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"Em Portugal, o ano de 2022 foi muito mau, sendo que relativamente a 2021 tivemos um decréscimo de 30% e em 2021 tínhamos tido também uma diminuição acentuada de 30%", começa por explicar Bruno Martins, presidente da Federação Nacional de Cooperativas Apícolas e de Produtores de Mel (Fenapicola). Porém, comparando com tempos idos, os danos no setor melífero são ainda mais expressivos: "A quebra é superior a 80%", comparativamente com "um ano normal".
De salientar que a União Europeia (UE) é o segundo maior produtor de mel do mundo, a seguir à China. Todos os anos, 600 mil apicultores e 17 milhões de colmeias produzem cerca de 250 mil toneladas de mel em território europeu. Mas os desafios são cada vez maiores e têm de ser enfrentados um a um. Mas já lá vamos. Por agora, a preocupação é conseguir manter as abelhas até à próxima primavera. Para isso, "os apicultores vão investir numa gestão ativa e presente, monitorizando e acompanhamento periodicamente as colmeias, ao nível da sanidade animal, mas também com alimentação artificial", explica o presidente da FENAPICOLA.
Presidente da Fenapicola
Para além da produção de mel pelas abelhas, os polinizadores, que incluem também as borboletas, vespas, escaravelhos, moscas, formigas, algumas aves e répteis, etc., produzem serviços essenciais à natureza e à agricultura. Cerca de 90% das plantas silvestres e 75% das culturas agrícolas mundiais dependem total ou parcialmente de polinizadores. O que significa que a sua decadência tem impactos diretos na biodiversidade e em grande parte do setor da alimentação.
Sílvia Castro
Investigadora do Centro de Ecologia Funcional
O seu peso económico é, de facto, grande. A Comissão Europeia (CE) fez as contas e indica que cerca de 15 mil milhões de euros de rendimento anual da União Europeia com a agricultura dependem diretamente da ação dos polinizadores. No caso de Portugal, "estima-se que a polinização providenciada pelos insetos represente cerca de 800 milhões de euros por ano", sublinha Sílvia Castro, investigadora do Centro de Ecologia Funcional da Universidade de Coimbra e coordenadora da polli.NET, a rede colaborativa nacional para a defesa e promoção dos polinizadores. A dependência dos polinizadores varia consoante as características de cada cultura, mas Sílvia Castro destaca que, no caso de Portugal, "existem várias culturas que sofrerão grandemente com o declínio das populações destes organismos, tais como pomares de maçã, cereja, kiwi, amêndoa, assim como culturas anuais de muitas hortícolas, como o tomate e a abóbora".
Porque estão a desaparecer os polinizadores?
O universo de abelhas identificadas em Portugal ultrapassa as 700 espécies e a comunidade de polinizadores ultrapassará as 1000 espécies, segundo o Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF). Na Europa, o número chega às 2 mil espécies selvagens de polinizadores, albergando o continente cerca de 10% da diversidade das abelhas existente em todo o mundo. Porém, a CE destaca que as evidências apontam para um claro declínio das populações de polinizadores, estimando que cerca de um terço das populações de abelhas e borboletas estão a desaparecer.
O motivo? As alterações climáticas recebem boa parte da responsabilidade, que no caso de Portugal representam mais calor, mais seca e mais incêndios. Mas não só, pois também as monoculturas, a utilização de fitofármacos, a propagação de plantas invasoras ou a redução de áreas úteis de biodiversidade contribuem para a fórmula que está a levar à redução dos polinizadores a nível global. Neste sentido, o ICNF destaca que as ameaças que estão a afetar os polinizadores "funcionam de forma combinada". Ou seja, "a perda e fragmentação de habitat são as principais razões pelas quais observamos menor abundância e diversidade de polinizadores, e esta é devida essencialmente à alteração do uso do solo, com instalação de extensas áreas de monoculturas, à intensificação dos sistemas agrícolas, com recurso a uma maior utilização de fitofármacos, à introdução de espécies exóticas invasoras (como a vespa asiática Vespa velutina) e às alterações climáticas".
Para Bruno Martins, "as alterações climáticas são o maior desafio para a apicultura nos anos mais próximos", na medida em que essas chegaram para ficar. Portuga está a sofrer com secas prolongadas e calor intenso. Em termos de impacto, a coordenadora da polli.NET explica que "o calor extremo, em particular, pode alterar a disponibilidade e o valor nutritivo das recompensas florais, i.e., do pólen e do néctar para os polinizadores". Mas não se trata só da falta de alimento disponível, "as alterações climáticas podem também alterar os padrões fenológicos das plantas e dos polinizadores", ou seja, quando e durante quanto tempo as plantas estão em flor e os insetos estão ativos, "o que poderá originar desencontros temporais entre as plantas e os seus polinizadores", explica a investigadora.
Embora seja percetível o declínio dos polinizadores, o ICNF sublinha que existem ainda muitas lacunas de conhecimento. Para além dos dados relativos às abelhas e borboletas apontados pela Lista Vermelha Europeia, "certamente se juntarão outras, já que para mais de metade das abelhas não há dados suficientes para avaliar seu estatuto de ameaça ou tendências e para os restantes grupos de polinizadores os dados são ainda mais escassos".
Colaborar para recuperar
Um problema complexo como o declínio dos polinizadores só se resolve com um esforço colaborativo entre comunidade científica, poderes públicos e restante sociedade, reduzindo a fontes de ameaça e promovendo os polinizadores. É o que pretende a rede polli.NET, lançada em junho de 2021, que visa desenvolver um plano de ação a nível nacional para a avaliação, conservação e valorização dos polinizadores, bem como a posterior implementação das ações propostas. "Neste momento, encontramo-nos em discussão com as entidades governamentais sobre a melhor forma de encontrar financiamento que permita avançar para o desenvolvimento do plano de ação, um documento que consideramos estratégico para o nosso país", que defina medidas para conservação dos polinizadores e dos seus habitats em território nacional, destaca Sílvia Castro. Também estão a ser reforçadas parcerias internacionais para um esforço conjunto, nomeadamente com a Aliança "Promote Pollinators" e o projeto SPRING.
Também o setor melífero confia nas parcerias para reverter a decadência de polinizadores, criando projetos em conjunto com vários stakeholders. "A Fenapicola tem tentado estabelecer parcerias com grandes empresas, quer nos agroquímicos, de forma a promover a biodiversidade com o projeto Margens Multifuncionais, ou com marcas multinacionais, de forma a podermos encontrar soluções e propostas de melhoria para apoiar os apicultores com perdas em incêndios rurais", explica Bruno Martins.
Além dos projetos e planos institucionais e empresariais, a nível nacional, europeu ou mundial, cabe também a cada um dos cidadãos cuidar para reverter o declínio dos polinizadores. E tal pode passar por medidas simples, como não matar um polinizador porque cruza o seu caminho, não cortar sistematicamente todo o relvado para não destruir as flores, plantar em jardins ou varandas algumas plantas autóctones que atraiam estes insetos, como alecrim, urze, alfazemas, aromáticas, etc., e sensibilizar quem está à volta para esta temática, sustenta o ICNF.
De recordar que a Real Sociedade Geográfica considera as abelhas os seres vivos mais importantes do planeta. Esta organização sublinha aquela que terá sido uma das constatações do físico Albert Einstein (1879-1955): "Se as abelhas desaparecessem, os humanos só viveriam mais quatro anos".