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28 de Janeiro de 2011 às 11:11

Os especuladores contra Portugal

O imaginário político construiu o mito de um anjo negro, chamou-lhe "especulador" e habitou-o numa terra abstracta da volúpia chamada "mercados".

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Depois, encomendou laboriosos estudos e prometeu o aniquilamento do mal. Falhou: o especulador vive nas nossas barbas. E das nossas barbas.

Vamos lá a ver se a gente se entende: "o especulador" não é qualquer mefistofélico ser de um Fausto. Ele vai tendo vários nomes, um é investidor, outro é credor, mas existe, é só. É racional, não é emotivo; conhece bem a lei, desconhece a ética; não tem nem culpa nem perdão. Lucra com o nosso bem com a abnegação com que lucra com o nosso mal. Sobretudo: está vivo. E deseja a nossa queda. Fazemos-lhe a vontade?

Os Estados Unidos têm fama de uma justiça célere e impiedosa. Mas não a têm para os bancos de investimento, os tais que em 2008 iam acabar, em 2009 tiveram os maiores lucros de sempre e de 2010 saíram a dizerem-se perseguidos. Ontem, a aguardada Comissão de Inquérito da Casa Branca pariu um rato atómico e concluiu que a crise era "evitável": reguladores, políticos e banqueiros "ignoraram avisos e falharam em questionar, perceber e gerir os riscos crescentes". Pfff...

Mas espere, a desfaçatez ainda não acabou! Em Davos, um alto responsável do JP Morgan disse ontem que o excesso de regulação está a penalizar a banca, o que prejudica a economia; e outro alto responsável do Goldman Sachs, também a partir de Davos, fez manchete no "Financial Times" avisando que o excesso de regulação vai afastar os riscos para um sector menos regulado, o dos "hedge funds". Se isto lhe soa a alta finança, esqueça, isto também está a acontecer-lhe a si, caro contribuinte.

Vamos a Portugal: há milhões de euros e de dólares investidos em CDS (seguros de risco) que apostam na quebra de Portugal. Se formos intervencionado pelo FMI, o "rating" é-nos cortado e os CDS disparam até ao planeta Krypton. E muitos dos bancos de investimento que andam a dizer que vamos falir lucrarão milhões. Outro exemplo: as acções do BCP estão ao preço da uva mijona por causa dos resultados, mas o ioiô diário do último ano aconteceu porque esta é acção a mais "shortada" da bolsa portuguesa. E, relembre-se, nunca nada acontece quando bancos como o KBW ou o Macquaire, que prognosticaram o chumbo do BCP e do BPI nos testes de stress do Verão, erram. Mesmo bancos como o Goldman Sachs são hoje "travestis", funcionam como "hedge funds", investindo o dinheiro de clientes em seu próprio lucro (no que se chama de "proprietary trading"). E financiados por... - rufe lá os tambores - contribuintes americanos, através de minúsculas taxas de juro do banco central, o Fed.

Do lado de cá do Atlântico, os bancos franceses e alemães estão a perder um balúrdio na Grécia, as "cajas" espanholas estão na iminência de nacionalização, medram BPNs na Irlanda, a banca holandesa definhou, a belga está por um triz, os coitados dos banqueiros portugueses, com as cotações mais baixas dos últimos 20 anos, andam a inventar aumentos de capital e a cortar nos dividendos. Mas também por cá há um salvador: o contribuinte.

Culpar estes senhores nada resolve, mas vê-los vitimizarem-se convoca o esgar. O contribuinte é também eleitor - e cidadão. Os políticos que culpam os "especuladores" estão a demarcar-se dos seus fracassos; mas ignorar que grande parte da destruição europeia está a beneficiar grandes bancos é absolvê-los dos seus sucessos. Os erros pagam-se caro: mas porquê só os nossos?

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