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Morte lenta

O Governo anunciou, ontem, o lançamento de uma nova série de certificados de aforro. E, antes que a ideia criasse raízes, o Ministério das Finanças apressou-se a emitir um comunicado, em que garantiu não estar a preparar-se para acabar com o mais popular

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A jura seria desnecessária se tudo fosse tão simples e cristalino como o discurso oficial quer fazer crer. Parece óbvio que, se vai nascer uma terceira série, é porque os certificados vão continuar a andar por aí nos próximos tempos. Isto é tão certo como das uvas ser possível fazer-se vinho. O que o Executivo já não estará em condições de afirmar é que as novas regras não são, em primeiro lugar, o resultado de um esforço para poupar nos encargos decorrentes deste produto da dívida pública. Assim como não lhe ficará bem tentar persuadir quem quer que seja, que essa poupança obtida pelos cofres públicos não será conseguida à custa de uma redução da capacidade de atracção dos certificados de aforro junto dos investidores.

Como diria um antigo primeiro-ministro, é só fazer as contas. Se, por um lado, a taxa de juro dos novos certificados de aforro sobe, o prémio de permanência é retardado, subtraindo argumentos para que as famílias continuem a dar prioridade a este instrumento quando se trata de fazer crescer o seu dinheiro. Pretende-se incentivar a poupança de longo prazo, alegou o Governo. Mas este efeito só será conseguido caso se confie que a preguiça ou a iliteracia financeira impedirão os potenciais subscritores de descobrir que, para um investimento a dez anos, há alternativas no mercado com potencial para se tornarem mais compensadoras.

Uma busca pelos arquivos permite encontrar declarações de Carlos Costa Pina que, na altura, geraram algum estrépito e o inevitável desmentido do Ministério das Finanças. O secretário de Estado do Tesouro queixava-se, numa entrevista, que os certificados de aforro saíam muito caros ao erário público, o que, em bom português, significa que derretiam muito dinheiro aos contribuintes. Não menos importante, estando o Governo ansioso para encontrar soluções rápidas e práticas de reduzir a despesa onde não desse muita dor de cabeça, Costa Pina deixava em aberto a possibilidade de as Finanças darem uma machadada, de amplitude a definir, na remuneração dos certificados. Afinal, o assunto não ficou esquecido. Apenas foi adiado para uma oportunidade em que fosse possível dar-lhe seguimento de forma menos ruidosa.

O Governo quer baixar os encargos com a dívida pública e captar recursos junto das famílias a um custo mais baixo? Os contribuintes devem agradecer a preocupação com a boa gestão do dinheiro que entregam ao Estado. Mas, sendo muito ou pouco, é apenas isso que está em causa. Se os investidores se derem ao trabalho de comparar a rendibilidade previsível dos novos certificados com algumas soluções concorrentes, são bem capazes de fazer o jeito de os ir deixando agonizar. Se desejasse saúde e vida longa aos certificados de aforro, o Governo teria adoptado outras medidas. Para evitar os engulhos de um falecimento súbito, as Finanças optaram por infligir a morte lenta.

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