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A inovação está a mudar a forma como nos alimentamos

O aumento da população mundial, acompanhada por uma maior consciencialização sobre a limitação dos recursos naturais e a necessidade de alternativas, tem levado ao aparecimento de novas técnicas e novos produtos.

31 de Julho de 2024 às 10:30
A inovação na alimentação tem crescido até porque os consumidores estão hoje mais exigentes. Sarah Meyssonnier / Reuters
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Em 20 anos muito mudou na alimentação das pessoas. Se durante muitos anos imperaram os alimentos processados hoje a preocupação dos consumidores vai mais para uma alimentação saudável e amiga do ambiente. Uma preocupação que, a par do aumento da população mundial, tem condicionado a inovação no setor alimentar.

Mesmo porque está provado, lembra Manuela Pintado, docente da Escola Superior de Biotecnologia da Universidade Católica do Porto, diretora e investigadora do Centro de Biotecnologia e Química Fina, e colíder do Insure.hub, uma iniciativa da Católica que atua na área da sustentabilidade, inovação e regeneração. A especialista lembra que há um conjunto de doenças, que vão desde a obesidade ao cancro, a toda a área dos diabetes a doenças cardiovasculares “claramente associadas à dieta”.

Nesse sentido, a docente considera que a indústria alimentar tem uma responsabilidade muito grande em ajudar os consumidores, através do alimento, a ter uma dieta equilibrada. Isto levou, na opinião de Manuela Pintada a que a indústria se tivesse que transformar, por forma a desenvolver alimentos mais personalizados, mais adaptados às idades da população, por forma a que a possam gradualmente ir mitigando ou prevenindo algumas dessas doenças e dando também a disponibilidade ao consumidor de ter uma maior diversidade e poder mitigar as suas próprias deficiências que, muitas vezes, podem ser apertadas através do alimento.

Por outro lado, convém não esquecer as alterações climáticas e a consciencialização ambiental que se tem traduzido não só em regulamentação europeia, mas também em novas tendências de consumo. No caso da indústria alimentar, isto “é uma oportunidade de inovação”, nomeadamente no que se refere a “aumentar a capacidade de valorizar a matéria-prima e desperdiçar menos, portanto, prevenir resíduos”, afirma Manuela Pintado.

O que antes era um problema de gestão passa a ser “uma oportunidade também para criar novos ingredientes, novas matérias-primas, que possam criar novas oportunidades também de negócio, quer em simbiose com outras indústrias, quer diretamente na sua reincorporação em novos produtos alimentares”, frisa.

Manuel A. Coimbra, professor catedrático no departamento de Química da Universidade de Aveiro, acrescenta que é através dos subprodutos da indústria agroalimentar que podemos encontrar produtos bons e baratos e por isso acessíveis a todos. E esse é um ponto importante, segundo o docente universitário: a democratização do alimento, no sentido de este chegar a todas as pessoas. Isso, detalha, só se consegue se o alimento for barato.

As universidades, no entender de Manuel A. Coimbra, podem desempenhar um papel importante, na medida que conhecem diferentes empresas da área alimentar, podendo dessa forma fazer de elo de ligação. Porque um resíduo de uma empresa pode ser uma matéria-prima para outra, frisa. “Há muitos casos em que estes subprodutos das indústrias agroalimentares podem ser ingredientes para outras empresas.”

Sem esquecer, claro, os chamados de “novos produtos”. Sejam alimentos à base de algas, por exemplo, ou de insetos. Algo que, na verdade, lembra o professor, se resume essencialmente a uma questão cultural.

Da mesma forma, refere, assiste-se a uma tendência de diminuição do consumo de carne animal. Para Manuel A. Coimbra, “estamos a conseguir encontrar sistemas de criação de tecidos in vitro e, por isso, a certa altura não precisaremos dos próprios animais”. Apesar disso, acrescenta, tal mudança ainda vai demorar muitos anos. Nomeadamente, a custos acessíveis.

Mas há outras questões quando se junta inovação agroalimentar e sustentabilidade. Veja-se o caso da utilização da água. Como aponta Manuela Pintado, a indústria tem vindo a utilizar várias tecnologias no sentido de minimizar a água utilizada. Sem esquecer, claro, tudo o que tem sido feito ao nível da embalagem. Só que aqui, lembra a professora, a indústria tem de conseguir um equilíbrio entre proporcionar uma embalagem mais sustentável e assegurar que o produto, em toda a sua cadeia de valor – diga-se transporte e distribuição e até chegar à casa do consumidor – se mantém seguro para consumo. Qual a opção?

“Encontrar soluções em que o alimento possa gastar menos embalagem”, refere Manuel Pintado. E isso pode passar por reduzir a dimensão das garrafas ou embalagens de vidro e plástico ou mesmo “melhorar as cadeias de reciclagem do plástico e, por outro lado, encontrar materiais cada vez mais biodegradáveis que permitam, de facto, ser alternativa aos plásticos de origem fóssil”.

Tudo isto obrigou a indústria a apostar cada vez mais em tecnologia para facilitar o controlo e a eficiência. Dois aspetos que vão possibilitar a prevenção e que assentam na digitalização dos processos.

E porque é que isto é importante? Porque permite mapear em tempo real os acontecimentos de toda a cadeia, explica Manuela Pintado, acrescentando que “não é só olhar para o negócio, mas também para o consumo, e ligá-lo com os ‘stakeholders’ que estão a montante e a jusante, por forma a poderem, com eles, construir uma cadeia alimentar cada vez mais eficiente”.

Quanto à utilização do que antes era desperdício, Manuel A. Coimbra lembra que isso só é possível porque houve uma evolução no conhecimento acerca dos alimentos e da segurança alimentar. “Temos de proporcionar às pessoas alimentos seguros”, afirma, acrescentando que as regras e a regulação foram muito importantes nesse aspeto.

Embora, sublinha Manuela Pintado, a autorização relativa ao uso de insetos na alimentação humana tenha demorado muito tempo. É certo, reconhece a professora, que o consumidor, sobretudo o europeu, passou a considerar o inseto na sua alimentação. No entanto, refere a docente universitária, “nós e outras entidades de investigação, noutras universidades, estamos a trabalhar na possibilidade de produzir, através dos insetos, proteína que ninguém vai notar se é do inseto”. Isto porque o grau de pureza é tão elevado – por exemplo, nas farinhas – que nem se deteta o sabor do inseto.

 

Há muitos casos em que subprodutos das indústrias agroalimentares podem ser ingredientes para outras empresas. manuel a. coimbra
Docente do departamento de Química da Universidade de Aveiro

 

 

[É importante] aumentar a capacidade de valorizar a matéria-prima e desperdiçar menos, portanto, prevenir resíduos. manuela pintado
Docente da Escola Superior de Biotecnologia da Universidade Católica do Porto

 

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