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O difícil caminho da descarbonização

O objetivo é o mesmo: neutralidade carbónica. Mas há indústrias que, pela inerência do negócio, têm mais dificuldades em alcançar a meta.

26 de Junho de 2024 às 13:30
Os cruzeiros gozam de má reputação em matéria de poluição. Tiago Sousa Dias
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Na guerra por um planeta mais sustentável há batalhas que são mais fáceis de vencer e outras mais complicadas. Analisar a sociedade e o mercado torna difícil dizer quais são as indústrias mais poluidoras. Já no que concerne à poluição da água entram em jogo a "agropecuária. nomeadamente as suiniculturas, as vacarias". Sendo que, no caso da agropecuária, entra ainda uma outra questão: a poluição do solo.

Desde logo, como refere Francisco Ferreira, presidente da Zero, porque tudo depende daquilo que estivermos a avaliar. Se estamos a falar de poluição da água, de poluição do ar, de poluição do solo, até mesmo de uma forma mais integrada, olhando para todos os impactos. O ambientalista acrescenta que todas as indústrias têm de cumprir a legislação PCIP, ou seja, Poluição e Controlo Integrado da Poluição. "Se olharmos para o caso das emissões de gases de efeito de estufa, aqui claramente surge no topo a refinação, as centrais térmicas, de ciclo combinado a gás natural, também a indústria do cimento, que tem emissões não apenas associadas à queima de combustíveis fósseis, mas também ao próprio processo de fabricação de cimento", refere, acrescentando ainda a indústria química, a cerâmica e o vidro.

Se olharmos para o caso das emissões de gases de efeito de estufa, aqui claramente surge no topo a refinação, as centrais térmicas, de ciclo combinado a gás natural, também a indústria do cimento, que tem emissões não apenas associadas à queima de combustíveis fósseis, mas também ao próprio processo de fabricação de cimento. Francisco Ferreira
Presidente da Zero
Mas não se trata apenas de poluição. Há indústrias que pelo seu negócio - o caso do cimento, por exemplo - terão mais dificuldade em descarbonizar que outras. Mas há quem esteja a tentar ultrapassar estas dificuldades. Em 2021 a ATIC, Associação Técnica da Indústria de Cimento apresentou o Roteiro da Indústria Cimenteira Nacional para a Neutralidade Carbónica 2050. Um documento que apresenta a Abordagem "5C" (Clínquer, Cimento, Betão (Concrete), Construção, e (Re) Carbonatação), apresentada em Bruxelas a 4 de junho de 2020, e que consiste num conjunto de medidas que irá levar a indústria cimenteira europeia rumo à descarbonização. O certo é que, em junho do ano passado, a Cimpor, através da empresa Betão Liz, apresentou ao mercado o EcoBet, um betão "verde" produzido com resíduos, subprodutos ou materiais reciclados mais sustentáveis e amigos do ambiente. Segundo a empresa este betão, quando comprado comparado com outros tipos de betão, exige menos manutenção e menos reparações e tem uma melhor resistência ao fogo. Além disso, tem uma produção mais eficiente e limpa e permite cumprir com a meta da economia circular e "está em conformidade com a meta para atingir a neutralidade carbónica até 2050, uma vez que na sua produção tem emissões de CO2 mais reduzidas que o betão corrente".

Os cruzeiros e a sua malfadada fama

A queixa é frequente: um cruzeiro polui mais do que centenas (há quem diga milhares) de carros. Mas é mesmo assim? E o que a indústria está a fazer para desmistificar esta noção? Sobre isto a Cruise Lines International Association (CLIA): os esforços sem precedentes feitos nos últimos anos em termos de transição ambiental continuam a dar frutos, tornando o sector um dos mais ativos na redução da sua pegada ambiental.

A associação refere mesmo que a indústria (dos cruzeiros) pretende cumprir a meta de obter emissões líquidas nulas até 2050. Para tal "estamos a investir no desenvolvimento de combustíveis marítimos sustentáveis, todos os anos a frota se torna mais eficiente e estamos a equipar os navios de cruzeiro para se ligarem à eletricidade da costa para reduzir as emissões. A utilização de eletricidade dos portos permite que os motores se desliguem no cais, o que resulta numa redução de até 98% das emissões. Nos próximos cinco anos, mais de 70% dos navios de cruzeiro poderão ligar-se à eletricidade dos portos".

Trata-se de um trabalho conjunto entre a CLIA e os produtores de combustíveis e os fabricantes de motores na busca por alternativas de fontes de energia sustentáveis. "Estas fontes incluem biocombustíveis sustentáveis certificados internacionalmente e combustíveis eletrónicos sintéticos, como o e-metano e o e-metanol. Outras fontes que estão a ser exploradas como parte de soluções híbridas incluem baterias elétricas, bio-LNG, e-LNG, metanol ou células de combustível de hidrogénio", explica a associação, acrescentando que atualmente há 24 navios que estão a a fazer ensaios com biocombustíveis e dois estão a fazer ensaios com combustíveis sintéticos de carbono. Adicionalmente "mais de 15% dos navios de cruzeiro que entrarão em serviço nos próximos cinco anos serão equipados com armazenamento de baterias para permitir a geração de energia híbrida quando disponível".

Além da questão da energia e do combustível a CLIA também está a trabalhar a questão da água, com os navios a terem sistemas avançados de tratamento de águas residuais, que já são utilizados em 77% da capacidade global de cruzeiros e que serão instalados em 100% da futura capacidade encomendada. Estes sistemas tratam as águas residuais a um nível mais elevado do que em muitas cidades costeiras, a fim de proteger o ambiente marinho.

Optamos por compensar as emissões inevitáveis restantes nas nossas operações diretas priorizando a inclusão de projetos na nossa cadeia de fornecimento sempre que possível e comprando créditos de carbono certificados quando necessário. Philip Morris
Internacional (PMI)
Sem esquecer, claro, os materiais utilizados para a construção dos navios. Sobre isso a CLIA afirma que nos "próximos cinco anos, 98% dos navios das empresas membros da CLIA serão construídos em estaleiros europeus, representando mais de 40 mil milhões de euros de investimento direto na Europa. Em Portugal, este investimento é particularmente significativo, uma vez que já temos uma carteira de encomendas neste país de mais de 400 milhões de euros de investimento nos próximos cinco anos para a modernização e construção de novos navios de cruzeiro".

Um mundo sem fumo... e sem emissões

O negócio da Philip Morris Internacional (PMI) é ligeiramente diferente, mas nem por isso menos importante. Neste caso a principal questão incide não tanto no fabrico do produto, mas sim na sua utilização. A empresa assumiu o compromisso, no início da década, "de alcançar a neutralidade carbónica das nossas operações até 2025 (emissões escopo 1 e 2), e a neutralidade carbónica da nossa cadeia de valor até 2024 (escopo 3)". A empresa explica que dá "prioridade à redução das emissões absolutas de carbono, otimizando a eficiência e reduzindo o consumo, enquanto minimizamos a utilização de combustíveis fósseis e promovemos a mudança para energias renováveis. Optamos por compensar as emissões inevitáveis restantes nas nossas operações diretas priorizando a inclusão de projetos na nossa cadeia de fornecimento sempre que possível e comprando créditos de carbono certificados quando necessário".

O processo de descarbonização incide começa nas fábricas, que representaram 5,1% da pegada de carbono total da PMI, e que se centra no aumento da eficiência energética e na mudança para energias renováveis, sustentada pelo desenvolvimento e implementação de tecnologias hipocarbónicas. A Tabaqueira é, segundo a PMI, um bom caso do que a empresa está a fazer e dos resultados obtidos: entre 2010 e 2022, as emissões carbónicas caíram 75%. Aliás, como saliente a PMI, a Tabaqueira foi a terceira fábrica) a alcançar a certificação em neutralidade carbónica (certificação PAS 2060, incluindo emissões de CO2 compensadas).

Mas, talvez, a parte mais interessante da estratégia da PMI seja a sua componente social. Não só no que se refere à exploração agrícola - a empresa afirma que um dos seus eixos de atuação tem sido o combate às práticas de trabalho infantil, assim como garantir rendimentos justos aos agricultores que integram a sua cadeia produtiva - mas também o esforço por proporcionar alternativas ao tabaco naquilo que a empresa designa de "futuro sem fumo".

Uma estratégia que tem impactos positivos em termos de poluição e da saúde dos cidadãos, mas que traz consequências negativas para quem vive da plantação do tabaco. Algo que já se verifica. A empresa admite que "desde 2016, a nossa procura por folha de tabaco caiu aproximadamente 17%, o que resultou numa redução do volume de tabaco que compramos em alguns mercados e na eliminação das nossas atividades de abastecimento noutros". Para contrabalançar esse efeito menos positivo a empresa presta "apoio adicional para mitigar o impacto negativo das nossas compras reduzidas, procurando ajudá-los a diversificar a sua produção agrícola para que tenham novas fontes de rendimento". Um exemplo? O programa "Home Garden", levado a cabo pela PMI Brasil, em parceria com o centro de investigação do Ministério da Agricultura, que tem ajudado os membros das comunidades rurais em que estão inseridos para a criação e manutenção de pequenas propriedades para cultivo de variedades de plantas, frutas e legumes adaptados aos solos e ao clima das regiões em que se situam - cuja venda por ser fonte de rendimento para estas pessoas e famílias.

No caso da PMI - ou outra empresa tabaqueira - a dificuldade de descarbonizar prende-se mais com o início do processo - a plantação e a capacidade de facultar apoio social - e na fase final, a do consumo. Menos emissões para a atmosfera, mas também maior saúde para as pessoas.
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