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Quando o presente se junta ao passado. É desta forma que podemos analisar o momento que a fruticultura portuguesa atravessa. Nos últimos anos registou-se uma maior procura pelo consumo de fruta, assim como pela diversificação dos frutos adquiridos. Mas, por outro lado, os consumidores começam a ser mais exigentes no que concerne à sustentabilidade do que consomem. Fazem perguntas e exigem respostas. Qual a pegada de carbono daquela banana? As framboesas vieram de longe?
A isto há ainda que juntar uma outra questão: a digitalização da agricultura. E se a maioria dos agricultores considera que as ferramentas digitais são úteis (essenciais, mesmo) para o aumento da produtividade e sustentabilidade do seu negócio, também é verdade que não é assim tão fácil a sua aquisição e utilização. O estudo independente "Agricultores e Digitalização", encomendado pelo Grupo Vodafone à Savanta ComRes no ano passado (e que abarcou Portugal) revelou que muitos agricultores já estão a utilizar ferramentas digitais para reduzir a utilização de fertilizantes, para utilizar a água de forma mais inteligente e para melhorar a saúde dos solos. Mas o documento também apontou as principais barreiras: é o caso do custo de aquisição, da disponibilidade dos equipamentos, assim como o acesso (mais precisamente a falta de) à internet. Sem esquecer as metas definidas pela Comissão Europeia e os respetivos prazos. Afinal estamos em contagem decrescente para os mesmos.
Mas nem tudo é negativo ou preocupante. Já há vários projetos em curso. Na fruticultura, por exemplo, mas não só, assiste-se a uma renovação dos produtores. Uma geração mais jovem, com outras ideias e mais aberta a novas abordagens e que, muitas vezes, vem de áreas que nada têm a ver com a agricultura. O resultado é uma espécie de combinação entre o futuro e o passado, em que se juntam técnicas antigas e avançadas.
Carlos Matos é um bom exemplo. Este (ex-) técnico de som resolveu, com a esposa, mudar de vida. A decisão incidiu no Fundão e num dos frutos típicos da região: as cerejas. A novidade está na estratégia seguida para tentar fazer uma agricultura biológica. As variedades mais apetecidas (e valiosas) são as tardias. Que têm a particularidade de serem mais suscetíveis a uma praga terrível: a mosca. A solução encontrada por Carlos foi ter galinhas a "passear" pelos campos. Estas não só limpam o terreno como se alimentam dos ovos que mais tarde viram moscas.
Este ano, pela primeira vez, Carlos viu uma redução substancial da mosca e vai poder colher a dita cereja. Para o futuro o objetivo é aumentar a produção - preferencialmente das variedades autóctones (com especial atenção para as tardias) - tendo em conta que algumas das cerejeiras ainda são juvenis - assim como incrementar o número de galinhas a "passear" pelo campo. Hoje tem cerca de 100, mas já chegou a ter 200. O estar junto à Serra da Gardunha implica a presença de predadores. E isso, fez com que, de uma assentada, perdesse um número substancial de animais.
No entanto Carlos lembra que esta é uma solução já utilizada pelos "antigos" e que, com o tempo, foi ficando em desuso. Com algumas (pequenas) exceções. O agora produtor recorda o caso de uma produção que utiliza o mesmo sistema. A diferença está no facto de ser uma propriedade murada e, por isso, protegida dos predadores. Seja ou não influencia das galinhas o certo, refere, é que, no seu caso, notou uma diminuição substancial da presença das moscas e no outro produtor elas não aparecem sequer.
Práticas antigas à luz do século XXI
Mais do que um regresso ao passado o que ocorre, segundo Nuno Gaspar de Oliveira, CEO da NBI - Natural Business Intelligence, é uma perspetiva evolutiva do que podemos aprender ao longo das experiências. O executivo lembrou que nas últimas décadas muito mudou na produção, com a introdução dos pesticidas (e não só). Acontece que é "uma bala mágica que traz efeitos colaterais", aponta, acrescentando que "o que está em causa, à luz do que sabemos hoje e da tecnologia atual, é recriar esse ciclo virtuoso, onde se encontram três áreas de conhecimento: ecologia, agronomia, e a economia". Dito de outra forma, "as pessoas produzem fruta porque é um meio de subsistência, é um investimento, é o seu negócio, mas precisam de fazê-lo com a natureza a ajudar e não numa guerra contra ela". A questão é que o foco deve estar não na "luta", mas sim na "adaptação". Em "conseguirmo-nos adaptar a novas circunstâncias" não significa que "façamos tábua rasa do que aprendemos durante séculos".
A grande questão, aponta o executivo é: como é que, numa sociedade que quer apostar cada vez mais na sustentabilidade, se usa bem o território, os recursos, as pessoas e produzir de um modo sustentável, ao nível do território, mas também seja competitivamente e comparativamente interessante para mercados exteriores. Nuno Gaspar de Oliveira acredita que "se usarmos bem o ‘driver’ sustentabilidade podemos ter melhores finanças e melhor economia".
Por outro lado, há uma dicotomia que é frequentemente assinalada: o pedido pelo aumento da produção (para alimentar a população mundial) versus a expectável diminuição da produção ao optar-se pela agricultura biológica. A isto o executivo responde com "será que precisamos mesmo de aumentar a produção?". E isto porquê? Porque "temos um problema muito grave de desperdício", aponta. Um problema que começa ainda antes de chegar à casa do consumidor. "Desde modelos de agricultura industriais que não estão devidamente adaptados à nossa realidade e depois não há máquinas que consigam apanhar os frutos", ficando ainda muita fruta na árvore ou no chão. A juntar a isto há que pensar nas perdas que há na logística e nos transportes por falta de equipamento de refrigeração adequado ou de capacidade adequada. E, por fim, no próprio supermercado e no consumidor final. "Se conseguirmos eliminar um pouco estas perdas de aproveitamento da produção já é um grande avanço", aponta, acrescentando que é preciso desmistificar que: biológico é produzir menos; e que biológico é a única forma de produzir de forma sustentável. E, tão ou mais importante, é perceber que a sustentabilidade é um processo contínuo.
Compal: há 10 anos a apostar na fruticultura nacional
A Compal, com o seu Centro de Fruticultura, há 11 anos que não só investe na preservação das variedades autóctones portuguesas, como na formação dos produtores (e nos últimos anos, na vertente da sustentabilidade). Oficialmente é uma entidade que "visa estimular a inovação no setor frutícola ao longo da cadeia de valor com o objetivo de valorizar a fruta nacional nas vertentes da produção, da transformação e do consumo, através de iniciativas de investigação, formação e/ou sensibilização". Ao longo da sua existência já prestou mais de 500 horas de formação, e apoiou 108 projetos, atribuiu 550 mil euros em bolsas de apoio a explorações frutícolas e produziu duas edições limitadas de sumos Compal.
O centro procura partilhar formação, técnicas e boas práticas que se praticam na fruticultura. Com a vantagem que a frequência não é exclusiva aos fornecedores da Compal. Pelo contrário. Qualquer fruticultor pode frequentar, gratuitamente, a formação do centro.
Quanto vale a fruticultura portuguesa?
Segundo dados do INE (2020) a produção nacional desta cadeia de valor é de 1.107,7 mil toneladas ocupando uma área de 182.059 hectares (ha). Os dados indicam que a fruta fresca registou uma produção total nacional de 488,4 mil toneladas correspondendo a 44% da produção total nacional, seguida dos citrinos (38%), frutos secos (7%), frutos tropicais (7%) e pequenos frutos (4%).
Há diferenças entre o tipo de fruto e a região do país. No Norte imperam os frutos secos - amêndoa e castanha, com o castanheiro a ocupar a quase da totalidade da área nacional com recurso a variedades autóctones.
Quanto aos frutos frescos o destaque vai para a cereja (Resende) e a maçã. De notar que há uma crescente procura por culturas subtropicais, onde o kiwi assume uma grande importância correspondendo a 80 % da área de produção nacional.
O Centro do país, a produção rondas as 58,2 mil toneladas e ocupa cerca de 10 mil ha. Também aqui a maçã está bem presente, assim como a pera (Rocha do Oeste) e a cereja.
Descendo para Sul, o Alentejo caracteriza-se pela amêndoa e, mais recentemente, pelos pequenos frutos (embora mais na zona litoral), enquanto as culturas mais representativas do Algarve são os citrinos e (mais uma vez) a amêndoa.
A isto há ainda que juntar uma outra questão: a digitalização da agricultura. E se a maioria dos agricultores considera que as ferramentas digitais são úteis (essenciais, mesmo) para o aumento da produtividade e sustentabilidade do seu negócio, também é verdade que não é assim tão fácil a sua aquisição e utilização. O estudo independente "Agricultores e Digitalização", encomendado pelo Grupo Vodafone à Savanta ComRes no ano passado (e que abarcou Portugal) revelou que muitos agricultores já estão a utilizar ferramentas digitais para reduzir a utilização de fertilizantes, para utilizar a água de forma mais inteligente e para melhorar a saúde dos solos. Mas o documento também apontou as principais barreiras: é o caso do custo de aquisição, da disponibilidade dos equipamentos, assim como o acesso (mais precisamente a falta de) à internet. Sem esquecer as metas definidas pela Comissão Europeia e os respetivos prazos. Afinal estamos em contagem decrescente para os mesmos.
Mas nem tudo é negativo ou preocupante. Já há vários projetos em curso. Na fruticultura, por exemplo, mas não só, assiste-se a uma renovação dos produtores. Uma geração mais jovem, com outras ideias e mais aberta a novas abordagens e que, muitas vezes, vem de áreas que nada têm a ver com a agricultura. O resultado é uma espécie de combinação entre o futuro e o passado, em que se juntam técnicas antigas e avançadas.
Carlos Matos é um bom exemplo. Este (ex-) técnico de som resolveu, com a esposa, mudar de vida. A decisão incidiu no Fundão e num dos frutos típicos da região: as cerejas. A novidade está na estratégia seguida para tentar fazer uma agricultura biológica. As variedades mais apetecidas (e valiosas) são as tardias. Que têm a particularidade de serem mais suscetíveis a uma praga terrível: a mosca. A solução encontrada por Carlos foi ter galinhas a "passear" pelos campos. Estas não só limpam o terreno como se alimentam dos ovos que mais tarde viram moscas.
Este ano, pela primeira vez, Carlos viu uma redução substancial da mosca e vai poder colher a dita cereja. Para o futuro o objetivo é aumentar a produção - preferencialmente das variedades autóctones (com especial atenção para as tardias) - tendo em conta que algumas das cerejeiras ainda são juvenis - assim como incrementar o número de galinhas a "passear" pelo campo. Hoje tem cerca de 100, mas já chegou a ter 200. O estar junto à Serra da Gardunha implica a presença de predadores. E isso, fez com que, de uma assentada, perdesse um número substancial de animais.
No entanto Carlos lembra que esta é uma solução já utilizada pelos "antigos" e que, com o tempo, foi ficando em desuso. Com algumas (pequenas) exceções. O agora produtor recorda o caso de uma produção que utiliza o mesmo sistema. A diferença está no facto de ser uma propriedade murada e, por isso, protegida dos predadores. Seja ou não influencia das galinhas o certo, refere, é que, no seu caso, notou uma diminuição substancial da presença das moscas e no outro produtor elas não aparecem sequer.
As pessoas produzem fruta porque é um meio de subsistência, é um investimento, é o seu negócio, mas precisam de fazê-lo com a natureza a ajudar e não numa guerra contra ela. Nuno Gaspar de Oliveira
CEO da NBI - Natural Business Intelligence
A vantagem? Aumento da produção e da qualidade da cereja. Mesmo porque ao usar as galinhas não se utiliza químicos, a única solução para esta mosca em específico. CEO da NBI - Natural Business Intelligence
Práticas antigas à luz do século XXI
Mais do que um regresso ao passado o que ocorre, segundo Nuno Gaspar de Oliveira, CEO da NBI - Natural Business Intelligence, é uma perspetiva evolutiva do que podemos aprender ao longo das experiências. O executivo lembrou que nas últimas décadas muito mudou na produção, com a introdução dos pesticidas (e não só). Acontece que é "uma bala mágica que traz efeitos colaterais", aponta, acrescentando que "o que está em causa, à luz do que sabemos hoje e da tecnologia atual, é recriar esse ciclo virtuoso, onde se encontram três áreas de conhecimento: ecologia, agronomia, e a economia". Dito de outra forma, "as pessoas produzem fruta porque é um meio de subsistência, é um investimento, é o seu negócio, mas precisam de fazê-lo com a natureza a ajudar e não numa guerra contra ela". A questão é que o foco deve estar não na "luta", mas sim na "adaptação". Em "conseguirmo-nos adaptar a novas circunstâncias" não significa que "façamos tábua rasa do que aprendemos durante séculos".
A grande questão, aponta o executivo é: como é que, numa sociedade que quer apostar cada vez mais na sustentabilidade, se usa bem o território, os recursos, as pessoas e produzir de um modo sustentável, ao nível do território, mas também seja competitivamente e comparativamente interessante para mercados exteriores. Nuno Gaspar de Oliveira acredita que "se usarmos bem o ‘driver’ sustentabilidade podemos ter melhores finanças e melhor economia".
Por outro lado, há uma dicotomia que é frequentemente assinalada: o pedido pelo aumento da produção (para alimentar a população mundial) versus a expectável diminuição da produção ao optar-se pela agricultura biológica. A isto o executivo responde com "será que precisamos mesmo de aumentar a produção?". E isto porquê? Porque "temos um problema muito grave de desperdício", aponta. Um problema que começa ainda antes de chegar à casa do consumidor. "Desde modelos de agricultura industriais que não estão devidamente adaptados à nossa realidade e depois não há máquinas que consigam apanhar os frutos", ficando ainda muita fruta na árvore ou no chão. A juntar a isto há que pensar nas perdas que há na logística e nos transportes por falta de equipamento de refrigeração adequado ou de capacidade adequada. E, por fim, no próprio supermercado e no consumidor final. "Se conseguirmos eliminar um pouco estas perdas de aproveitamento da produção já é um grande avanço", aponta, acrescentando que é preciso desmistificar que: biológico é produzir menos; e que biológico é a única forma de produzir de forma sustentável. E, tão ou mais importante, é perceber que a sustentabilidade é um processo contínuo.
Compal: há 10 anos a apostar na fruticultura nacional
A Compal, com o seu Centro de Fruticultura, há 11 anos que não só investe na preservação das variedades autóctones portuguesas, como na formação dos produtores (e nos últimos anos, na vertente da sustentabilidade). Oficialmente é uma entidade que "visa estimular a inovação no setor frutícola ao longo da cadeia de valor com o objetivo de valorizar a fruta nacional nas vertentes da produção, da transformação e do consumo, através de iniciativas de investigação, formação e/ou sensibilização". Ao longo da sua existência já prestou mais de 500 horas de formação, e apoiou 108 projetos, atribuiu 550 mil euros em bolsas de apoio a explorações frutícolas e produziu duas edições limitadas de sumos Compal.
Ao longo dos anos, criou-se uma comunidade "fortíssima" de jovens fruticultores (a faixa etária média anda entre os 30 e os 40 anos). José Jordão
presidente do Centro de Frutologia Compal
O centro, lembra José Jordão, presidente do Centro de Frutologia Compal, nasceu numa altura difícil - 2011, em plena crise económica - e foi uma aposta arrojada da empresa. 11 anos depois (a decisão foi tomada em 2011, mas o centro só ficou operacional em 2012) "o balanço que se faz é extremamente positivo". O executivo acrescenta que, ao longo dos anos, criou-se uma comunidade "fortíssima" de jovens fruticultores (a faixa etária média anda entre os 30 e os 40 anos). Isto porque já passaram pela Academia do Centro de Frutologia mais de 130 formandos em 10 formações (técnicas e práticas).presidente do Centro de Frutologia Compal
O centro procura partilhar formação, técnicas e boas práticas que se praticam na fruticultura. Com a vantagem que a frequência não é exclusiva aos fornecedores da Compal. Pelo contrário. Qualquer fruticultor pode frequentar, gratuitamente, a formação do centro.
Quanto vale a fruticultura portuguesa?
Segundo dados do INE (2020) a produção nacional desta cadeia de valor é de 1.107,7 mil toneladas ocupando uma área de 182.059 hectares (ha). Os dados indicam que a fruta fresca registou uma produção total nacional de 488,4 mil toneladas correspondendo a 44% da produção total nacional, seguida dos citrinos (38%), frutos secos (7%), frutos tropicais (7%) e pequenos frutos (4%).
Há diferenças entre o tipo de fruto e a região do país. No Norte imperam os frutos secos - amêndoa e castanha, com o castanheiro a ocupar a quase da totalidade da área nacional com recurso a variedades autóctones.
Quanto aos frutos frescos o destaque vai para a cereja (Resende) e a maçã. De notar que há uma crescente procura por culturas subtropicais, onde o kiwi assume uma grande importância correspondendo a 80 % da área de produção nacional.
O Centro do país, a produção rondas as 58,2 mil toneladas e ocupa cerca de 10 mil ha. Também aqui a maçã está bem presente, assim como a pera (Rocha do Oeste) e a cereja.
Descendo para Sul, o Alentejo caracteriza-se pela amêndoa e, mais recentemente, pelos pequenos frutos (embora mais na zona litoral), enquanto as culturas mais representativas do Algarve são os citrinos e (mais uma vez) a amêndoa.