Opinião
31 de Agosto de 2011 às 11:31
Pasta dentífrica
Hans-Olaf Henkel é um nome que não dirá grande coisa ao comum dos mortais.
Hans-Olaf Henkel é um nome que não dirá grande coisa ao comum dos mortais. Mas trata-se do antigo líder da mais poderosa associação industrial alemã e é, actualmente, um dos mais tenazes advogados do fim do euro tal como existiu até hoje.
A mais recente peça de argumentação de Henkel acaba de ser publicada no "Financial Times" e retoma o essencial daquilo que já tinha defendido em artigos anteriores publicados em jornais como o "The Guardian". Não se trata de um "eurocéptico" de longa data. Pelo contrário. Hans-Olaf Henkel foi, até há pouco tempo, um entusiasta da moeda única europeia. Acabou por mudar de ideias e até considera que a sua anterior convicção sobre o projecto da união monetária foi o maior erro que cometeu na sua vida profissional.
Pode argumentar-se que a visão deste gestor e empresário não corresponde à abordagem conhecida do poder político alemão sobre os problemas de sobrevivência do euro. Mas reflecte o que, com mais ou menos cerimónia ou cautelas, é a perspectiva partilhada por uma parte da opinião pública na Alemanha e noutros países que estão entre o grupo dos bem comportados da Zona Euro e que não vêem quaisquer vantagens em continuar a financiar a indisciplina dos seus parceiros do sul.
O que diz, afinal, Hans-Olaf Henkel? No essencial, defende que a Alemanha, juntamente com a Áustria, Holanda e Finlândia, deviam abandonar a Zona Euro e lançar uma nova moeda. Para trás, os quatro países, a que se poderia juntar a Irlanda, deixariam uma região liderada pela França e que, livre da disciplina monetária e financeira inspirada no modelo e cultura germânicas, poderia regressar ao seu modo particular de conquistar competitividade através da inflação e de desvalorizações da moeda. Com algumas dificuldades pelo meio, todos viveriam mais felizes. Verdade ou equívoco?
Compreende-se o desencanto do industrial alemão pelo rumo que a Zona Euro tomou. Alguns elementos fundadores da moeda única foram abatidos, nos tempos mais recentes, com tiros de artilharia pesada e de pontaria afinada. As regras de disciplina nas finanças públicas foram torpedeadas e ninguém foi punido. O princípio de que não haveria operações de resgate das nações delinquentes que se lançaram numa espiral de despesa e endividamento está morto e descansa em paz. E o Banco Central Europeu coloca em causa a sua independência e saúde financeira com a aquisição de dívida pública de países que são alvo da desconfiança dos credores.
As dúvidas alemãs enunciadas por Henkel, e partilhadas por outros descrentes nas capacidades de regeneração dos velhos membros do "clube med", são simples de enunciar: por que motivo não se salvam os bancos germânicos em vez de se injectar mais recursos em países que se assemelham a causas perdidas? Para quê prosseguir num modo de funcionamento da Zona Euro em que os bem comportados se vêem forçados a transferir recursos para os mal comportados, tornando os primeiros em co-responsáveis pelos erros dos segundos?
Há duas décadas, a propósito da entrada do escudo no sistema monetário europeu, Alfredo de Sousa afirmava que a decisão tinha sido um disparate. Mas acrescentava que sair seria ainda pior. Se era fácil retirar a pasta dentífrica do tubo, seria muito difícil voltar a colocá-la lá dentro. O percurso do euro, desde Maastricht, é uma história em que não faltam más decisões e defeitos de construção que estão bem à vista. Mas prestar-lhe a extrema unção seria ainda pior. Incluindo para a Alemanha.
Quarenta por cento das exportações germânicas são colocadas nos seus parceiros da Zona Euro, o que daria algumas dores-de-cabeça no cenário de uma nova moeda altamente valorizada em relação ao euro de segunda. As perturbações sociais de uma desagregação do espaço da moeda única acabariam por afectar a Alemanha. E uma ruptura do eixo franco-alemão seria o princípio do fim da União Europeia.
Desafiar o destino pode ser uma enorme tentação. Mas convém que Hans-Olaf Henkel, e quem comunga dos seus pontos de vista, pense duas vezes antes de pressionar Angela Merkel a dar o salto para o desconhecido. Conforme ensina a História, é preciso não esquecer que o longo período de paz de que a Europa desfruta desde o fim da Segunda Guerra Mundial é uma situação anormal. A regra foi o consenso à força da espada e da espingarda.
A mais recente peça de argumentação de Henkel acaba de ser publicada no "Financial Times" e retoma o essencial daquilo que já tinha defendido em artigos anteriores publicados em jornais como o "The Guardian". Não se trata de um "eurocéptico" de longa data. Pelo contrário. Hans-Olaf Henkel foi, até há pouco tempo, um entusiasta da moeda única europeia. Acabou por mudar de ideias e até considera que a sua anterior convicção sobre o projecto da união monetária foi o maior erro que cometeu na sua vida profissional.
O que diz, afinal, Hans-Olaf Henkel? No essencial, defende que a Alemanha, juntamente com a Áustria, Holanda e Finlândia, deviam abandonar a Zona Euro e lançar uma nova moeda. Para trás, os quatro países, a que se poderia juntar a Irlanda, deixariam uma região liderada pela França e que, livre da disciplina monetária e financeira inspirada no modelo e cultura germânicas, poderia regressar ao seu modo particular de conquistar competitividade através da inflação e de desvalorizações da moeda. Com algumas dificuldades pelo meio, todos viveriam mais felizes. Verdade ou equívoco?
Compreende-se o desencanto do industrial alemão pelo rumo que a Zona Euro tomou. Alguns elementos fundadores da moeda única foram abatidos, nos tempos mais recentes, com tiros de artilharia pesada e de pontaria afinada. As regras de disciplina nas finanças públicas foram torpedeadas e ninguém foi punido. O princípio de que não haveria operações de resgate das nações delinquentes que se lançaram numa espiral de despesa e endividamento está morto e descansa em paz. E o Banco Central Europeu coloca em causa a sua independência e saúde financeira com a aquisição de dívida pública de países que são alvo da desconfiança dos credores.
As dúvidas alemãs enunciadas por Henkel, e partilhadas por outros descrentes nas capacidades de regeneração dos velhos membros do "clube med", são simples de enunciar: por que motivo não se salvam os bancos germânicos em vez de se injectar mais recursos em países que se assemelham a causas perdidas? Para quê prosseguir num modo de funcionamento da Zona Euro em que os bem comportados se vêem forçados a transferir recursos para os mal comportados, tornando os primeiros em co-responsáveis pelos erros dos segundos?
Há duas décadas, a propósito da entrada do escudo no sistema monetário europeu, Alfredo de Sousa afirmava que a decisão tinha sido um disparate. Mas acrescentava que sair seria ainda pior. Se era fácil retirar a pasta dentífrica do tubo, seria muito difícil voltar a colocá-la lá dentro. O percurso do euro, desde Maastricht, é uma história em que não faltam más decisões e defeitos de construção que estão bem à vista. Mas prestar-lhe a extrema unção seria ainda pior. Incluindo para a Alemanha.
Quarenta por cento das exportações germânicas são colocadas nos seus parceiros da Zona Euro, o que daria algumas dores-de-cabeça no cenário de uma nova moeda altamente valorizada em relação ao euro de segunda. As perturbações sociais de uma desagregação do espaço da moeda única acabariam por afectar a Alemanha. E uma ruptura do eixo franco-alemão seria o princípio do fim da União Europeia.
Desafiar o destino pode ser uma enorme tentação. Mas convém que Hans-Olaf Henkel, e quem comunga dos seus pontos de vista, pense duas vezes antes de pressionar Angela Merkel a dar o salto para o desconhecido. Conforme ensina a História, é preciso não esquecer que o longo período de paz de que a Europa desfruta desde o fim da Segunda Guerra Mundial é uma situação anormal. A regra foi o consenso à força da espada e da espingarda.
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