Opinião
O que é raríssimo
Esta confusão entre responsáveis políticos e de IPSS tem a mais trágica das consequências, a criação de um clima de cepticismo que torna a sociedade mais egoísta e crescentemente desconfiada quando se trata de ajudar o próximo.
Catarina Martins fez um diagnóstico certeiro relativamente ao que se passou na Raríssimas. "Este caso mostra como no mundo das IPSS (...) há, como noutros sectores, uma enorme confusão, muitas vezes, entre os responsáveis políticos e os responsáveis das IPSS", declarou a líder do Bloco de Esquerda.
O caso Raríssimas revela, além de problemas de carácter de alguns dos intervenientes, isso mesmo, uma promiscuidade que poderia até ser desinteressada e altruísta, mas se revelou perigosa.
O ministro Vieira da Silva, tal como o agora ex-secretário de Estado da Saúde, Manuel Delgado, poderão ter aceite colaborar com a Raríssimas pela melhor das intenções, só que cometeram o pecado de não fazerem perguntas ou de darem como adquirido que esta IPSS era um modelo de virtude. Desta forma, ficaram ao sabor dos ventos, que na Raríssimas, se tornaram ciclónicos e da presidente de uma instituição que se revelou mitómana. Até porque só alguém mitómano pode declarar, sem um pingo de vergonha, que merece "um pedido de desculpas do país", como o afirmou Paula Brito e Costa em entrevista ao Expresso.
Vieira da Silva disse ontem no Parlamento que colaborou "obviamente a título gracioso e como compromisso cívico" com a Raríssimas e que nunca retirou qualquer benefício pessoal ou material" enquanto vice-presidente da assembleia-geral daquela instituição. Não há nenhuma razão para duvidar da palavra ministro, mas sobra uma certeza: Vieira da Silva aceitou um cargo sem fazer "due diligence", considerando o bom funcionamento da instituição como um dado adquirido. Uma circunstância que agora o penaliza. Inapelavelmente.
Este problema não existiria se políticos, independentemente da sua cor partidária, recusassem cargos deste tipo ou averiguassem, de forma efectiva, o funcionamento das instituições para as quais são convidados. Desafortunadamente, é isto que é raríssimo em Portugal. Confundem-se conhecimentos técnicos com capacidade de influenciar decisões do Estado, caminhando-se num território que permite duplas, triplas e ínvias interpretações sobre as razões que estão na base dos convites e na aceitação dos mesmos.
Esta confusão entre responsáveis políticos e de IPSS tem a mais trágica das consequências, a criação de um clima de cepticismo que torna a sociedade mais egoísta e crescentemente desconfiada quando se trata de ajudar o próximo.