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Comunidades de autoconsumo ajudam a reduzir fatura da luz

São chamadas de comunidades de energia renovável e permitem produzir energia para consumo próprio e, mais ainda, vender o excedente a consumidores de proximidade com os quais se estabeleçam acordos comerciais. A energia torna-se local, reduzindo os custos associados e permitindo, com isso, diminuir a fatura em média 25%.

08 de Setembro de 2021 às 11:23
As Comunidades de Energia Renovável vão alterar por completo o setor. Bruno Colaço
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Imagine conseguir produzir eletricidade suficiente para as necessidades da sua casa. Agora imagine que, mesmo satisfazendo todas as necessidades energéticas da sua habitação, ainda sobre energia. Imagine que pode vender esse excedente a algum vizinho, a um preço muito "simpático". Ou que o pode oferecer a uma instituição de solidariedade social. É esse o propósito das Comunidades de Energia Renovável - CER.

Segundo a definição legal trata-se de uma pessoa coletiva constituída nos termos do DL n.º 162/2019, de 25 outubro, com ou sem fins lucrativos, com base numa adesão aberta e voluntária dos seus membros, sócios ou acionistas, os quais podem ser pessoas singulares ou coletivas, de natureza pública ou privada, incluindo, nomeadamente, consumidores individuais, pequenas e médias empresas ou autarquias locais, e que seja autónoma.

Dito de outra forma, as CER permitem democratizar a energia. Isto porque as comunidades não só possibilitam o autoconsumo como, em caso de excedente, possibilitam a venda deste. Como o próprio nome diz, a comunidade permite o estabelecimento de um acordo com consumidores que estejam "perto de nós" aos quais se vende o excedente de energia produzida. É esta proximidade que, segundo José Basílio Simões, co-founder e vice-chairman da Cleanwatts, diminui possíveis perdas, aumenta a eficiência e permite uma redução do preço da energia. Aliás, na opinião da APREN, ao trazerem a transição energética para junto dos cidadãos, as CER contribuem para uma maior consciência ambiental e para o combate à pobreza energética. Além disso, promovem uma melhor aceitação pública dos projetos de energia renovável, já que criam oportunidades e benefícios para os participantes por promoverem uma crescente eficiência energética nas habitações, e, consequente, a redução da fatura da eletricidade por diminuição dos consumos diretos da rede elétrica de serviço público (RESP).

Mas há certos requisitos a cumprir. Como refere a ADENE os membros ou participantes têm de estar localizados na proximidade dos projetos de energia renovável ou desenvolver atividades relacionadas com os projetos; além disso os referidos projetos têm de ser detidos e desenvolvidos pela referida pessoa coletiva; e ainda a pessoa coletiva tem de ter por objetivo principal propiciar aos membros ou às localidades onde opera a comunidade benefícios ambientais, económicos e sociais em vez de lucros financeiros.

As CER vão, alterar, por completo, o setor da energia. Quem investir na criação (ou pertença) das comunidades de energia não só ganha alguma independência energética porque deixa de ficar exclusivamente dependente do operador - se for produtor produz para autoconsumo, se for consumidor, à partida, consegue preços mais vantajosos pela proximidade inerente. Mas atenção. Como alerta José Basílio Simões, co-founder e vice-chairman da Cleanwatts, aqui a proximidade não é geográfica e sim elétrica e assenta num conceito de partilha.

Numa fase posterior, em que as CER já estejam implementadas no mercado - por enquanto existe apenas uma, inaugurada no passado dia 24, em Miranda do Douro -, a ADENE acredita que irá haver uma alteração no mercado, no sentido de incentivar os comercializadores de energia a procurar novas áreas de negócio como o fornecimento de novos serviços dentro das CER. E esse futuro (da massificação) está mais próximo do que se pensa. José Basílio Simões lembra que as previsões apontam para que, na Europa, até 2050, 37% das pessoas consumam energia local. Nos Estados Unidos da América o valor atual ronda os 11 por cento.

A APREN lembra que as CER introduzem mais uma solução de fornecimento de eletricidade de origem renovável segura e com boa relação custo-benefício, para além de inserirem a possibilidade de assegurar e fornecer serviços de flexibilidade, essenciais ao novo paradigma de sistema de energia integrado. Através da gestão de cargas flexíveis e controlo das unidades de geração e armazenamento, as CER poderão oferecer valor de flexibilidade, permitindo que os seus perfis de carga ou geração sejam alterados propositadamente no sentido de oferecer serviços de sistema. As atividades relacionadas com a flexibilidade do lado da procura complementam os benefícios das CER e aumentam o seu potencial económico para os membros, contribuindo também para uma acrescida resiliência do sistema energético.

Retorno do investimento

Tendo em conta o conceito de uma CER o investimento e respetivo retorno do mesmo vai sempre depender da sua dimensão, tanto em termos de unidades de produção que agrega, como em termos de membros que fazem parte da mesma. Opinião da APREN que é partilhada pela ADENE, que afirma que o investimento médio depende do tipo de instalação, área disponível, radiação solar, entre outros fatores, que têm de ser verificados caso a caso, não existindo um modelo geral que se adapte a todas as soluções. No entanto, dando um caso prático, a associação refere, que, considerando uma moradia T3, construída em 2006 e com classe energética B e um agregado familiar constituído por dois adultos, uma criança e um cão, a previsão aponta para a instalação de oito painéis, com 2,52 KW de potência instalada. Isso implicaria um investimento de 3.000 euros, produziria 3.150 kWh/ano, permitiria uma redução de 640 euros por ano na fatura da energia elétrica e o retorno do investimento em cinco anos.

Por outro lado, refere a APREN, as CER serão sempre um agente que se pressupõe dinâmico, que possa crescer ao longo do tempo mediante a agregação de novos membros e novos investimento em unidades de produção. O que dificulta uma definição exata de uma data para o retorno do investimento.

Uma ajuda à descarbonização

Mais do que uma forma de diminuir a fatura da eletricidade, as CER são uma ferramenta preciosa no processo de descarbonização da Europa. Como refere a APREN, para se alcançar a descarbonização da economia em 2050 é necessário apostar em várias soluções convergentes que permitam, por um lado, que todos os setores de atividade possam transitar para recursos energéticos sem emissões de gases de efeito estufa, e, por outro, garantir a segurança de abastecimento e a fiabilidade do sistema energético.

Com as CER, a população local vai beneficiar de energia mais barata. José Basílio Simões
Co-founder e vice-chairman da Cleanwatts

Mas isto significa que as CER poderão ser uma alternativa aos grandes parques de energia renovável? A ADENE considera que em vez de alternativa são um complemento. Mesmo porque a legislação diz que as IU (Instalações de Utilização) têm obrigatoriamente de manter o contrato com um comercializador de energia, permitindo ao comercializador fornecer a energia nas horas em que as CER não conseguem produzir energia suficiente tendo em consideração a procura. Isto significa que esta energia adquirida ao comercializador poderá ser fornecida através destes parques de energia renovável, pelo que, a conjugação de ambas irá permitir que a energia primária seja 100% verde.

Já José Basílio Simões considera que a grande diferença das CER assenta no facto de estas criarem benefício no local onde estão inseridas (a energia produzida pelos parques eólicos, por exemplo, é injetada na rede). Significa isto que "aquela população vai beneficiar de uma energia mais barata".

No entanto, a APREN chama a atenção para um ponto importante. A adesão de CER implica a introdução de crescentes volumes de geração descentralizada, que densificam e criam maior volatilidade e alternância de sentido nos fluxos das redes de baixa tensão. O que coloca enormes desafios. A associação explica que, será sempre necessária a presença de centros eletroprodutores centralizados, de mais fácil gestão e ligados a níveis de tensão superiores, para assegurar a estabilidade do sistema.

Portugal já tem uma CER

A 24 de agosto foi inaugurada, em Miranda do Douro, a primeira CER em território nacional, um projeto, da autoria da Cleanwatts, em parceria com a Santa Casa da Misericórdia de Miranda do Douro. Trata-se da primeira instalação de um projeto intitulado de "100 aldeias" e que tem a grande vantagem de ser financiado por investidores, o que faz com que as famílias não tenham custos associados. A energia produzida é, depois, fornecida com um desconto à população. Então o que ganham os investidores? José Basílio Simões esclarece que durante o contrato - tipicamente 25 anos - há uma partilha dos benefícios, por forma a "também remunerar o investidor". Sendo que, normalmente, a amortização do investimento é feita num terço do tempo, com benefício, a partir dessa data, ainda maior.

O objetivo inicial era de conseguir ter CER em 100 aldeias até ao final do ano, mas, dada a adesão José Basílio Simões acredita que irão suplantar esse número. Talvez não se consiga ter todas as aldeias com CER implementadas, mas sim, as definições dos locais e dos processos. "Já temos cerca de 50 neste estágio", refere o co-founder e vice-chairman da Cleanwatts, que acrescenta que "podemos chegar a 1.000 aldeias". Esse é um objetivo que a empresa tem a três anos. Com a perspetiva de internacionalizar este conceito, até porque é um conceito com um impacto social de combate à pobreza energética.

Vantagens das CER  • Redução da fatura de energia
• Maior independência energética
• Preocupação social
• Possibilidade de novos serviços 




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