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Setor da construção tem de adotar mentalidade de circularidade

Num setor habituado a deitar abaixo para construir de novo, introduzir novos conceitos de construção e de reciclagem encontra vários obstáculos. Também faz falta formação no setor e acabar com o mito de que a construção sustentável é mais cara.

24 de Novembro de 2023 às 12:00
Talk ESG - O Futuro é Agora | Social Talk #2
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    O setor da construção enfrenta grandes desafios na área da circularidade, seja ao nível dos processos como dos materiais utilizados. E os desafios começam logo na própria logística que essa circularidade exige, como frisou Rita Bastos, diretora da Saint-Gobain Solutions, na talk "A qualidade da construção em Portugal e o preço da descarbonização dos imóveis", promovida pela iniciativa Negócios Sustentabilidade 2030. "Naturalmente a circularidade é uma oportunidade, mas montar uma operação de triagem, recolha e reintrodução em alguns processos é um desafio", referiu, destacando que há empresas já a trabalhar nisso, mas "demora tempo pensar num processo nesse sentido". Por outro lado, as empresas debatem-se ainda com algum receio do mercado perante a introdução de matéria-prima reciclada em produtos. Neste sentido, "é necessária uma mudança de ‘mindset’ no setor da construção", referiu Rita Bastos, exemplificando que, "quando a Saint-Gobain lançou um produto com 30% de matéria-prima reciclada, as pessoas achavam que estávamos a meter lixo no produto e era exatamente o oposto", na medida em que exige mais investigação e desenvolvimento para incorporar material reciclado de outra indústria nos seus produtos.

    Nuno Fideles, head of Sustainability da Savills, corroborou que existe um "mindset" de tipificação de construção que tem de ser alterado. "Antes pensava-se que havia só uma maneira de construir. Era deitar tudo abaixo e construir de novo, porque é mais fácil." Nesta linha, "nunca preparámos nem edifícios, nem materiais para virem a ser reciclados, por isso, há esta dificuldade de construir novos agregados que permitam construir novas matérias-primas", acrescentou.

    É uma luta ainda hoje em dia não ter os plásticos misturados com betões, betonilhas ou alumínios nos estaleiros de obras. Nuno Fideles
    Head of Sustainability da Savills
    Nuno Fideles assinalou também que é necessário dar incentivos e dotar o setor de construção de mais conhecimentos sobre reciclagem. "É preciso saber agarrar nos materiais corretos e pô-los nos sítios certos. É uma luta ainda hoje em dia não ter os plásticos misturados com betões, betonilhas ou alumínios nos estaleiros de obras." Na construção podem ser recicladas ou reaproveitadas madeiras, pedras, agregados de cimento, vidros, etc., "mas é necessário aprender a desconstruir, desmontar para reciclar como deve de ser", assinala. Por isso, "necessitamos muito de formar a área da construção e de comunicar melhor", sublinhou Nuno Fideles.

    O betão é 100% reciclável, assim promova-se a sua circularidade. Pedro Goulart Mendes
    Diretor de Marketing e Comunicação da Secil
    Pedro Goulart Mendes, diretor de Marketing e Comunicação da Secil, defendeu também que "a desconstrução é fundamental no setor da construção", destacando que "o betão é 100% reciclável, assim, promova-se a sua circularidade". Salientou o desafio económico, uma vez que "neste momento ainda não é compensatório fazer o trabalho de separação, que é complexo, e ainda é mais barato construir com novos agregados". Por isso, defendeu que "há políticas que têm de ser ajustadas para que seja mais vantajoso para quem queira construir de forma sustentável não ir pela parte mais fácil, que é comprar novo".

    Edifícios têm de ser descarbonizados

    Os edifícios são responsáveis por 36% das emissões de gases com efeito de estufa, segundo dados da Comissão Europeia, sendo que o objetivo é que os novos edifícios públicos tenham emissões zero a partir de 2028. Para Nuno Fideles, a chave está em planear. "Para se fazer um edifício sustentável ou transformar um num edifício sustentável, é muito importante o planeamento. É preciso preparar muito bem o projeto e preparar muito bem uma equipa." Como consequência, os custos serão menores, "o que desmonta o mito de que a construção sustentável pode ser mais cara". Nuno Fideles salientou ser fundamental o trabalho em equipa com todos os stakeholders do projeto para criarem sistemas de eficiência energética, eficiência hídrica, entre outros, como ter balneários para os utilizadores usarem se forem de bicicleta, por exemplo. O responsável de sustentabilidade da Savills sublinhou que as novas construções têm de ter estas questões em consideração também por imposição da regulamentação. "A legislação europeia vai apertar ainda mais o cerco, e ainda bem", frisou. Por isso, "construir sem pensar na sustentabilidade é deitar dinheiro fora, porque esse edifício facilmente ficará fora do mercado, principalmente do lado empresarial e dos serviços, por não corresponder às necessidades de sustentabilidade dos seus utilizadores".

    Da mesma forma que existe o certificado energético para os edifícios, a ADENE também já lançou o certificado de eficiência hídrica, salientando Nuno Fideles que "as pessoas estão a começar a compreender que estando num edifício sustentável, os custos de operação são menores, porque se consumo menos energia pago menos energia e se consumo menos água pago menos água".

    São necessários incentivos para a reabilitação e para a construção mais sustentável. Temos tido alguns incentivos do Fundo Ambiental, mas é muito curto. Rita Bastos
    Diretora da Saint-Gobain Solutions
    Para Rita Bastos, um bom planeamento também "faz toda a diferença" e igualmente aqui considerou que é preciso mudar o "mindset" português. "Nós não somos um país que historicamente planeia muito", mas "no atual estado da habitação em Portugal isto pode fazer toda a diferença". Para a diretora da Saint-Gobain Solutions, também se deve pensar a longo prazo para se conseguir obter ganhos, mesmo que a curto prazo o projeto possa ser mais dispendioso.

    Um país com pobreza energética

    Portugal é um dos países europeus em que a pobreza energética é mais elevada, na medida em que as casas são muito quentes no verão e muito frias no inverno. A nova construção e a reabilitação podem colmatar estas falhas. "Ter um espaço bem isolado faz toda a diferença", assinalou Rita Bastos, destacando que "são necessários incentivos para a reabilitação e para a construção mais sustentável. Temos tido alguns incentivos do Fundo Ambiental, mas é muito pouco". Para quem não tem muitas possibilidades, e considerando o momento atual, falta mais investimento para incentivar a reconstruir e reabilitar os edifícios e também incentivos para quem constrói bem e pensa em tudo de forma integrada". Além disso, "o processo de submissão é complexo e é preciso entrar com o dinheiro sem a garantia de que se vai receber essa devolução", criticou Rita Bastos. Para a responsável, é preciso fazer mais para combater a pobreza energética, pois "temos 70% dos edifícios com classificação C e pior, portanto, só 30% é que têm classificação A e B".

    Pedro Goulart Mendes recordou que o Portal da Construção Sustentável apurou num estudo que 90% dos inquiridos dizem passar frio em casa e 70% não têm qualquer sistema de isolamento térmico. "Isto vem do boom da construção dos anos 80 e 90 e agora temos um impacto grande em termos de qualidade da construção que não ajuda a que tenhamos uma qualidade de isolamento suficiente para fazer face ao nosso clima." Mas "mais preocupante", acrescentou, é que "50% não têm disponibilidade económica para utilizar qualquer equipamento para compensar o frio ou o calor e apenas 8% aproveitam os incentivos". Portanto, "a comunicação não está a chegar a quem realmente precisa", assinalou o diretor de Marketing e Comunicação da Secil. Relativamente aos materiais, Pedro Goulart Mendes assinalou que "o betão tem inércia térmica", ou seja, "é como se tivéssemos uma pequena bateria nas nossas paredes que vai acumulando energia do Sol e a vai libertando aos poucos e ajudando a manter uma temperatura mais estável ao longo do tempo". Por isso "todos os componentes ajudam, desde as janelas, os isolamentos térmicos ou as estruturas em betão para ter um edifício que seja energeticamente mais sustentável e com menos gastos de climatização". Tendo tudo isto em consideração, "podemos olhar para o futuro de uma forma diferente. O método construtivo daqui para a frente poderá ser completamente diferente e vai possivelmente revolucionar a construção em Portugal", referiu. Mas, para isso acontecer, é necessário que também a indústria cimenteira faça a descarbonização da sua atividade de forma a não impactar negativamente os edifícios com as suas emissões de CO2, algo que a indústria cimenteira mundial está a abordar de diferentes ângulos e em diferentes projetos. "Temos um roadmap e queremos chegar a 2050 sem qualquer impacto ao nível de emissões de CO2", frisou o responsável da Secil. Além disso, destacou também a importância do design de construção, nomeadamente a modular, que "vai permitir ter menor desperdício de produto".

    Rita Bastos corroborou que a construção em fábrica vai permitir ter uma operação mais controlada, mais rápida, com melhores condições para os trabalhadores e com menos desperdício de material. Porém, implica mais planeamento.
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