 1% no custo do capital tornaria mais caro o financiamento de projetos, o que poderia levar a uma redução nos investimentos em expansão e inovação. Isso, por sua vez, poderia desacelerar o crescimento económico global, afetando negativamente a confiança dos investidores e impactando o valor do S&P 500". Mais: "Essa desvalorização do mercado de ações poderia também entrar numa espiral negativa, afetando o consumo e o investimento, aumentando a instabilidade financeira e limitando a capacidade dos países e das empresas de responder a desafios globais, incluindo a própria crise climática".
Empresas fazem "inversão de marcha"
Apesar das potenciais consequências , os exemplos de travagens a fundo, e até "inversão de marcha", nas metas climáticas das empresas são muitos e surgem de vários setores, a começar pelo petrolífero. Este mês, a BP abandonou de vez o objetivo de cortar na produção de petróleo e gás até 2030, com o intuito de recuperar a confiança dos investidores face às quedas em bolsa. Mais: não só não vai reduzir os barris de petróleo produzidos até ao fim da década, como o CEO Murray Auchincloss está a planear novos investimentos no Médio Oriente e no Golfo do México. Em 2020, a BP anunciou um corte de 40% na produção petrolífera (entretanto já revisto em baixa para 25%, e agora para zero), a par com uma maior aposta nas renováveis.
Também a Shell eliminou a meta de reduzir em 45% a sua intensidade carbónica até 2035, com o CEO Wael Sawan a afirmar que se trata de um objetivo "perigoso" tendo em conta a "atual incerteza face à trajetória da transição energética". A nova estratégia foca-se em projetos com margens financeiras mais elevadas, manter a produção petrolífera e aumentar a de gás natural para trazer mais receitas e lucros. Por cá, a portuguesa Galp - que em 2022 e 2023 registou lucros recorde, e prevê um disparo na produção de petróleo e gás a partir de 2026 - admitiu este ano que vai falhar a sua meta para as renováveis, tendo em conta as elevadas taxas de juro e os preços baixos da eletricidade. Desta forma, ter 4 GW de energia limpa até 2025 é "improvável". "Nem todos os projetos são igualmente rentáveis. Manter um retorno de 14% sobre o capital investido em energias renováveis exige disciplina, por isso o ritmo a que o fazemos tem ser monitorizado cuidadosamente", disse o CEO Filipe Silva.
Mas fora do setor do petróleo e gás também há sinais de arrefecimento nos esforços de descarbonização, justificados por barreiras regulatórias, insuficiente apoio governamental e atrasos na implementação de novas tecnologias. Unilever, Bank of America, Microsoft, JBS, Volkswagen, JP Morgan, State Street e Pimco, são apenas alguns exemplos.
Perante este cenário, a análise da Bain & Company explica que "2021 e 2022 foram anos de entusiasmo quase ilimitado, compromissos ousados e mobilização", enquanto "os últimos tempos trouxeram uma forte dose de realidade sobre a sustentabilidade, à medida que os CEO enfrentam um número crescente de desafios sistémicos". Na prática, diz o estudo, depois fase inicial de excitação, entusiasmo e esperança, entrámos agora no "vale da desilusão", com "expectativas altíssimas que não foram cumpridas". Ou seja, as empresas perceberam que a transição não será tão rápida ou tão fácil como esperavam e começaram a repensar a sua abordagem.
Ainda assim, diz a Bain & Company, os CEO não podem dar-se ao luxo de abandonar por completo os esforços de descarbonização dos seus negócios, já que esta é uma preocupação crescente dos consumidores e fornecedores. O estudo revela mesmo que "36% dos compradores abandonariam um fornecedor se este não respeitasse as suas expectativas de sustentabilidade". "O tema ainda está na ordem do dia, mas as empresas têm dificuldades em cumprir os compromissos. Entre aquelas que divulgam os seus progressos através do Carbon Disclosure Project, 30% estão muito atrasadas nos seus objetivos de redução de emissões poluentes e a desistir dos compromissos climáticos já assumidos", revela a análise da Bain & Company, sublinhando que, em 2024, 29% das empresas que aderiram à campanha "Business Ambition for 1,5C" da iniciativa Science Based Targets foram removidas da mesma por não conformidade. Tudo isto num contexto de maiores exigências dos governos mundiais para que as empresas sejam transparentes, sob pena de serem penalizados no acesso a apoios públicos e sofrerem danos reputacionais.
CEO têm agenda desafiante
Apesar de dizer reconhecer o abrandamento nos esforços das empresas, Clara Albuquerque afirma que "os CEO estão cada vez mais conscientes da necessidade de ação em temas de sustentabilidade e luta climática", mas ao mesmo tempo enfrentam desafios para implementar medidas mais ousadas". Entre eles está a falta de recursos e de experiência em temas de sustentabilidade, regulação em constante evolução, tecnologia e materiais que exigem custos iniciais elevados e cadeias de valor globais que ainda não estão preparadas para rastrear as práticas sustentáveis de cada fornecedor. "As empresas não estão necessariamente a procrastinar", defende. No entanto, acrescenta, "a pressão de reguladores, investidores, consumidores está a impulsionar uma mudança gradual, que levará os CEO na direção certa".
Diogo Rebelo
"Senior manager" da Bain & Company
Quanto às questões com maior impacto económico no curto prazo, como a incerteza geopolítica, a inflação e o rápido avanço tecnológico, impulsionado pela inteligência artificial, Diogo Rebelo defende que estão a exigir uma "atenção imediata" das empresas e os CEO e a desviar a prioridade da sustentabilidade. "Não necessariamente por serem mais graves ou urgentes, mas por terem métricas mais claras e prazos mais curtos e tangíveis. Pelo contrário, na sustentabilidade, é difícil quantificar o retorno esperado, o que faz com que fique em segundo plano", sublinha.
O "managing partner" da Bain & Company fala numa "agenda desafiante" para os CEO, na qual a inteligência artificial, em particular, requer investimentos substanciais em tecnologia e infraestrutura, em conjunto com a pressão da inflação e questões geopolíticas. "Isso levou a ajustes ou atrasos nos compromissos climáticos das empresas, com a diminuição da importância da sustentabilidade no índice de prioridades dos CEO de 2018 a 2023. Os CEO têm que priorizar e alocar recursos numa agenda cada vez mais ampla. Alguns esforços de sustentabilidade estão a ser retraídos - ou não perseguidos tão agressivamente -, especialmente em áreas onde o caminho para o impacto é menos claro ou onde as iniciativas de sustentabilidade são vistas como tendo um retorno a longo prazo em comparação com outras pressões imediatas", explica Diogo Rebelo. Do lado dos consumidores, a pressão mantém-se: 61% dizem que as suas preocupações com as alterações climáticas aumentaram nos últimos dois anos, Nos fornecedores, 85% garantem algum grau de sustentabilidade nos seus produtos e serviços, mas apenas 27% estão bem informados sobre as necessidades de sustentabilidade dos seus clientes.