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Incentivos à reparação em vez de substituir os equipamentos

Novas regras determinam que os consumidores terão direito a pedir a reparação de produtos como máquinas de lavar roupa, portáteis e dispositivos médicos depois do fim da garantia. E as empresas terão de responder a este novo mercado.

13 de Março de 2024 às 13:30
Está prevista a criação de uma plataforma europeia online para a reparação de equipamentos. DR
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O Parlamento Europeu e o Conselho Europeu chegaram a um acordo político sobre um direito à reparação mais forte para os consumidores. As regras acordadas no início de fevereiro clarificam as obrigações dos fabricantes e incentivam os consumidores a prolongar o ciclo de vida dos produtos elétricos e eletrónicos através da reparação.

O objetivo é fomentar o mercado de reparação em detrimento da substituição destes produtos e promover a economia circular. Espera-se que a introdução das novas regras permita ultrapassar alguns dos problemas que atualmente limitam a possibilidade de reparação, como custos elevados, características de conceção que impedem a reparação ou a dificuldade de acesso a serviços de reparação e a peças sobressalentes.

"Atualmente, os consumidores veem-se confrontados com a avaria precoce de bens e a subsequente impossibilidade ou inviabilidade de os reparar, e são ainda confrontados com demasiada informação e diferentes sinais do mercado. Em muitos casos é mais económico, simples e eficiente comprar um bem novo do que o reparar permitindo prolongar a sua vida útil, reduzindo os impactos ambientais", assinala Rosário Tereso, jurista da Deco.

Consumidores terão acesso facilitado a informação sobre serviços e condições de reparação. Rosário Teres
Jurista da Deco
Assim, "com a introdução das novas regras, os consumidores terão acesso facilitado a informação sobre serviços e condições de reparação, bem como sobre vendedores de bens recondicionados e compradores de bens defeituosos para fins de recondicionamento", acrescenta a jurista.

É proposto um novo conjunto de instrumentos para tornar a reparação mais atraente para os consumidores. Entre elas a criação de uma plataforma europeia online para a reparação, em vez de 27 plataformas nacionais, para facilitar o encontro entre consumidores e reparadores. Contempla ainda opções para os consumidores pedirem emprestado um aparelho enquanto o seu está a ser reparado, o acesso gratuito a preços indicativos de reparação e uma extensão adicional de um ano da garantia legal para os bens reparados, entre outras hipóteses.

A ideia é que as oficinas de reparação independentes, os responsáveis pelo recondicionamento e os utilizadores finais tenham acesso a todas as peças sobresselentes e informações sobre reparações e ferramentas a um custo razoável. Para tornar as reparações mais acessíveis e atrativas, os eurodeputados propõem ainda que se ofereçam vales e outros incentivos financeiros aos consumidores, através de fundos nacionais para a reparação.

Há muito que esta diretiva era reclamada no contexto de economia circular para o qual a UE está a evoluir. "Ao facilitar a reparação, esta legislação irá permitir aumentar o tempo de vida útil dos produtos, reduzindo a necessidade de estar sempre a produzir mais e mais equipamentos", salienta Susana Fonseca, vice-presidente da Zero, lembrando que a mesma terá impacto também na redução da utilização de combustíveis fósseis, pois serão menos necessários para produzir produtos.

"Portanto, uma economia mais circular reduz as nossas necessidades de estar constantemente a explorar novos recursos e produzir novas coisas, reduzindo, entre vários impactos, o consumo de combustíveis fósseis". Susana Fonseca lembra também que a reparação fomenta o emprego local "visto que a reparação é feita essencialmente no local ao passo que a produção tende a ser longe da UE", sublinha.

Um novo mercado de reparação

A quantidade de equipamentos elétricos e eletrónicos colocados no mercado na UE aumentou de 7,6 milhões de toneladas em 2012 para 13,5 milhões de toneladas em 2021, segundo o Eurostat. No entanto, na UE reciclam-se menos de 40% dos resíduos de equipamentos elétricos e eletrónicos. As práticas de reciclagem variam entre os países. Em 2021, a Áustria ficou à frente dos Estados-membros no que refere à recolha de resíduos eletrónicos, com uma média de 15,46 kg por habitante. Portugal está no fim da tabela, no 25.º lugar na Europa a 27, com 5,18 kg por habitante.

Mas que impacto terá num mercado que está mais vocacionado para a substituição de produtos e não para a reparação dos mesmos? Gonçalo Lobo Xavier, diretor-geral da Associação Portuguesa de Empresas de Distribuição (APED), ressalta que a diretiva "é um passo importante para a melhoria da vida dos cidadãos e do ambiente", porém, "há questões operacionais que levantam preocupações, sobretudo nos prazos de garantia e reparação que impactam não só o fabricante, mas também impõem condições ao retalhista que muitas vezes não tem autonomia sobre o processo".

Considerando que as novas normas colocam "uma pressão maior nos fabricantes", assinala preocupação sobre o funcionamento do mercado. "Não só continua a ser difícil garantir que os fabricantes asseguram o fornecimento dos componentes necessários à reparação e em tempo útil, como também há uma falta de mão de obra especializada que garanta a reparação dos equipamentos", refere.

Tendo em conta que o acordo se aplica a todos os produtos com requisitos de reparação previstos na legislação da União Europeia, isto traz novas obrigações para as empresas produtoras de produtos elétricos e eletrónicos. Para a jurista da Deco Rosário Tereso, "é expectável que haja necessidade de se estabelecerem novos sistemas de logística e distribuição eficientes e fiáveis para disponibilização de peças sobressalentes, a par de sistemas de recolha e reciclagem". Para além disso, "as alterações convidam a desenvolver os modelos de negócio, atendendo à concorrência e garantindo a sua sustentabilidade, de forma a incluir serviços de reparação específicos numa nova lógica e/ou a possibilidade de subcontratação".

Com todas estas alterações, a APED chama a atenção para a necessidade de melhorar os sistemas de formação, em Portugal e noutros Estados-membros, para garantir que existem profissionais competentes para fazer as reparações. "Neste momento há uma enorme escassez de mão de obra especializada para o fazer e não podem ser os fabricantes e os retalhistas a ficar com o ónus, de uma forma tão desequilibrada", defende Gonçalo Lobo Xavier.

O responsável considera também que é importante esclarecer os consumidores de forma a terem comportamentos "mais positivos e responsáveis" no que respeita à manutenção dos equipamentos. "A distribuição está a preparar-se para induzir comportamentos positivos junto dos consumidores", frisa, pedindo um equilíbrio nas responsabilidades de todos, consumidores, retalhistas e fabricantes.

Após o acordo alcançado, será necessário que os Estados-membros transponham as novas regras para a legislação nacional.
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