Opinião
As inconsistências problemáticas da "reforma" do IRC
Dois meses de discussão pública e dezenas de colóquios e audiências depois continuam por responder duas perguntas fundamentais sobre a "reforma" do IRC. Quanto custará aos contribuintes? E em que medida o interesse geral do País justifica que se abdique de uma receita substancial numa altura em que se cortam salários e pensões de 700 euros a um milhão de portugueses.
Dois meses de discussão pública e dezenas de colóquios e audiências depois continuam por responder duas perguntas fundamentais sobre a "reforma" do IRC. Quanto custará aos contribuintes? E em que medida o interesse geral do País justifica que se abdique de uma receita substancial numa altura em que se cortam salários e pensões de 700 euros a um milhão de portugueses.
Comecemos pelo custo. A descida de dois pontos da taxa normal dos 25% para os 23% vale, segundo a comissão que preparou as propostas, 219 milhões de euros. O Governo decretou um apagão sobre este valor e fala em apenas 70 milhões, omitindo o que justifica a diferença e as suas implicações. Em traços gerais, a taxa baixa, mas a totalidade do alívio fiscal não se reflecte nos pagamentos por conta que as empresas fazem já em 2014 (com uma lógica semelhante às retenções na fonte dos trabalhadores dependentes). Só em 2015, quando entregarem a declaração de IRC é que as empresas poderão aproveitar na íntegra a redução da taxa, ficando obrigadas a fazer pagamentos antecipados ao Estado acima do necessário. E é em 2015 que os cofres públicos sofrerão o choque orçamental de 149 milhões de euros a somar aos 70 milhões do próximo ano.
A proposta do IRC vem também facilitar as situações em que os grupos podem pagar imposto sobre o resultado consolidado das empresas que o integram. Custará dinheiro, não é quantificado.
O conceito de gasto fiscal, que determina o tipo de despesas correntes que as empresas podem e não podem deduzir como custo, é flexibilizado. É mais uma perda que pode ser significativa é não é quantificada.
Some-se a isto o alargamento do período para o reporte de prejuízos, a criação de benefícios fiscais à compra de activos intangíveis e mais um conjunto de simplificações de redacção das normas a favor do contribuinte e imagine-se o resultado destas parcelas num futuro não muito distante. A falta de transparência é já por si um mau prenúncio.
Vamos agora ao interesse geral. O Governo diz que o País precisa de combinar austeridade com estímulos ao crescimento, que o IRC é uma peça vital nessa estratégia e que a reforma terá efeitos virtuosos já no curto e médio prazo sobre a criação de emprego, sobre o investimento português no estrangeiro, sobre o investimento estrangeiro em Portugal e sobre as exportações. Proclama que a reforma é "fundamental", a proposta "profunda e abrangente", o impacto "muito, muito significativo", mas não sai daí.
Não se apresentam estudos que ilustrem a correlação entre as variáveis, estimativas sobre o impacto da reforma no cenário macroeconómico, nem se explica o que é que falhou para que o hiperbólico "supercrédito" fiscal vá custar 170 milhões de euros a troco de pouco ou nenhum impacto no novo investimento, a julgar pelas Grandes Opções do Plano.
Em entrevista ao Negócios, a ministra das Finanças diz que "é uma questão de convicção que a reforma do IRC abre caminho a melhores perspectivas de crescimento no futuro". Efectivamente, o Governo, a começar pelo secretário dos Assuntos Fiscais, transformou esta "reforma" do IRC num exercício de ilusionismo e de fé. É claro que seria mais fácil acompanhá-los se ao mesmo tempo não fossem exigidos milhares de milhões de euros a pensionistas, funcionários públicos e contribuintes de IRS.