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Existe uma tensão constante entre economia e clima

As alterações climáticas estão a provocar grande turbulência na economia, mas ao mesmo tempo abrem espaço à inovação e a novas oportunidades de negócio.

27 de Outubro de 2023 às 11:00
Sérgio Lemos
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Foto em cima: A Talk ESG "Quais os efeitos das alterações climáticas na economia?" contou com a participação de Rui Oliveira, COO da APCER, José Eduardo Martins, sócio da Abreu Advogados e Carlos Rodrigues, Diretor da Silvex. A moderação foi de Bárbara Silva, jornalista do Jornal de Negócios.


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    Num mundo assente num modelo linear e consumista, a relação entre economia e combate às alterações climáticas vive em constante tensão. Um modelo que tem de ser adaptado para manter o desenvolvimento sem continuar a extrair demasiado ao planeta. "Um impacto circular", como começou por o caracterizar José Eduardo Martins, sócio da Abreu Advogados, na abertura da Talk ESG "Quais os efeitos das alterações climáticas na economia?", promovida pela iniciativa Negócios Sustentabilidade 2030.

    José Eduardo Martins sublinhou que economia e alterações climáticas vivem interligadas e que os limites ao crescimento da economia num planeta limitado e com população crescente é um tema discutido há décadas. Um assunto que "não é fácil para os políticos", pois "basta ver o que se passou com a taxa de carbono ou o que se vai passar cá com o IUC [Imposto Único de Circulação]", salientou. Ou seja, "quando chegamos às medidas concretas da transição energética, chocamos com a circunstância social de haver um conjunto de pessoas, que até são as mais desprotegidas e que têm um carro velho", que são quem vê esse imposto aumentar, salientando que existe uma constante "tensão entre economia e clima".

    Na economia deve haver uma dimensão de mitigação em relação às alterações climáticas que deve ser possível de estimular. José Eduardo Martins
    Sócio da Abreu Advogados
    Tendo em conta que a evolução da sociedade e da tecnologia levou à duplicação do consumo "predador de recursos naturais", salientou que "na economia deve haver uma dimensão de mitigação em relação às alterações climáticas que deve ser possível de estimular". Nomeadamente, "não podemos deixar de pensar em introduzir padrões de consumo relativamente mais sustentáveis", exemplificando o têxtil como um exemplo significativo a corrigir.

    Por isso, tendo em conta que "o desperdício se pode combater até ao limite da mitigação", José Eduardo Martins defende que "há imensas coisas que poderemos fazer para reduzir a curva do aumento das emissões", mas tal vai implicar "uma adaptação da economia". No essencial, considera que no século XXI a sociedade deverá "adaptar-se a fazer coisas diferentes, porque boa parte dos efeitos das emissões decorre de sermos muito mais pessoas em cima da Terra e de nenhum de nós estar disposto a ter frio ou fome".

    José Eduardo Martins criticou também que existe algum "desnorte dos políticos" e que deve "haver justiça na distribuição dos encargos" que a transição climática acarreta. "Justiça é penalizar quem tem um carro velho e não conseguiu comprar um novo? Não acho que esse seja o caminho", sublinhou. Salientou ainda que o problema do uso do carro em Portugal é que "não se pode reduzir o carro sem alternativas de transportes públicos sérias urbanas e não urbanas". Já a nível europeu, sendo o bloco responsável por menos de 10% dos gases de efeito de estufa (GEE) a nível global, o advogado alerta que "a nossa economia é aquela que mais restrições vai ter ao contrário das outras que estão em guerra comercial connosco". Neste contexto, não esquecendo a obrigação de Portugal no combate às alterações climáticas, alerta que o país "tem um tecido social muito frágil e não podemos deixar de olhar para ele".

    A nova Diretiva de Reporte de Sustentabilidade

    Rui Oliveira, COO da APCER - Associação Portuguesa de Certificação, começou por abordar as novas obrigações de reporte de sustentabilidade a que as empresas vão estar sujeitas, indicando que "há várias motivações" que estão a alavancar as empresas para a mudança. Nomeadamente, "algumas decorrem de iniciativas das próprias organizações que querem melhorar o seu desempenho ambiental, social e económico; outras veem-se obrigadas a avançar nestes aspetos decorrente de relações contratuais com clientes; e depois temos obrigações de conformidade que decorrem da União Europeia e que muito em breve entrarão em vigor".

    A Diretiva de Reporte de Sustentabilidade vai obrigar a que um conjunto de organizações vá fazer o relato público e a verificação para uma entidade terceira do seu desempenho ESG, que "vai impulsionar as organizações a avançar". Porém, Rui Oliveira recorda que já existe uma norma há muitos anos, a ISO 14001, relativa a requisitos de sistemas de gestão ambiental, que muitas empresas já implementaram e certificaram, evidenciando uma "perspetiva positiva" do panorama português nesta matéria. Salientou também que "isto começou pelas empresas mais poluentes, portanto, foi o setor industrial que deu o passo para avançar na certificação ambiental". Rui Oliveira também se mostra confiante em relação à pegada de carbono que considera que "tem evoluído muito positivamente em termos de verificações e validações".

    O país tem de ser otimista e avançar nos instrumentos que existem, não só para fazer reporte, mas também para melhorar o seu desempenho. Rui Oliveira
    COO da APCER
    O COO da APCER sublinhou, por sua vez, que "há um caminho feito, há um caminho que se está a fazer e o país tem de ser otimista e avançar nos instrumentos que existem, não só para fazer reporte, mas também para melhorar o seu desempenho". Porém, enfatiza que "as empresas têm de ter os recursos para implementarem todos os processos", pois trata-se de "uma decisão de permanecer no mercado".

    Como a questão da dupla materialidade da Diretiva de Reporte de Sustentabilidade vai implicar que a organização olhe para os impactos internos e também para os impactos na sociedade e no ambiente, "isto vai permitir reportar um conjunto de informações que pode ser comparada, verificada e avaliada. E quando avaliamos temos sempre a perspetiva de melhoria contínua".

    Rui Oliveira sublinhou também que os próprios consumidores estão a impulsionar à mudança com escolhas cada vez mais exigentes de soluções certificadas e validadas. "Há um caminho a fazer e este é o caminho em todos os países desenvolvidos", sustentou.

    O plástico não caminha sozinho até aos oceanos

    Como diretor de uma empresa de plástico, produto "diabolizado" em contexto de transição climática, Carlos Rodrigues começou por destacar que a Silvex é certificada pela norma ISO 14001. Assinalou, por sua vez, que se devia ter começado a pensar há 50 anos no efeito da economia nas alterações climáticas, tendo em conta que a população está a crescer há muitos anos e é preciso dar-lhe alimento e conforto. Carlos Rodrigues defendeu que "se não fizermos algo e as alterações climáticas continuarem no seu curso vamos chegar a uma altura em que não vamos ter alimentos para essas pessoas porque não os vamos conseguir produzir".

    Salientou os impactos das alterações climáticas na agricultura, particularmente na olivicultura e viticultura, onde o ano está a ser "completamente atípico" em Portugal, devido às alterações de padrões do clima. Além disso, "a falta de água é de tal ordem que os espanhóis da Andaluzia estão a pedir água do Alqueva e Portugal está com muitas regiões em seca ou seca extrema". Com o correr destes fenómenos, acredita que "no futuro haverá uma deslocalização das culturas", tanto que "na Suécia e no Reino Unido já se está a fazer vinha". Mostrando o impacto que as alterações climáticas têm nos setores económicos, questionou se no futuro Portugal não irá deixar de produzir vinho e começar a produzir produtos tropicais.

    Temos uma unidade de economia circular em que recebemos os resíduos das grandes superfícies e de produtores de plásticos e transformamo-los em plástico feito 100% a partir de material reciclado de qualidade. Carlos Rodrigues
    Diretor da Silvex
    Em termos práticos, destacou que a Silvex está muito preocupada com a sustentabilidade, até porque "toda a gente aponta o dedo ao plástico". Uma perspetiva errada, segundo Carlos Rodrigues, pois "o plástico não caminha sozinho até aos oceanos, somos nós que o descartamos indevidamente". Não sendo um problema do material, mas sim comportamental, ainda assim, a Silvex está a tentar reduzir a quantidade de matéria-prima e a usar a maior quantidade possível de material reciclado. "Temos uma unidade de economia circular em que recebemos os resíduos das grandes superfícies e de produtores de plásticos e transformamo-los em plástico que depois vamos usar em artigos feitos 100% a partir de material reciclado de qualidade", explica. Este volume representou 3600 toneladas em 2022, para dar origem a novas formulações que esses produtores vendem depois em formato de novos produtos. "Fecha-se o círculo", assinala Carlos Rodrigues.

    A empresa também está a trabalhar com compostos biodegradáveis certificados. "Se dizemos que é 80% é 80%, se dizemos que é 100% é 100% certificado por uma entidade independente", sublinha. O empresário confirma que a inovação traz mais encargos, porém "traz um valor acrescentado porque estamos a transformar um resíduo numa matéria-prima e depois num artigo". Ou seja, "era um resíduo que acabava em aterro e agora é-lhe incorporado valor e é exportado para os Estados Unidos".

    A empresa faz também mais de mil toneladas de artigos certificados como biodegradáveis e compostáveis. Juntando tudo, "já estamos a usar menos de 50% de plástico virgem na nossa produção", garante o diretor da Silvex.
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