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Pedro Santos Guerreiro psg@negocios.pt 22 de Outubro de 2010 às 11:40

O dilema do prisioneiro

José Sócrates e Pedro Passos Coelho extremaram a relação até se encurralarem nos seus ódios.

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Agora, entregaram a negociação do Orçamento às suas equipas de economistas. Óptimo. Se há hipótese de acordo entre o sapo e o escorpião da fábula, é por aqui.

Esta "negociação final" para o Orçamento do Estado está a ser feita pelas pessoas certas. Por quem são (ambas as equipas de negociadores têm dos melhores quadros alistados dos dois lados) e pelo que são: economistas, financeiros, gestores... Gente, enfim, com tendência para ser racional. Pessoas que conhecem as armadilhas de uma negociação, incluindo o célebre "Dilema do Prisioneiro", em que Sócrates e Passos Coelho se deixaram cair, na obsessão de culpabilizar o outro pela crise que se vai agravar.

A aprovação do Orçamento pode não ser suficiente mas é necessária para tentarmos gerir, nós próprios, esta crise, mesmo que venhamos a pedir ajuda ao FMI, como aqui foi escrito ontem. Hoje, vale a pena ler dois minutos de Economia e de Teoria dos Jogos para perceber o que pode impedir a cooperação.

No "Dilema do Prisioneiro" (criado em 1950 por Merrill Flood e Melvin Dresher), dois comparsas são interrogados em salas separadas pela polícia, que pretende uma denúncia para reforçar as suas fracas provas de um crime. É-lhes feita a mesma proposta: se ambos ficarem em silêncio, serão condenados a um ano de cadeia cada um; se um denunciar o outro e este ficar em silêncio, o denunciante sai em liberdade e o denunciado cumpre dez anos; se ambos se traírem, um e outro vão cinco anos para a cadeia. Ambos sabem que a proposta é igual para os dois e que têm de decidir sem saber a decisão do outro. O que fazem? Traem-se. Ambos sairiam melhor se cooperassem mas - eis o ponto essencial do dilema -, os dois acabam por tomar a pior decisão para ambos por receio de que o outro tome a melhor decisão para ele.

PS e PSD partem de situações parecidas. Se não cooperarem, a economia afunda, o FMI entra e o ónus da crise financeira recai sobre ambos; se um assumir o esforço e o outro inviabilizar, esse outro fica com o ónus da crise política; se cooperarem, o choque económico é menos mau e o ónus também. Como o dilema mostra, se cada um deles escolher em função do seu interesse próprio pode ficar pior do que se escolher em função do interesse colectivo. Tendem para a traição (até porque, neste caso, de traidores já se chamaram). E os portugueses vão culpá-los pela ingovernabilidade.

A partir de amanhã, José Sócrates e Pedro Passos deixam de negociar em salas separadas. Essa é a sua maior vantagem para cooperar daqui para a frente. Mas só o conseguirão se cederem e estiverem dispostos a acreditar que não serão traídos.

Separam-nos 500 milhões de euros (o PSD queria menos mil milhões de receitas fiscais e mais 500 milhões de cortes de despesa), o que é pouco. Ambos têm de reconhecer, ademais, que as suas propostas iniciais têm falhas, quer no Orçamento apressado do Governo, quer nas propostas do PSD (que incluem aumento da dívida pública, o que não faz sentido).

Sócrates e Passos Coelho têm de embainhar as espadas e tirar as máquinas de calcular. Viabilizando o Orçamento, passaremos à fase seguinte, a que verdadeiramente interessa: os problemas de liquidez e a recessão. Para isso, precisam de congelar a sua própria natureza. Se não, como na fábula, o escorpião pica mesmo o sapo. E morrem ambos.



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