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Alimentação: aproveitar o que a natureza dá

Recolher o que está no ambiente, nas florestas, à beira da estrada, e usar como ingrediente na confeção da comida. Há quem encare o foraging como um regresso às origens e uma forma de oferecer algo de diferente no seu restaurante, e quem considere que é “free food”.

15 de Março de 2023 às 12:00
Cogumelos são o produto não cultivado que os portugueses mais recolhem do campo.
Cogumelos são o produto não cultivado que os portugueses mais recolhem do campo Lusa
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A sustentabilidade aliada a uma maior consciência com a importância de ter uma boa alimentação - e onde se inclui a qualidade dos ingredientes - está a mudar a forma como nos alimentamos. Não só se assiste a um regresso à compra dos alimentos de época e locais como, agora, há também um aproveitamento do que a própria natureza oferece que, durante tanto tempo, foi ignorado.

Como reconhece Pedro Horta, da Zero, a colheita e confeção de alimentos não cultivados, colhidos em áreas pouco artificializadas - plantas, animais, fungos "espontâneos" - pode-se ter popularizado na última década em contextos mais urbanos, mas é uma prática análoga à caça/pesca/recoleção para subsistência, que continua a ser praticada em vários territórios do país. Na mesma linha o chef Alexandre Silva, que pratica o foraging há sete anos no seu restaurante Fogo, refere que é algo que já o fazia em pequeno, quando vivia na aldeia.

"Se nos parece que falar em sociedades caçadoras-recolectoras nos empurra para lugares longínquos, a realidade é que a "apanha" e consumo destes recursos alimentares nunca deixou de existir, sendo uma base fundamental de ligação e de conhecimento sobre os ecossistemas", acrescenta o ambientalista.

E esta é uma tendência que consta do estudo levado a cabo pela Innova Market Insights, a pedido da PortugalFoods, sobre as 10 grandes tendências de inovação para o setor agroalimentar. Nomeadamente onde este apresenta não só uma maior procura por uma alimentação baseada em plantas, como uma maior preocupação, por parte dos consumidores, que querem saber não só o que estão a comer, mas, também, de onde vieram os produtos que estão a consumir e como foram produzidos.

No caso português talvez o produto mais conhecido seja os cogumelos. Como aponta Pedro Horta normalmente cogumelos "apanhamos" silarca (Amanita ponderosa), frade (Macrolepiota procera), boleto (Boletus edulis), cantarelos (Cantharellus cibarius), entre outros. A par disso é também frequente a apanha de espargo bravo (asparagus spp.), "à" labaça (Rumex spp.), "à" borragem (Borago officinalis) e tengarrinhas (Scolymus hispanicus). "Saramago (Raphanus raphanistrum) também se come e muitas aromáticas como o poejo (Mentha pulegium), funcho (Foeniculum vulgare) e o tomilho (Thymus spp.) crescem sem cultivo - talvez com uma gestão subtil e integrada, associada à própria prática de colheita", acrescenta.

Cuidados a ter

Quer isto dizer que basta ir à floresta mais perto de casa e recolher os ingredientes para o jantar? Claro que não. Por um lado, aponta Alexandre Silva, há que saber onde ir fazer a recolha. Afinal não se vai apanhar flores no meio de uma rotunda, por exemplo. Há que ter o devido cuidado para que o quer que se recolha não esteja contaminado, seja por pesticidas ou pela poluição típica da cidade. Se a recolha acontece no campo aí o desafio é outro. O encontrar a espécie certa, porque, como lembra Pedro Horta, por vezes há espécies semelhantes que são tóxicas. Ou seja, fazer o foraging "requer um conhecimento da altura adequada para colher e um olhar conhecedor". A par disso, acrescenta o ambientalista, a colheita bem feita não deve ser só um mero ato de extração, mas integra uma atitude de cuidado e conservação, assegurando a viabilidade do indivíduo sujeito à colheita e da população da espécie, através de uma recolha sensível e com perspetiva de longo prazo.

Fazer o foraging requer um conhecimento da altura adequada para colher e um olhar conhecedor.

É preciso dar ênfase à colheita responsável e conhecedora, pois uma corrida às plantas silvestres pode resultar numa catástrofe.
Pedro Horta
Ambientalista da Zero
O estado e abundância das espécies comestíveis não cultivadas pode estar ligada diretamente ao estado dos próprios ecossistemas, levando a que o ato de colheita responsável seja também uma oportunidade leitura da qualidade dos ecossistemas que integramos, alerta Pedro Horta que afirma que é preciso dar ênfase à colheita responsável e conhecedora, pois uma "corrida às plantas silvestres" pode resultar numa catástrofe.

Por outro lado, há que mencione que o foraging está diretamente ligado ao processo de desurbanização, dado que este implica contactar, novamente, com o conhecimento de não cultivadas. Quem o afirma é a SloW Food, uma organização fundada em 1989 para impedir o desaparecimento das culturas e tradições alimentares locais, contrariar o aumento da vida rápida e combater o interesse cada vez menor das pessoas pelos alimentos que comem, de onde vêm e como as escolhas alimentares afetam o mundo.

Há ainda outro ponto a considerar. Como lembra Alexandre Silva o foraging só vale mesmo a pena se for feito no raio de poucos quilómetros - neste caso do restaurante. Sendo que, para isso, "é preciso ter tempo, é preciso sair, é preciso conhecer". Quer na parte dos cogumelos como das plantas comestíveis. Mas, acrescenta o chef, a verdade é que isso permite fazer coisas diferentes, dado que são produtos selvagens - e por isso não constam do catálogo dos fornecedores - e, por isso mesmo, normalmente não se reproduzem em estufas. Afinal, "ir buscar ingredientes à natureza" sempre fez parte das nossas tradições, reflete Alexandre Silva, que dá o exemplo dos catacuzes, o cardo para fazer os queijos, as beldroegas, entre outras plantas.

No Fogo tentamos passar a mensagem de uma cozinha sustentável e que respeita os ciclos da natureza.

Fazer 100 kms para ir apanhar qualquer coisa não só não compensa como deixa de fazer sentido.
Alexandre Silva
Chef restaurante Fogo
Talvez para uma pessoa que não seja um cozinheiro isto seja algo que passa ao lado, no entanto, saber que plantas se pode usar e conhecer o que está à sua volta é muito importante para quem trabalha num restaurante. Alexandre Silva dá como exemplo a flor de Sabugueiro. O chef já viu as primeiras flores, o que significa que daqui a uma ou duas semanas já pode começar a usá-lo na sua carta.

Os restaurantes que estão em cidades estão mais limitados ao foraging, reconhece Alexandre Silva que tende a ir até Monsanto nas suas atividades de recolha, nomeadamente nas flores comestíveis, na foragem, no sabugueiro e mesmo na apanha de amoras selvagens. No entanto o chef alerta que a recolha só faz sentido se for perto do local onde nos encontramos ou fizer parte do nosso percurso. "Fazer 100 kms para ir apanhar qualquer coisa não só não compensa como deixa de fazer sentido", aponta.

O foraging funciona como um aproveitamento do ambiente que nos rodeia e funciona como um complemento às "compras" que se faz - tendencialmente produtos da época e preferencialmente locais. Mas há cuidados a ter. Por um lado, conhecer os produtos que se recolhem e o local onde é feita a recolha. A bem da saúde humana. Mas, também, alerta Pedro Horta, a bem da manutenção do ecossistema. "A crescente perceção da riqueza, até do ponto de vista alimentar, dos ecossistemas que integramos deve-nos informar quanto à imensa perda que assistimos com a artificialização em grande escala dos territórios. Ao valorizar só o que é cultivado pode fazer sentido generalizar monoculturas industriais, mas "ninguém vai ao espargo" num olival superintensivo: quanto vale a perda destes recursos e da ruralidade que se tornou impossível?", questiona o ambientalista.

Mas será que o foraging pode levar a um maior cuidado das florestas e espaços verdes? "Não acredito", afirma Alexandre Silva que, lamenta que as pessoas sejam muito egoístas e que não respeitem os outros (e menos ainda a natureza). embora reconheça que possa ajudar a sensibilizar. "As pessoas precisam de sofrer e sentirem na pele para mudarem os seus comportamentos", afirma o chef, lembrando que ainda há pessoas que não fazem reciclagem.
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