Opinião
Declaração de amor
O primeiro-ministro teceu loas à geringonça, falou em prosseguir o casamento na próxima legislatura e afastou o cenário de bloco central. O leitor ficou confuso? É natural.
A declaração de amor que o primeiro-ministro fez ontem à geringonça causou perplexidade. Costa parece aqueles maridos que se mostram arrependidos depois de dar uma facadinha no matrimónio. A declaração até pode ser sentida, mas os factos tiram-lhe credibilidade.
António Costa passou os últimos meses a roer pacientemente os alicerces da geringonça. Veja-se como, no congresso do seu partido, ignorou PCP e Bloco, chamando ao PS os louros da governação. Veja-se a cambalhota que deu nas alterações à lei laboral, saltando de um plano minimal que mantinha as principais reformas da troika para um acordo com as confederações patronais à revelia dos seus parceiros. Veja-se o namoro com o PSD na descentralização, na saúde e na natalidade. Veja-se o tom crispado que adoptou nas últimas discussões que manteve no parlamento com Bloco, PCP e Verdes. Ou seja, não foi um desvario isolado, foi uma prática reiterada que todos notaram.
O primeiro-ministro percebeu que o PSD com um líder disposto a dialogar mudava muita coisa: não só tornava possíveis convergências ao centro, como inviabilizava a continuação do saque aos votos do PSD antes entrincheirado (veja-se a queda livre do partido com Passos Coelho). Mudou então de estratégia e deixou de olhar para a sua esquerda, esperando que PCP e Bloco radicalizassem o discurso, acordassem o fantasma da instabilidade política e com isso empurrassem o seu eleitorado mais moderado de volta para o PS.
Acontece que nem Jerónimo de Sousa, nem Catarina Martins pisaram a casca de banana. É verdade que endureceram o discurso, sobretudo o PCP, mas sempre sem comprometer, ou sequer ameaçar, a estabilidade governativa. Fizeram o que estão condenados a fazer: ladrar sem morder. Porque se morderem, mordem a própria cauda.
Resultado: o ónus da instabilidade política, que Costa queria que caísse nos partidos à sua esquerda, ficou afinal no PS. Isso mesmo sugere uma sondagem recente da Aximage, onde 37% dos eleitores apontam o PS como o principal responsável por uma eventual crise política (30% apontam o PCP e 19% o Bloco). Os barómetros mensais da mesma Aximage indicam também que, entre Fevereiro e Junho, o PS caiu 3,6 pontos (para 37%), enquanto o PSD subiu 1,4 pontos (para 27,8%) e o Bloco 1,5 pontos (para 10,3%). Até pode não haver relação de causalidade, mas na política é melhor não arriscar nestas matérias e o primeiro-ministro inverteu a marcha.
António Costa é hábil e essa é uma qualidade importante num político. Mas não convém abusar da habilidade sob pena de ser visto como um artista.
António Costa passou os últimos meses a roer pacientemente os alicerces da geringonça. Veja-se como, no congresso do seu partido, ignorou PCP e Bloco, chamando ao PS os louros da governação. Veja-se a cambalhota que deu nas alterações à lei laboral, saltando de um plano minimal que mantinha as principais reformas da troika para um acordo com as confederações patronais à revelia dos seus parceiros. Veja-se o namoro com o PSD na descentralização, na saúde e na natalidade. Veja-se o tom crispado que adoptou nas últimas discussões que manteve no parlamento com Bloco, PCP e Verdes. Ou seja, não foi um desvario isolado, foi uma prática reiterada que todos notaram.
Acontece que nem Jerónimo de Sousa, nem Catarina Martins pisaram a casca de banana. É verdade que endureceram o discurso, sobretudo o PCP, mas sempre sem comprometer, ou sequer ameaçar, a estabilidade governativa. Fizeram o que estão condenados a fazer: ladrar sem morder. Porque se morderem, mordem a própria cauda.
Resultado: o ónus da instabilidade política, que Costa queria que caísse nos partidos à sua esquerda, ficou afinal no PS. Isso mesmo sugere uma sondagem recente da Aximage, onde 37% dos eleitores apontam o PS como o principal responsável por uma eventual crise política (30% apontam o PCP e 19% o Bloco). Os barómetros mensais da mesma Aximage indicam também que, entre Fevereiro e Junho, o PS caiu 3,6 pontos (para 37%), enquanto o PSD subiu 1,4 pontos (para 27,8%) e o Bloco 1,5 pontos (para 10,3%). Até pode não haver relação de causalidade, mas na política é melhor não arriscar nestas matérias e o primeiro-ministro inverteu a marcha.
António Costa é hábil e essa é uma qualidade importante num político. Mas não convém abusar da habilidade sob pena de ser visto como um artista.
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