Opinião
Exit
A Zona Euro enrolou-se numa camisa de sete varas.
Alexis Tsipras é hoje primeiro-ministro de um país que acaba de pedir o terceiro empréstimo a troco de um programa de governo aprovado pelos votos da oposição e no qual diz não acreditar. Wolfgang Schäuble é o ministro das Finanças do país que mais contribuiu para os 400 mil milhões de euros que a comunidade internacional empenhou na Grécia nos últimos cinco anos - é mais do que o Plano Marshall para toda a Europa - que vai hoje pedir mais dinheiro ao Bundestag para o entregar a mãos em que não confia.
O único ponto em que estão ambos em acordo - Tsipras e Schäuble, mas também Lagarde, Draghi e Juncker – é quando constatam que a dívida grega se tornou agora insustentável (a caminho dos 200% do PIB, segundo o FMI) e quando dizem acreditar que é preciso um perdão.
Este é, porém, jurídica e politicamente impossível no quadro do actual patamar de integração da união monetária, sobretudo se a opção for manter no euro uma Grécia ainda deficitária e sem acesso aos mercados. No dia seguinte aos governos terem ido aos seus parlamentos pedir perdão de parte da dívida e autorização para continuar a emprestar à Grécia, nenhum Executivo europeísta resistiria – excepto possivelmente em Atenas.
Uma alternativa é aliviar a dívida (alargando, por exemplo, para 30 anos a moratória e para 40 o prazo de reembolso dos empréstimos), mas isso significará necessariamente mais intromissão externa, com os europeus a ter de forçar sucessivos Governos gregos a cumprir o que nunca cumpriram e a vender os anéis que mantêm presos aos dedos (há cinco anos, as receitas de privatização orçadas eram os mesmíssimos 50 mil milhões de euros de hoje), enquanto se persuade os contribuintes dos demais países a aceitar que, só na próxima geração, os gregos começarão a pagar, deixando o acerto final de contas para os nossos netos.
O caminho que levou a um acordo que parece impossível foi feito de uma série de erros negociais. O maior deles, cometido pela Grécia, foi sobrestimar o poder de assombração do fantasma de um Grexit. No contexto em que surgiu, após cinco meses de Varoufakis a fingir que negociava com os seus pares, ele terá sido muito mais a ameaça com que o governo grego jogou do que uma ameaça que lhe tenha sido apontada. Ameaça que, como se viu, se esfumou quando a Alemanha pôs em cima da mesa o papel a dizer que dizer que sim, que até podia ser uma boa ideia. Terá sido o esvaziamento do Grexit como fantasma a pairar sobre a Europa que anulou qualquer poder de barganha e que levou Tsipras a aceitar um acordo em que diz não acreditar. Ele próprio admitiu depois que procurou alternativas mas não as encontrou. "Fui à Rússia, à China e aos EUA e não havia quaisquer outras opções" e "o país não dispõe de reservas cambiais suficientes para regressar a uma moeda nacional".
O que fica demonstrado no processo grego é que, em nome do seu projecto maior de paz, talvez a Europa (que é muito mais do que a moeda comum de alguns dos seus países) tenha de construir uma porta de saída na Zona Euro, ao mesmo tempo que constrói mais incentivos para os países e para os povos que aí queiram entrar e permanecer.
Para a Grécia talvez este fosse o caminho menos tortuoso. Poderia desvalorizar a sua moeda e tornar-se mais competitiva naquilo que o mundo lhe compra - turismo e serviços portuários. Com as mãos mais agarradas ao seu destino, dentro e apoiada na União Europeia, talvez até tivesse melhores condições de se confrontar e reconciliar consigo mesma, e de travar os nacionalismos que, extremados à esquerda e à direita, têm hoje em comum o ódio aos alemães. Para os demais países, desde logo Portugal – que, saindo a Grécia, passaria a ser, de facto, o elo mais fraco - é uma solução que levantaria inúmeros outros perigos, que obrigaria todos a fazer prova de convicção no euro. Pode ser o fim, e, por isso mesmo, passaria a ser uma opção mais comprometida com um projecto que nos pertence, e não como um dado adquirido ou imposto.
Acima de tudo, abrir uma porta de saída do euro traria seguramente mais transparência e responsabilidade ao debate político e público e reduziria a margem para a demagogia e a chantagem de que se alimentam os nacionalismos populistas que, a Norte e a Sul, ameaçam matar esta União fabulosa.
Uma Europa democrata, feita de Estados-nação legitimados pelo voto nacional, não pode tornar "ilegal" a proposta do PCP. Tem de oferecer aos eleitores portugueses a possibilidade de lhe fazer a pergunta que hoje ninguém faz: "e depois, senhor Jerónimo? Saímos também da União Europeia?" Uma Europa democrata tem de acabar com este "agarra-me senão eu salto" e permitir, também, por exemplo, que, em 2017, a senhora Le Pen possa oferecer aos franceses o regresso ao franco, tal como a hipótese de lhes explicar direitinho o projecto de futuro que lhes propõe.