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Geopolítica, comércio e carbono

A descarbonização da economia é um assunto com fortes consequências geopolíticas. As alterações climáticas, bem como outras questões relacionadas com a sustentabilidade (por exemplo, o respeito pelos direitos humanos) exigem mais multilateralismo e coordenação internacional.

Bruno Proença 17 de Janeiro de 2024 às 14:00
Bruno Proença, Consultor de Sustentabilidade
Bruno Proença, Consultor de Sustentabilidade
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Na competição pelo tempo dos diversos "stakeholders", como políticos, jornalistas e mesmo gestores, a geopolítica está a vencer à sustentabilidade. A ponto de viragem ocorreu em 2022, com a invasão da Ucrânia pela Rússia, e agravou-se com a guerra na Faixa de Gaza. Hoje, as questões geopolíticas, militares e relacionadas com a segurança energética concentram a atenção dos decisores políticos e empresariais, bem como a agenda mediática.

A sustentabilidade perdeu espaço. Porém, esta realidade demonstra uma certa miopia. A agenda de transição para o net zero, em termos de carbono, bem como outras questões ambientais têm fortes consequências geopolíticas. Desde logo, porque, por definição, são matérias globais. A ação isolada de um país não vai resolver os problemas. As políticas e medidas têm de ser globais, mas vão afetar os países de forma heterogénea, o que obriga a negociações permanentes bilaterais ou nas instituições internacionais. Portanto, estamos no mundo da geopolítica.

Exemplo disto, é o novo Carbon Border Adjustment Mechanism (CBAM), lançado pela Comissão Europeia, que arranca este ano com dois objetivos: encorajar a indústria a adotar tecnologias mais "verdes" e proteger as empresas europeias face a concorrentes que realocam a sua produção em países com menos exigências ambientais e, por isso, têm menos custos de produção e são mais competitivos.

O CBAM aplica-se aos setores do aço e ferro, alumínio, cimento, hidrogénio, fertilizantes e eletricidade. O mecanismo prevê que as importações de fora da União Europeia destes produtos vão ser taxadas com um imposto aduaneiro relacionado com a sua intensidade carbónica. Desta forma, o seu preço no mercado europeu não deverá ser muito diferente do praticado pelas empresas a operar no mercado único que já hoje têm de suportar "carbon taxes", cujo valor terá tendência para subir. A introdução do CBAM será concretizada de forma faseada e o fardo financeiro chegará a partir de 2026.

Este tipo de soluções tem implicações geopolíticas. Em primeiro, China, Índia e Turquia, os grandes responsáveis pelas exportações para a Europa dos produtos afetados pelo CBAM, levantaram reservas ao mecanismo, dado que os seus produtos vão agora ficar menos competitivos. Argumentam que é uma medida europeia protecionista, que vai prejudicar os fluxos de comércio internacional, e querem negociações na Organização Mundial do Comércio.

Em segundo, outro argumento dos detratores do CBAM passa pela criação de mercados duais. Por um lado, as empresas vão produzir para o mercado europeu respeitando o máximo de requisitos ambientais por forma a minimizarem o impacto do CBAM. Por outro lado, deixaram os produtos com maior pegada carbónica para os países menos exigentes, normalmente os menos desenvolvidos. Isto vai agravar o fosso ambiental entre países desenvolvidos e em vias de desenvolvimento, prejudicando os que menos contribuem para os problemas climáticos.

A União Europeia responde que o CBAM será um incentivo para os países introduzirem políticas ambientais adequadas. A verdade é que os Estados Unidos e a China já admitiram avançar com soluções parecidas com o CBAM.

As vagas de migrações são outra questão geopolítica relevante. Várias instituições internacionais antecipam subidas nas ondas migratórias resultantes do aquecimento global, à medida que zonas do planeta vão ficar inabitáveis.

Não há dúvidas que a descarbonização da economia é um assunto com fortes consequências geopolíticas. Qualquer tentativa de separação é um exercício artificial. As alterações climáticas, bem como outras questões relacionadas com a sustentabilidade (por exemplo, o respeito pelos direitos humanos) exigem mais multilateralismo e coordenação internacional.

Ciências e Factos Plástico recicladoA indústria do plástico reciclado está debaixo de forte pressão. No ano passado, ocorreu um forte crescimento de produção na indústria petroquímica na China e nos EUA, o que levou uma subida da oferta de plástico "virgem" e à consequente redução dos preços. Desta forma, o plástico reciclado ficou menos competitivo, ocorrendo uma redução do consumo e obrigando a uma revisão em baixa dos preços.

Educação verdeO prestigiado Financial Times atribuiu prémios às universidades relacionados com os serviços e produtos na área da Sustentabilidade ESG, bem como com a investigação académica sobre estes temas. Surpreendentemente, ou talvez não, as universidades europeias superaram as dos EUA. Para este resultado, muito contribui o clima na política norte-americana, com uma forte ação do Partido Republicano contra as políticas relacionadas com a Sustentabilidade.
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