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Pedro Santos Guerreiro psg@negocios.pt 01 de Dezembro de 2011 às 23:30

Ricas pensões

O empenho foi tão grande que o Governo conseguiu transferir o fundo de pensões da banca mais do que uma vez. Transferiu-o uma vez e meia: uma para cá, meia para lá. O Estado não esquece os velhos hábitos: transformou o futuro em pagamentos do passado. Lavoisier explicaria: "Na natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma".

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O empenho foi tão grande que o Governo conseguiu transferir o fundo de pensões da banca mais do que uma vez. Transferiu-o uma vez e meia: uma para cá, meia para lá. O Estado não esquece os velhos hábitos: transformou o futuro em pagamentos do passado. Lavoisier explicaria: "Na natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma".

A transferência do fundo de pensões é, do ponto de vista orçamental, uma manha que se institucionalizou. Mas é, também, um negócio entre o Estado e a banca, feito com dinheiro dos pensionistas que, por ser gasto hoje, há-de compensado pelos contribuintes. Uma velha alquimia.

Mais que a "transformação" de Lavoisier, estamos perante transformismo orçamental. Somos mestres há anos nisto. Como por magia, o Estado tem uma receita extraordinária de seis mil milhões. Jura-se que é a última vez. E assim cumprimos o défice orçamental de 5,9% este ano. O Governo há-de celebrá-lo.

Sejamos prévios desmancha-prazeres e façamos umas perguntas. Seis mil milhões é muito mais do que se previa, correspondendo a mais de 3% do PIB. Ou o Estado terá um défice afinal inferior a 5,9% ou teremos também "despesas extraordinárias" ainda este ano. Pela experiência, a segunda hipótese é mais provável: estes seis mil milhões são um enorme tapete para debaixo do qual o Estado ainda vai varrer muito lixo. Buracos nas empresas municipais? Nas PPP? No BPN? Que esqueletos saltarão do armário para aninhar no conforto do fundo de pensões?

Mais: se o o défice orçamental deste ano for formalmente de 5,9% mas substancialmente acima de 9% (5,9% mais os 3% e picos do fundo), então a redução para 4,5% comprometida para 2012 será de uma violência quântica. Talvez assim se perceba a entrevista do primeiro-ministro de há dois dias, para preparar o discurso da derrapagem do défice e da recessão económica de 2012, prenunciado mais medidas de austeridade. Cristalino, não é?

Vamos agora ao negócio. Banca e Governo não enganaram nem foram enganados, mas foi um toma-lá-dá-cá entre aflitos. O Estado abate défice e dívidas, os bancos abatem créditos, terão prejuízo por causa da dívida pública a preço de mercado e são compensados com liquidez. E os pensionistas?

Não perca o fio à meada: seis mil milhões dos actuais pensionistas da banca estavam aplicados, "a render", para pagar as pensões ao longo da sua velhice. Esse valor foi transferido para o Estado, em dinheiro vivo e em títulos de dívida pública. A dívida pública eventualmente consolidará (o Estado deve a si mesmo, logo abate a dívida pública); o dinheiro... será gasto. Entra por uma porta e sai pela outra. Voltando à casa da partida: ao banco.

Daqueles seis mil milhões, três mil milhões servirão para o Estado, os seus hospitais e as suas empresas falidas pagarem dívidas aos próprios bancos e fornecedores. Repare: não é cambalacho, pois o Estado tem de pagar as suas dívidas. Mas é quase como uma securitização: o dinheiro que ia ser despendido ao longo de muitos anos em pensões é torrado já. Já a conta das pensões fica por pagar. Lembra-se da crítica ao fundo da Segurança Social, que estava a comprar dívida pública de mais, financiando o Estado com dinheiro dos pensionistas? Pois.

O dinheiro dos pensionistas da banca viajou no tempo: metade veio do futuro para se consumir no presente a pagar o passado. No futuro, essas pensões serão pagas, obviamente, por mais dívida pública ou impostos, o que é a mesma coisa em tempos diferentes.

Os pensionistas salvaram o Governo; os bancários salvaram os banqueiros. Se Lavoisier fosse economista, jamais faria um teorema infalível. Na economia, quando nada se cria, recria-se - e tudo se perde.



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