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Fundo Ambiental oito anos depois. Está a cumprir a missão?

Criado em 2017, foi anunciado como um instrumento fundamental para apoiar a transição verde. “O fundo é um pequeno grande luxo para qualquer governo”, aponta o ex-ministro do Ambiente e da Ação Climática, Matos Fernandes.

19 de Março de 2025 às 13:30
Até ao momento, os avaliadores dos pedidos de apoio ao PAE+S do Fundo Ambiental consideraram elegíveis quase 5.000 candidaturas.
Entre os apoios disponíveis, o Fundo Ambiental abrange a instalação de painéis solares e janelas eficientes. Mike Blake/Reuters
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Foto em cima: Entre os apoios disponíveis, o Fundo Ambiental abrange a instalação de painéis solares e janelas eficientes.

Aprovado pelo primeiro governo de António Costa, em 2016, o Fundo Ambiental entrou em funcionamento no ano seguinte, em 2017, com uma missão bem definida: “apoiar políticas ambientais para a prossecução dos objetivos do desenvolvimento sustentável”, lê-se no Decreto-Lei 42-A/2016. O objetivo central era torná-lo um instrumento que apoiasse a jornada de Portugal rumo à neutralidade carbónica, através de uma gestão centralizada e ágil sob responsabilidade do Ministério do Ambiente e da Ação Climática.

“Era um caso único. Permitia agilidade na execução sem ter de bater à porta do Ministério das Finanças, o que normalmente significa poupar um ano em burocracia”, recorda João Pedro Matos Fernandes. Ao Negócios, o ex-ministro com a tutela do ambiente lembra com orgulho o projeto que liderou e cujo sucesso, diz, surpreendeu todos, incluindo o próprio.

“Era um instrumento único. Não havia cativações, não havia bloqueios. O dinheiro estava lá e podíamos tomar decisões rápidas”, aponta, sublinhando a importância de o Ministério ter capacidade financeira para dar resposta não apenas à transição sustentável, mas também a imprevistos. “Passámos a ter dinheiro disponível para emergências ambientais, como incêndios e tempestades. Isso era impensável antes do Fundo Ambiental”, reitera.

Oito anos volvidos, muito mudou. O que era inicialmente um pequeno pé-de-meia financiado pelos quatro fundos que absorveu (alguns, refere Matos Fernandes, sem dinheiro), pelas receitas obtidas via imposto sobre produtos petrolíferos e pelos ganhos com os leilões de carbono, transformou-se numa espécie de ‘saco azul’ para a sustentabilidade.

1,8Verba
O Orçamento do Fundo Ambiental aumentou de forma considerável ao longo dos anos. Em 2024, tinha 1,8 mil milhões à disposição.

“Foi criado sem se criar nenhuma taxa, taxinha, nem nada de novo. Na altura, a tonelada de CO2 estava a seis euros e quando saí do Ministério do Ambiente estava a cerca de 85 euros”, explica. Certo é que dos mais de 157 milhões de receitas em 2017, o Fundo Ambiental passou para um orçamento superior a 1,8 mil milhões de euros em 2024. “Pudemos executar, com taxas entre os 96% e 98% ao ano, as receitas que tínhamos”, acrescenta Matos Fernandes.

Da educação ambiental aos transportes

Este ‘saco azul’ do ambiente apoiou, ao longo dos últimos oito anos, projetos de mitigação dos efeitos das alterações climáticas, de sensibilização, conservação e restauro da natureza, mas também a aquisição de veículos de emissões reduzidas ou totalmente elétricos — para privados, mas também para o sector dos transportes e até para IPSS. Aliás, já no início deste ano — o nono desde que o fundo foi criado —, o Governo demissionário anunciou a utilização de perto de 110 milhões de euros para aplicar no Metro de Lisboa, Metro do Porto e na CP. “O fundo é um pequeno grande luxo para qualquer governo”, afiança Matos Fernandes.

Apesar de ter um orçamento confortável e uma gestão autónoma relativamente à ação implacável das finanças, o Fundo Ambiental tem sido alvo de críticas pela demora na abertura de candidaturas, bem como na resposta a esses pedidos. O Programa de Apoio a Edifícios Sustentáveis (PAES2023), que visava financiar a instalação de painéis solares e de janelas eficientes, tem sido um dos principais problemas.

“Neste momento temos milhares de queixas. Todos os dias nos chegam novas queixas sobre o Fundo Ambiental, em particular no programa dos edifícios mais sustentáveis”, afirma João Fernandes, jurista da DECO. Em causa estão os atrasos, mas sobretudo o chumbo de candidaturas que os cidadãos consideram abusivo. “Temos muitos cancelamentos de candidaturas devido a alterações dos regulamentos que foram entrando em vigor e que alteraram as circunstâncias de facto”, resume.

80.000Candidaturas
Em 2023, foram submetidas 80 mil candidaturas ao Programa de Apoio a Edifícios Sustentáveis.

João Fernandes fala de regras alteradas a meio do percurso que, muitas vezes, tornam inviáveis candidaturas que reuniam todos os requisitos para serem aprovadas — pelo menos à luz das exigências iniciais. Por outro lado, a “iliteracia administrativa” da população dificulta a navegação, sem ondas, pelos diferentes avisos de abertura de candidaturas e regulamentos com orientações técnicas. “Precisamos de introduzir uma linguagem mais coloquial e mais próxima”, sugere.


O Governo precisa de garantir que as regras dos apoios são claras.Henrique Sanchez, Presidente honorário da UVE

“É verdade que 30% da população vive em pobreza energética, mas este programa permitira, a quem pudesse, melhorar a eficiência energética das suas casas. Era um programa importante, mas infelizmente este governo parece que não o quer continuar”, lamenta. Para o futuro, João Fernandes pede que os programas sejam “adequados às pessoas para que elas consigam compreender, de forma fácil e percetível, os requisitos e procedimentos”.

Relativamente aos atrasos, o Ministério do Ambiente e Energia, liderado por Maria da Graça Carvalho, garantiu, nos últimos meses, estar a analisar todas as candidaturas — inclusive com apoio a ferramentas de inteligência artificial — para dar resposta até abril.

Para-arranca na mobilidade sustentável

A mobilidade elétrica tem estado igualmente sujeita a um para-arranca que, na perspetiva da UVE — Associação de Utilizadores de Veículos Elétricos, prejudica o objetivo dos programas de apoio à aquisição de veículos zero emissões: a descarbonização dos transportes. “O atraso nos apoios afeta as vendas e impede os consumidores de tomarem decisões informadas sobre a compra de veículos elétricos”, considera Henrique Sanchez.

O presidente honorário da UVE lamenta que, no ano passado, as candidaturas para os apoios só tenham sido abertas em outubro, algo que vê como “completamente inaceitável”. “O Governo precisa de garantir que as regras dos apoios são claras e publicadas atempadamente, para evitar confusão e frustração”, aponta, sugerindo ainda que as candidaturas sejam abertas logo no início de cada ano com regras publicadas no fim do ano anterior.

Para a associação, é importante que o Governo aumente a dotação orçamental alocada ao apoio à aquisição de veículos de zero emissões, mas também que altere as regras do abate. “Praticamente desde o início da associação que pugnamos por um incentivo ao abate que deve ser complementar e cumulativo com o incentivo à aquisição”, diz. Atualmente, o incentivo à aquisição exige que o cidadão entregue, para abate, um veículo a combustão com pelo menos 10 anos.

Já depois de confirmada a queda do Governo e a ida a eleições, o Ministério de Maria da Graça Carvalho prometeu, conforme noticiado pelo Jornal de Negócios na segunda-feira, a publicação do aviso até ao fim desta semana. As regras mantêm-se praticamente inalteradas, disponibilizando um incentivo de 4 mil euros por veículo para os particulares e de 5 mil euros para IPSS, autarquias e autoridades de transportes. Para os ligeiros de passageiros, o limite mantém-se nos 38.500 euros, embora o executivo abra a porta à compra de elétricos até 55 mil euros desde que os veículos tenham mais de cinco lugares.


“Se o Fundo Ambiental for absorvido por uma nova estrutura burocrática, perde-se a agilidade que o tornava eficaz.”João Pedro Matos Fernandes, ex-ministro do Ambiente

Este ano, estão disponíveis 13,5 milhões de euros, um aparente aumento face aos 10 milhões alocados no ano passado.

“O montante é o mesmo de sempre, são 10 milhões. Os 3,5 milhões vêm do que sobrou no ano passado e não foi usado”, explica Henrique Sanchez. “Achamos que o montante deverá ser substancialmente superior se queremos, de facto, acelerar a eletrificação do nosso parque automóvel”, reitera.

Nova gestão é um risco?

Uma das novidades anunciadas recentemente pelo Ministério do Ambiente e Energia é a passagem da gestão do Fundo Ambiental para uma nova entidade, a Agência do Clima, liderada por Ana Teresa Perez, antiga vogal da Agência Portuguesa do Ambiente, para onde será canalizada parte dos fundos com origem no PRR. “Se o Fundo Ambiental for absorvido por uma nova estrutura burocrática, perde-se a agilidade que o tornava eficaz”, avisa João Pedro Matos Fernandes.

Até ao fecho desta edição, o Jornal de Negócios não obteve esclarecimentos do Ministério tutelado por Maria da Graça Carvalho sobre esta nova estrutura e os atrasos relacionados com os apoios do PAES2023.

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