Opinião
O trunfo das contas certas e o dinheiro no bolso
O argumentário das contas públicas sólidas enraíza-se com esta proposta de Orçamento do Estado para 2024, há passos positivos na gestão orçamental com o fim do garrote das cativações, mas do país "mais rico" e "coeso" anunciado pouco se vê.
O governo apresentou o terceiro Orçamento do Estado em maioria absoluta assente num duplo eixo: é expansionista já que sobe rendimentos e aumenta pensões, sem perder de vista o seu seguro de vida face à oposição, escudando-se na prudência das contas certas e da poupança com os juros da dívida.
Na lógica do governo, "entramos assim em 2024 com a segurança de sabermos que continuaremos a trilhar um caminho prudente, atento às necessidades da nossa sociedade, e sempre com a ambição de continuar a construir um país mais rico, mais coeso, e mais inovador", segundo surge citado no relatório do Orçamento do Estado para 2024.
Ora, problema está de facto nesta lógica do país "mais rico" e "coeso". Nada disso surge retratado no documento entregue esta terça-feira na Assembleia da República. A atualização dos escalões de rendimentos até ao 5.º escalão é um pequeno passo que dificilmente justificará a lógica do "país mais rico". Da coesão, nem sinais.
Nas contas do próprio Governo, "a alteração [aos escalões de rendimentos] proposta permitirá uma redução da taxa média de IRS até 2,4%, com maior ênfase em agregados com rendimentos brutos até 2000 euros por mês". Um "poucochinho", portanto…
Com base nas estatísticas da AT, "76,43% dos agregados em Portugal têm rendimentos brutos que se enquadram "nos três primeiros escalões", sendo que 65,36% do IRS liquidado se concentra nos 3.º, 5.º e 6.º escalões. O grosso do desagravamento acontece no escalão entre 1.123 euros e 1.500 euros brutos mensais, o que só demonstra que a "importante redução de IRS" anunciada pelo Governo manterá quase tudo na mesma.
Ainda assim, como na maior parte das vezes a perceção é mais forte do que a realidade, o discurso do desagravamento é ganho eleitoral garantido para um governo que desliza rumo a um desafiante ano eleitoral, o de 2024, com europeias a definirem muito mais do que o desenho de um Parlamento Europeu.
Também por isso, o discurso das contas certas é aquele que o PS e o seu governo não se querem dar ao luxo de perder. É a garantia de que a oposição fica com pouco para se bater face ao passado e passaporte seguro num centro político avesso a grandes agitações políticas.
Daí que o chavão da dívida pública abaixo dos 100% do PIB – com curta redução do endividamento em termos nominais – seja central para o argumentário do Executivo. Bem como a salvaguarda do excedente orçamental previsto para 2023, que lhe "permite consolidar o equilíbrio das contas públicas num ambiente de incerteza". A dialética dá força e segurança e os socialistas mostram ter aprendido com o passado.
Já o investimento público é anunciado como bandeira essencial à estabilização da procura interna, crescendo 1.800 milhões de euros, mas é preciso olhar com atenção para o que nos diz este valor. Ele representa 3,3% do PIB: sendo o valor mais elevado desde 2011, continua a ser bastante reduzido.
Há um elemento, ainda assim, que é de sublinhar. Já tinha sido anunciado pelo ministro das Finanças, mas percebe-se melhor a dimensão da sua aplicabilidade com a proposta de Orçamento para 2024. Acaba, no próximo ano, "a autorização obrigatória do membro do Governo com competência em matéria de Finanças para a utilização de verbas cativadas" e "para aumentos no valor dos contratos de aquisição de bens e serviços", passando essa tarefa "para os membros do Governo responsáveis por cada um dos programas orçamentais". O fim desse garrote orçamental é determinante para tantos serviços públicos que desesperam na hora de tomar decisões e resolver problemas.
No fundo, sai mais um orçamento de vistas curtas que joga de forma inabalável no campeonato da segurança orçamental, continua a redistribuir, mas sem sinais de clara intenção política reformadora.