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ADSE: é p’ró menino e p’rá menina

A notícia de que o Governo vai alargar a ADSE aos cônjuges dos funcionários públicos e aos seus filhos até aos 30 anos fez furor nas redes sociais. Não admira: apesar do seu custo elevado, a ADSE garante aos seus beneficiários condições que mais nenhum seguro de saúde dá.

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Sem dúvida, é uma óptima notícia para as famílias dos funcionários públicos e compreende-se a sua satisfação. Mas quando discutimos políticas públicas vale a pena ir um pouco mais longe. A jornalista Catarina Almeida Pereira fez o exercício de saber quem ganha e quem perde com o alargamento da ADSE. Perdem as seguradoras porque este subsistema de saúde lhes vai roubar potencialmente quase 200 mil clientes. Ganham os hospitais privados – reconhecem os próprios – porque terão mais procura por um conjunto de pessoas que passará a ter um seguro de saúde mais generoso.  

E para o Serviço Nacional de Saúde (SNS), é bom ou mau? Aí não há consenso. Por um lado, tem o efeito positivo de reduzir a pressão sobre o SNS; por outro dinamiza o cada vez mais poderoso sector privado de saúde e afasta ainda mais gente da classe média do SNS. E, como PCP e BE não se cansam de dizer, sem classe média, não há SNS de qualidade, mas apenas serviços mínimos de saúde para quem não pode pagar nem tem poder de influência para pedir mais.

A surpresa é que nem o PCP nem o Bloco parecem apreensivos com isso. "Reconhecemos que hoje as condições de funcionamento do Serviço Nacional de Saúde não respondem a todas as questões que se colocam, pelo que tem que se trabalhar em complementaridade", disse a deputada comunista Rita Rato, em declarações ao Negócios.

E se o Bloco aponta indirectamente para os riscos inerentes ao alargamento da ADSE, acaba por se refugiar em princípios teóricos inóquos. "Não deve haver uma liberalização do acesso à ADSE para qualquer pessoa, portanto o cônjuge não deve, ele próprio, pagar esse desconto. Ele tem acesso por via de ser cônjuge do funcionário titular activo, que, esse sim, paga o seu desconto", disse Joana Mortágua ao Negócios. Portanto, se o pagamento se mantiver nos mesmos beneficiários, deixa de haver problemas com o alargamento do acesso à ADSE.

Mas os dois partidos vão ainda mais longe. Não contentes com a abertura da ADSE a trabalhadores do sector privado, querem ainda que estes não paguem por este seguro de saúde. É o melhor dos dois mundos para os funcionários públicos e o pior para o país: além de poder fragilizar mais o SNS, degradam-se as contas da ADSE. Ou alguém acredita que os mesmos 3,5% do salários dos funcionários cobririam a despesa do cônjuge e em alguns casos do filho? Recorde-se que o Tribunal de Contas calculou que o desconto que garantiria contas equilibradas seria de 2,85% (excluindo as contribuições das autarquias, que o Orçamento elimina). É fazer as contas e concluir que acabariam os restantes trabalhadores do sector privado a financiar este seguro reservado às famílias dos funcionários públicos.

A política "p’ró menino e p’rá menina" pode dar votos no curto prazo mas tem custos pesados na credibilidade e coerência programática dos partidos. 

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