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John Elkington: “ESG é importante, mas não nos vai salvar”

O especialista em responsabilidade corporativa e desenvolvimento sustentável, e autor de mais de duas dezenas de livros, acredita que a sustentabilidade, nos seus pilares ambiental, social e económico é um caminho obrigatório, mas não é a solução.

23 de Outubro de 2023 às 12:00
John Elkington alertou para a necessidade de mudança na conferência de ambiente do ‘Negócios Sustentabilidade 2030’. Bruno Colaço
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As próximas duas décadas e meia são determinantes para a concretização das metas climáticas definidas para 2050. Trata-se de uma espécie de corrida contra o tempo, da qual todos conhecem a meta, mas ninguém tem a certeza de lá conseguir chegar em tempo útil. "Mesmo que sigamos uma agenda ESG durante 20 ou 30 anos, não é isso que nos vai salvar", defendeu John Elkington.

Conhecido por ser um dos "pais" do conceito ESG (Ambiente, Social, Governação - sigla em inglês), o empreendedor e especialista nos temas da sustentabilidade, aponta que este caminho mais não é do que "o princípio de uma realidade muito diferente, e não o percurso para voltar à normalidade que antes conhecíamos". Aliás, o "keynote speaker" do primeiro de três encontros do Ciclo de Conferências ESG, promovido pelo Jornal de Negócios e integrado na iniciativa "Negócios Sustentabilidade 2030", que decorreu a semana passada em Lisboa, recorda que a sustentabilidade deve ser disruptiva e transformadora da sociedade, das empresas, e das cadeias de valor.

A abordagem das organizações aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável não é a correta, uma vez que procuram partir das práticas que já implementaram para garantir ganhos, ao invés de definir uma estratégia a partir do zero. John Elkington
Especialista em responsabilidade corporativa e capitalismo sustentável e um dos fundadores do conceito ESG
No entanto, esta transformação ainda não foi, na perspetiva do orador, totalmente compreendida pela grande maioria das empresas, a nível global. "A abordagem das organizações aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) não é a correta, uma vez que procuram partir das práticas que já implementaram para garantir ganhos, ao invés de definir uma estratégia a partir do zero". Regular a atuação das empresas é, por isso, fundamental, acredita John Elkington, que destaca o papel da União Europeia neste processo. A introdução da diretiva CSRD (Corporate Responsability Reporting Directive , na sigla em inglês), que prevê o reporte e auditoria das atividades empresariais com impacto no ambiente e na sociedade, permitirá apontar o rumo, e assegurar que cada passo é dado na direção certa. "Esta medida contribuirá para evitar ações de ‘greenwashing’ e uniformizar a atuação das empresas", salienta.

O papel dos mercados financeiros neste processo de transformação é igualmente importante. Os benefícios ou penalizações que podem ser impostos a quem atua em conformidade com os três pilares da sustentabilidade, ou a quem não o faz, contribuirão para uma maior consciencialização sobre a importância de mudar. Contudo, alerta John Elkington, "muitas instituições financeiras ainda estão a dormir e não perceberam a abrangência das consequências de não fazer nada", uma questão política sem a qual "esta transformação não é possível", conclui.

Não falta água em Portugal

O pilar do ambiente foi o escolhido iniciar o Ciclo de Conferências ESG que teve como principais temas em debate as questões da água e dos resíduos, temas que estão no topo da atualidade nacional e que contaram com a presença de agências públicas, reguladores, representantes da academia e empresas.

23%
Redução da quantidade de chuva em Portugal nos últimos 20 anos. No total da Península Ibérica, a redução foi de 15%. 
"Temos água suficiente em Portugal e no mundo, se a soubermos usar bem". A afirmação é de Joaquim Poças Martins, secretário-geral do Conselho Nacional da Água, especialista em Gestão Hídrica e professor na FEUP, que recorda que o desperdício de água em Portugal é muito elevado. Segundo dados da Entidade Reguladora dos Serviços de Água e Resíduos (ERSAR), dos 8,2 mil milhões de litros de água captados anualmente para consumo humano, perdem-se quase 2 mil milhões, desperdício que poderia satisfazer as necessidades de um milhão de pessoas. Um problema grave, mas que tem solução, como aponta o professor na FEUP, que participava no primeiro debate do dia. Captar e armazenar a água da chuva, fazer transvazes, dessalinizar ou trabalhar a vertente da eficiência (cerca de 200 entidades gestoras são responsáveis por 20% das perdas), são algumas das soluções apontadas para evitar perdas tão elevadas.

José Pedro Salema, presidente do Conselho de Administração da EDIA, entidade gestora da água do Alqueva, partilha a opinião de que a água é suficiente, mas alertou para a necessidade de "fazer um esforço em algumas áreas para gerir melhor a distribuição". O presidente do Conselho de Administração da EDIA, alertou para o facto de a água ser essencial para a agricultura e para que os portugueses possam continuar a ter alimentos à mesa. "Em Portugal há défice na produção alimentar e, para inverter esta situação, é preciso produzir e utilizar água para produzir mais alimentos".

46%
Da água consumida em Portugal tem origem em rios internacionais, segundo a Agência Portuguesa do Ambiente. 
O presidente da Agência Portuguesa do Ambiente (APA), Nuno Lacasta, sublinhou que o grande desafio da próxima década é perceber se as metas em cima da mesa conduzem, de facto a uma melhor gestão de processos. A criação de "parques de água" em todo o país é um dos projetos que a APA tem em curso e "será o culminar de uma estratégia de implementação de políticas públicas já iniciada".

O "laboratório" de algumas destas iniciativas tem sido a região do Algarve onde está, por exemplo, a ser construída a primeira dessalinizadora nacional, para retirar o sal à água do mar e introduzi-la na rede pública. Esta região é a mais deficitária do país e conta com necessidades crescentes, muito por via do desenvolvimento do setor agrícola. "Há culturas recentes que em breve não terão água disponível", apontou Nuno Lacasta.

É importante falar de resíduos, não de lixo

A gestão dos resíduos urbanos continua a ser um dos calcanhares de Aquiles do país. Apesar da evolução verificada nas últimas três décadas, nomeadamente a eliminação das lixeiras, o país continua atrasado face aos congéneres europeus. "Estamos a tratar bem o nosso lixo?" foi a questão lançada para o segundo debate, que juntou Andreia Barbosa, autora do livro "O lixo em Portugal", Marta Brazão, presidente da Circular Economy Portugal, Paulo Lemos, da direção-geral ENV e ex-secretário de Estado do Ambiente, e Vera Eiró, presidente da Entidade Reguladora dos Serviços de Águas e Resíduos (ERSAR). A resposta unânime é de que há evolução, mas também um longo caminho a percorrer.

27º
Posição de Portugal no indicador de gestão de resíduos, num conjunto de 29 países, de acordocom um estudo da Oliver Wyman.
A consciencialização da população é um trabalho que os oradores reconhecem ser essencial, mas demorado. "O cidadão é o primeiro gestor do lixo", lembra Andreia Barbosa, que destaca que apesar de os comportamentos terem evoluído nos últimos anos, são necessárias estruturas que apoiem a tomada de boas decisões. Medidas de incentivo à reutilização e à adequada gestão dos resíduos são usadas com sucesso em alguns países e podem, na opinião dos participantes desta conversa, ser boas soluções para implementar também em Portugal. "A quantidade separada pode, por exemplo, afetar a fatura mensal pela gestão de resíduos, assim como as lojas podem cobrar por serviços de retoma ou outros", acredita Marta Brazão.

Outro modelo, já implementado em 12 municípios, é o conceito "pay as you throw", como assinala Vera Eiró. Contudo, alerta, "isto implica uma grande alteração logística e uma medição da quantidade de lixo que estou a produzir". Um desafio à implementação generalizada do sistema, "mas essencial para fazer esta passagem". Uma opinião partilhada por Paulo Lemos, que acredita que a legislação da União Europeia, com objetivos que vão além da reutilização, será determinante para a mudança.
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