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As subvenções dos políticos e a consciência constitucional

O mesmo Governo e o mesmo PSD que há poucos meses acusavam o Constitucional de produzir acórdãos obscuros, sem linha coerente de argumentação, conseguem agora antecipar qual seria a posição dos juízes sobre o corte de subvenções a ex-políticos.

 

Ainda há poucos meses as decisões do Tribunal Constitucional eram juridicamente incompreensíveis e politicamente enviesadas, perversas para o sistema democrático e asfixiantes para a acção governativa, para citar apenas a adjectivação mais polida que foi usada pelo PSD e pelo Governo. Subitamente, a propósito das subvenções pagas a antigos titulares de cargos políticos, os acórdãos passaram a ser de uma clareza tão cristalina que até já é possível adivinhar posições sobre as quais os juízes do Tribunal Constitucional nunca se pronunciaram.

 

O argumento invocado pelos deputados José Lello (PS) e Couto dos Santos (PSD) para sustentar a reposição das subvenções a ex-políticos foi o de que manter o corte em 2015 seria inconstitucional à luz daquilo que os juízes já disseram sobre reduções de pensões e salários - duas prestações que têm uma natureza bem distinta da das subvenções. Se o PS pode argumentar que se limitou a ser coerente com o que sempre defendeu em matéria de cortes que afectem direitos já constituídos, já no caso do PSD não se vislumbra defesa possível.

 

O mesmo partido que se mostrou inconformado por não poder cortar salários a partir de 675 euros e pensões a partir de 1000 euros, que acusou os juízes de produzir acórdãos obscuros, que não permitem ao Governo descortinar o que pode ou não pode fazer, de repente, sentiu a sua consciência constitucional a agitar-se e a sua capacidade de interpretação jurisprudência a aguçar-se.

 

O que fica deste processo desastroso nem é tanto a audácia da proposta, a má avaliação do momento político, as aflições de última hora no Parlamento, nem a forma ardilosa como o PSD deixou o PS a defender sozinho a medida. Também não é a velocidade com que os deputados do PSD apareceram a demarcar-se da proposta, quando a perceberam condenada, em contraste com o tempo que demorou a descobrirem-se os seus verdadeiros promotores. 

 

O facto mais relevante deste episódio é que ficámos a saber que o Governo e o PSD afinal acham que há uma Constituição para respeitar, que há acórdãos que fazem jurisprudência, e que os órgãos de soberania estão cá para os fazer respeitar. Quando convém.

 

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