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Apostar na aquacultura é ajudar a preservar as espécies marinhas

Produzir espécies para consumo humano tem a vantagem de evitar a sobrepesca, ajudar a alimentar a população humana (que não pára de crescer) e a diminuir a pegada de carbono do pescado consumido.

15 de Fevereiro de 2023 às 13:30
A biodiversidade cresce na envolvente das produções de aquacultura. Getty Images
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A população mundial não pára de aumentar e o principal desafio que se coloca prende-se com a sua alimentação. É impossível conseguir o alimento necessário em terra. Pelo que as atenções se viram para os oceanos. Mas aí também há desafios, nomeadamente o de evitar a sobrepesca, que leva à extinção de espécies. Então como contrabalançar as coisas, possibilitando, ao mesmo tempo, alimentar a população e garantir que o equilíbrio das espécies permaneça saudável? A solução está na aquacultura. Na produção de pescado, no mar, capaz de, por um lado, não só alimentar as pessoas, ter uma menor pegada carbónica, mas, também, o possibilitar ter acesso a todo um conjunto de espécies que, de outro modo, teriam de ser pescadas.

Segundo a Direção-Geral de Recursos Naturais, Segurança e Serviços Marítimos (DGRM), a aquacultura é definida como a criação ou cultura de organismos aquáticos, recorrendo a técnicas concebidas para aumentar, para além das capacidades naturais do meio, a produção dos referidos organismos.

Esta parece ser uma solução óbvia. No entanto, a Europa só recentemente despertou para este fenómeno. A prova é que, segundo dados divulgados pelo REA, a região importa mais de 70% dos produtos do mar que consome. O défice nacional é ainda pior. Como refere Pedro Pousão Ferreira, investigador do IPMA e responsável pelo EPPO, Portugal tem um défice de pescado na ordem das 420 mil toneladas. O investigador vai mais longe e diz que o país importa 75% do pescado que consome. Pior "cerca de 90% dos produtos de aquacultura que consumimos vêm de fora".

Ser sustentável é produzirmos em espécies que não dependem tanto de água doce. Pedro Pousão Ferreira
Investigador do IPMA
Significa isto que se deve apostar exclusivamente na aquacultura? A resposta, quer para o responsável do EPPO como para Nuno Forner, project officer da Zero é não. Ambos concordam que a aquacultura deve ser encarada como um complemento. Mas um complemento importante. Nomeadamente, explica o ambientalista da Zero, na medida em que poderá tirar pressão sobre o stock de peixe nos meios naturais, em especial porque o consumo de peixe está a aumentar. A isto Pedro Pousão Ferreira lembra que a aquacultura não vai produzir todas as espécies que há no mar, mas sim especializar-se. E dá o exemplo da Noruega que se especializou no salmão, enquanto o Sul da Europa optou por focar a sua atenção no robalo, na dourada e, mais recentemente, no linguado e na corvina. "Ser sustentável é produzirmos em ambiente marinho, seja em mar ou na orla costeira, espécies que não dependem tanto de água doce, que é um bem escasso", afirma Pedro Pousão Ferreira, que relembra que a pegada de carbono é completamente diferente de uma dourada que foi criada em Olhão de uma que tem de percorrer milhares de quilómetros.

Mas Nuno Forner chama a atenção para a necessidade de ter em conta que, para a produção de ração para peixes é necessário incorporar peixe. "A indústria está a trabalhar para reduzir ou mesmo eliminar essa necessidade, no entanto, é algo que ainda não é uma realidade", aponta.

Prós e contras da aquacultura

É certo que para se ter aquacultura há que construir - as infraestruturas - e que usa recursos. Como lembra o responsável pelo EPPO, no caso dos peixes, os alimentos, que têm de ser criados. No entanto, o investigador também acrescenta que os efeitos podem ser minimizados. "O desenvolvimento modifica a paisagem", afirma, dando como exemplo as jaulas no mar. Mas trata-se de algo necessário.

Já o ambientalista da Zero aponta como pontos negativos, nomeadamente no caso das pisciculturas, a destruição de habitats naturais e impactos ambientais que poderão decorrer da rejeição de águas residuais eventuais e resistência quando é necessário administrar antibióticos. Sobre este último Pedro Pousão Ferreira refere que os antibióticos são utilizados de forma controlada e receitados por médicos veterinários. E apenas quando são efetivamente necessários. Porque "existem regras". Mesmo porque as produções europeias - e as portuguesas em particular - são extremamente vigiadas e fiscalizadas.

O responsável pelo EPPO lembra ainda que há situações onde a aquacultura é essencial. Veja-se o caso do cavalo-marinho, que é um pitéu nos mercados asiáticos, diga-se na China. Se não fosse as produções talvez já tivesse desaparecido. O ouriço-do-mar é outra espécie na mesma situação. Pedro Pousão Ferreira conta que esteve recentemente na Noruega e que viu no mercado um ouriço a 12 euros a unidade. Qual a consequência? A apanha, nalguns casos desenfreada. "A aquacultura aqui pode substituir-se como fornecedor de ouriços-do-mar para que eles não desapareçam (do mar)".

Na mesma linha, Nuno Forner lembra que a aquacultura é uma boa forma de ter uma boa fonte proteica a bom preço. Por outro lado, acrescenta o ambientalista da Zero, há que não esquecer que permite reduzir a pressão sobre as populações de algumas espécies em meio natural.

Há ainda uma outra vantagem, que normalmente fica esquecida. O aumento da biodiversidade na envolvente das produções de aquacultura. Pedro Pousão Ferreira dá o exemplo das salinas que, quando ficaram desativadas tiveram como consequência a "morte" da região, com o desaparecimento de espécies como os flamingos. "A aquacultura pode, estando ao lado desses sistemas, fornecer águas, para os manter permanentemente inundados, com nutrientes, contribuindo para a biodiversidade", constata o responsável do EPPO, para quem a aquacultura tem mais aspetos positivos do que negativos.

Portugal: ainda há muito por fazer

Parece um contrassenso, mas, Portugal que é um dos países que mais peixe consomem e é também um mercado onde a aquacultura é ínfima (quando comparada com os valores do consumo). É certo, diz Pedro Pousão Ferreira, que há já grandes redes de supermercados - Pingo Doce e Continente - que se aperceberam do potencial e estão a investir. A Jerónimo Martins anunciou, no ano passado, 10 milhões de euros de investimento numa área de produção aquícola em Monte Gordo, no Algarve. O montante inclui ainda uma unidade de processamento do pescado fresco junto às instalações da Docapesca. O objetivo, segundo a empresa, é de atingir, em 2025, uma produção de cerca de 1.500 toneladas/ano, podendo chegar às 3.000 toneladas no futuro.

Questionado sobre o porquê do atraso na aquacultura em Portugal a resposta de Pedro Pousão Ferreira é imediata: até aqui não havia tanta pressão em ter alimentos, lembrando que o mundo mudou muito nos últimos cinco anos. Mas essa não é a única razão. A esta há que juntar a "grande dificuldade em ter licenças". Porque a verdade é que "temos das melhores aquaculturas do mundo".

Novas pisciculturas devem ser concretizadas apenas fora das áreas classificadas. Nuno Forner
Project officer da Zero
O problema do país, constata o responsável do EPPO, é um problema de escala. E isso reflete-se na produção, que é "ridícula face ao volume que o país importa". Segundo Pedro Pousão Ferreira, o país tem um défice de 420 mil toneladas de pescado por ano. Sendo que a aquacultura portuguesa, segundo dados divulgados pelo REA, não chega às 18 mil toneladas.

A entidade refere mesmo que, em 2020, a produção aquícola nacional correspondeu a 9,8% das descargas de pescado fresco. É certo que a meta definida pelo governo é de aumentar, até 2030, a produção aquícola nacional para 25 mil toneladas. Mas para isso acontecer, na perspetiva do responsável pelo EPPO, há que agilizar toda a burocracia existente, por forma a facilitar o investimento.

Nuno Forner tem uma visão algo mais negativa. O ambientalista da Zero considera que a aquacultura portuguesa deve centrar-se na produção biológica, "sendo que novas pisciculturas devem ser concretizadas apenas fora das áreas classificadas (Rede Natura 2000, Áreas Protegidas)". Questionado sobre a possibilidade de se ter uma aquacultura sustentável a resposta foi imediata: para que pudéssemos falar em algo completamente sustentável, seria necessário que o ciclo se fechasse, o que não é o caso. E explica que o número de espécies que são utilizadas em aquacultura é reduzido, e não conseguimos controlar a biologia de todas as espécies, e nem todas poderão ser economicamente viáveis em termos de replicação.
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