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Banca e sustentabilidade: o sistema financeiro a substituir o Estado?

Na agenda para a sustentabilidade, os bancos vão à frente de outros setores. Porém, colocar o sistema financeiro a “substituir” o Estado na aplicação de uma espécie de políticas públicas é um caminho arriscado. Os bancos operam num mercado competitivo e é nesse contexto que devem ser sustentáveis.

Bruno Proença 07 de Fevereiro de 2024 às 14:00
Bruno Proença, Consultor de Sustentabilidade
Bruno Proença, Consultor de Sustentabilidade
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Sempre que assistimos a uma conferência sobre o sistema bancário há dois temas omnipresentes: a sustentabilidade e a digitalização. Não é assim tão estranho. São dois motores de transformação da economia e da sociedade. E, portanto, a banca não pode estar imune a estes movimentos. Vou-me focar na sustentabilidade, onde os bancos vão à frente de outros setores. E arriscam entrar num campo perigoso e minado de serem chamados a aplicar uma espécie de política pública.

As instituições financeiras foram obrigadas a avançar primeiro no território da sustentabilidade muito por pressão de reguladores e supervisores, nomeadamente na Europa. A agenda regulatória da Comissão Europeia, no âmbito do Green Deal, é avassaladora, com um conjunto alargado de diretivas, incluindo para o setor financeiro. Com a liderança de Lagarde, o Banco Central Europeu (BCE) assumiu igualmente um forte compromisso com a sustentabilidade. Com a sua ação enquanto supervisor do sistema financeiro europeu, quer empurrar os bancos para uma trajetória pró-ESG.

Como já reconheceram vários banqueiros, se este foi o empurrão inicial, hoje a pressão de outros "stakeholders" (clientes, concorrentes, colaboradores,…) é de tal forma forte que não deixa grande margem para os bancos seguirem outro caminho. Na verdade, é uma forte oportunidade para os bancos mostrarem que estão ao lado das comunidades, das empresas e dos cidadãos, apoiando os seus esforços de transição para uma sociedade e economia mais sustentável.

Os temas da sustentabilidade afetam a atividade dos bancos em vários níveis. Podemos agrupar os impactos em três grandes grupos. Primeiro, modelos de risco associados às carteiras de crédito e de investimento. Ou seja, pretende-se perceber como a concretização dos riscos de transição e físico impactam a solidez financeira das instituições.

O segundo grupo de impactos está relacionado com as políticas de crédito e produtos financeiros: devem os bancos darem crédito somente a projetos verdes? E o terceiro grupo refere-se à parte operacional e "governance". Isto é, como os bancos estão a trabalhar enquanto organizações para serem mais sustentáveis.

Os reguladores têm sobretudo focado a sua ação nos modelos de risco e na necessidade dos bancos terem dados ESG sobre os seus clientes para fazerem as avaliações mais rigorosas. Ainda em outubro de 2023, a Autoridade Bancária Europeia publicou o "On the role of environmental and social risks in the prudential framework" exatamente sobre estes tópicos.

Porém, prefiro sublinhar o tema das políticas de crédito. Vão ser necessários biliões de euros de investimento anual para conseguirmos a descarbonização da economia. O sistema financeiro terá um papel fundamental no financiamento dos projetos corretos.

A questão está na definição de "projetos corretos". Nos seus exageros burocráticos, a Comissão Europeia e alguns governos podem cair na tentação de quererem proibir novos financiamentos em alguns setores, como o dos combustíveis fósseis. Em termos de políticas públicas até pode fazer sentido. Mas os bancos devem ter maior liberdade para determinar os projetos que financiam. Em primeiro lugar deve estar o mérito e a solidez dos projetos. Em segundo lugar, todos os setores devem fazer um caminho para a descarbonização e vão necessitar de financiar essa trajetória.

Na agenda para a sustentabilidade, os bancos vão à frente de outros setores. Porém, colocar o sistema financeiro a "substituir" o Estado na aplicação de políticas públicas é um caminho arriscado. Os bancos operam num mercado competitivo e é nesse contexto que devem transformar os seus modelos de negócio para serem mais resilientes e sustentáveis.

Ciências e Factos Reino UnidoDepois de França, agora é a vez do Reino Unido apertar os requisitos para que os produtos de investimento sejam classificados como "sustentáveis". De acordo com a última regulamentação da Financial Conduct Authoriy, os ETF não podem entrar na categoria de produtos financeiros "sustentáveis". O objetivo destas regras mais apertadas passa por travar as práticas de "greenwashing".

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