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Polinização vale 800 milhões de euros em Portugal

Os polinizadores são responsáveis por 75% das culturas agrícolas, mas estão a ser muito afetados pelas alterações climáticas, monoculturas, fitofármacos, etc. Em Portugal, a apicultura está a sofrer quebras acima dos 80% e as plantações de maça, cereja e amêndoa também estão a ser prejudicadas.

12 de Outubro de 2022 às 11:00
As alterações climáticas estão a afetar os polinizadores. Jean Van der Meulen
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"Em Portugal, o ano de 2022 foi muito mau, sendo que relativamente a 2021 tivemos um decréscimo de 30% e em 2021 tínhamos tido também uma diminuição acentuada de 30%", começa por explicar Bruno Martins, presidente da Federação Nacional de Cooperativas Apícolas e de Produtores de Mel (Fenapicola). Porém, comparando com tempos idos, os danos no setor melífero são ainda mais expressivos: "A quebra é superior a 80%", comparativamente com "um ano normal".

De salientar que a União Europeia (UE) é o segundo maior produtor de mel do mundo, a seguir à China. Todos os anos, 600 mil apicultores e 17 milhões de colmeias produzem cerca de 250 mil toneladas de mel em território europeu. Mas os desafios são cada vez maiores e têm de ser enfrentados um a um. Mas já lá vamos. Por agora, a preocupação é conseguir manter as abelhas até à próxima primavera. Para isso, "os apicultores vão investir numa gestão ativa e presente, monitorizando e acompanhamento periodicamente as colmeias, ao nível da sanidade animal, mas também com alimentação artificial", explica o presidente da FENAPICOLA.

Os apicultores vão investir numa gestão ativa e presente, monitorizando e acompanhamento periodicamente as colmeias, também com alimentação artificial. Bruno Martins
Presidente da Fenapicola

Para além da produção de mel pelas abelhas, os polinizadores, que incluem também as borboletas, vespas, escaravelhos, moscas, formigas, algumas aves e répteis, etc., produzem serviços essenciais à natureza e à agricultura. Cerca de 90% das plantas silvestres e 75% das culturas agrícolas mundiais dependem total ou parcialmente de polinizadores. O que significa que a sua decadência tem impactos diretos na biodiversidade e em grande parte do setor da alimentação.

No caso de Portugal, estima-se que a polinização providenciada pelos insetos represente cerca de 800 milhões de euros por anos.
Sílvia Castro
Investigadora do Centro de Ecologia Funcional

O seu peso económico é, de facto, grande. A Comissão Europeia (CE) fez as contas e indica que cerca de 15 mil milhões de euros de rendimento anual da União Europeia com a agricultura dependem diretamente da ação dos polinizadores. No caso de Portugal, "estima-se que a polinização providenciada pelos insetos represente cerca de 800 milhões de euros por ano", sublinha Sílvia Castro, investigadora do Centro de Ecologia Funcional da Universidade de Coimbra e coordenadora da polli.NET, a rede colaborativa nacional para a defesa e promoção dos polinizadores. A dependência dos polinizadores varia consoante as características de cada cultura, mas Sílvia Castro destaca que, no caso de Portugal, "existem várias culturas que sofrerão grandemente com o declínio das populações destes organismos, tais como pomares de maçã, cereja, kiwi, amêndoa, assim como culturas anuais de muitas hortícolas, como o tomate e a abóbora".

Porque estão a desaparecer os polinizadores?

O universo de abelhas identificadas em Portugal ultrapassa as 700 espécies e a comunidade de polinizadores ultrapassará as 1000 espécies, segundo o Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF). Na Europa, o número chega às 2 mil espécies selvagens de polinizadores, albergando o continente cerca de 10% da diversidade das abelhas existente em todo o mundo. Porém, a CE destaca que as evidências apontam para um claro declínio das populações de polinizadores, estimando que cerca de um terço das populações de abelhas e borboletas estão a desaparecer.

O motivo? As alterações climáticas recebem boa parte da responsabilidade, que no caso de Portugal representam mais calor, mais seca e mais incêndios. Mas não só, pois também as monoculturas, a utilização de fitofármacos, a propagação de plantas invasoras ou a redução de áreas úteis de biodiversidade contribuem para a fórmula que está a levar à redução dos polinizadores a nível global. Neste sentido, o ICNF destaca que as ameaças que estão a afetar os polinizadores "funcionam de forma combinada". Ou seja, "a perda e fragmentação de habitat são as principais razões pelas quais observamos menor abundância e diversidade de polinizadores, e esta é devida essencialmente à alteração do uso do solo, com instalação de extensas áreas de monoculturas, à intensificação dos sistemas agrícolas, com recurso a uma maior utilização de fitofármacos, à introdução de espécies exóticas invasoras (como a vespa asiática Vespa velutina) e às alterações climáticas".

Para Bruno Martins, "as alterações climáticas são o maior desafio para a apicultura nos anos mais próximos", na medida em que essas chegaram para ficar. Portuga está a sofrer com secas prolongadas e calor intenso. Em termos de impacto, a coordenadora da polli.NET explica que "o calor extremo, em particular, pode alterar a disponibilidade e o valor nutritivo das recompensas florais, i.e., do pólen e do néctar para os polinizadores". Mas não se trata só da falta de alimento disponível, "as alterações climáticas podem também alterar os padrões fenológicos das plantas e dos polinizadores", ou seja, quando e durante quanto tempo as plantas estão em flor e os insetos estão ativos, "o que poderá originar desencontros temporais entre as plantas e os seus polinizadores", explica a investigadora.

Embora seja percetível o declínio dos polinizadores, o ICNF sublinha que existem ainda muitas lacunas de conhecimento. Para além dos dados relativos às abelhas e borboletas apontados pela Lista Vermelha Europeia, "certamente se juntarão outras, já que para mais de metade das abelhas não há dados suficientes para avaliar seu estatuto de ameaça ou tendências e para os restantes grupos de polinizadores os dados são ainda mais escassos".

Colaborar para recuperar

Um problema complexo como o declínio dos polinizadores só se resolve com um esforço colaborativo entre comunidade científica, poderes públicos e restante sociedade, reduzindo a fontes de ameaça e promovendo os polinizadores. É o que pretende a rede polli.NET, lançada em junho de 2021, que visa desenvolver um plano de ação a nível nacional para a avaliação, conservação e valorização dos polinizadores, bem como a posterior implementação das ações propostas. "Neste momento, encontramo-nos em discussão com as entidades governamentais sobre a melhor forma de encontrar financiamento que permita avançar para o desenvolvimento do plano de ação, um documento que consideramos estratégico para o nosso país", que defina medidas para conservação dos polinizadores e dos seus habitats em território nacional, destaca Sílvia Castro. Também estão a ser reforçadas parcerias internacionais para um esforço conjunto, nomeadamente com a Aliança "Promote Pollinators" e o projeto SPRING.

Também o setor melífero confia nas parcerias para reverter a decadência de polinizadores, criando projetos em conjunto com vários stakeholders. "A Fenapicola tem tentado estabelecer parcerias com grandes empresas, quer nos agroquímicos, de forma a promover a biodiversidade com o projeto Margens Multifuncionais, ou com marcas multinacionais, de forma a podermos encontrar soluções e propostas de melhoria para apoiar os apicultores com perdas em incêndios rurais", explica Bruno Martins.

Além dos projetos e planos institucionais e empresariais, a nível nacional, europeu ou mundial, cabe também a cada um dos cidadãos cuidar para reverter o declínio dos polinizadores. E tal pode passar por medidas simples, como não matar um polinizador porque cruza o seu caminho, não cortar sistematicamente todo o relvado para não destruir as flores, plantar em jardins ou varandas algumas plantas autóctones que atraiam estes insetos, como alecrim, urze, alfazemas, aromáticas, etc., e sensibilizar quem está à volta para esta temática, sustenta o ICNF.

De recordar que a Real Sociedade Geográfica considera as abelhas os seres vivos mais importantes do planeta. Esta organização sublinha aquela que terá sido uma das constatações do físico Albert Einstein (1879-1955): "Se as abelhas desaparecessem, os humanos só viveriam mais quatro anos".



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