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O fim das borlas

A Fed tem procurado gerir com pinças o desmame. Mas mudanças de paradigma não acontecem sem turbulência.

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O gráfico da taxa de juro de referência nos EUA traça uma linha contínua sobre o zero desde 2008. Já lá vão mais de cinco anos de administração generosa do remédio monetário. A terapêutica passou a ter, na semana passada, um prazo de validade. O fim do dinheiro barato merece que os investidores reflictam sobre a segurança do poiso que deram às suas poupanças.


Se a ideia era passar uma imagem marcante na primeira conferência de imprensa sobre política monetária, Janet Yellen, a nova presidente da Reserva Federal, fez bem o trabalho de casa. A ambiguidade é um mantra no discurso dos banqueiros centrais. Greenspan, que ocupou o cargo entre 1987 e 2006, disse um dia que aprendeu a "balbuciar com grande incoerência". Questionada pelos jornalistas na quarta-feira sobre quando ocorreria a primeira subida da taxa de juro, Yellen começou por manter a tradição: a taxa manter-se-á próxima de zero durante um período prolongado de tempo após o fim do programa de compra de obrigações. Perante a insistência deixou escapar que seria "em torno de seis meses".


Os mercados, claro, puseram-se rapidamente a fazer contas: a taxa sai do zero em Abril do próximo ano. O deslize da presidente da Fed já foi alvo de críticas e atribuído à inexperiência no cargo. Mais do que discutir a política de comunicação da Reserva Federal, importa perceber as consequências do fim de uma era de dinheiro historicamente barato. Da criação de emprego, o foco da política monetária pode estar a virar-se para a contenção de pressões inflacionistas e bolhas especulativas nos activos.


A Fed tem procurado gerir com pinças o desmame. Mas mudanças de paradigma não acontecem sem turbulência. E temos, de resto, já vindo a assistir a alguns sobressaltos. Em Maio e Junho do ano passado, quando também aconteceram momentos marcantes na inversão da política monetária americana, os mercados abanaram, em particular os emergentes. Desta vez não foi diferente.


A recuperação da borrasca foi rápida. As bolsas americanas, há quatro anos em alta, voltaram a aproximar-se dos máximos históricos. O facto de estarem em recorde não significa, por si só, que não possam continuar a subir. O travão está nas avaliações mais exigentes a que negoceiam - acima das médias históricas, quer se olhe para o rácio entre preço e lucros ou entre preço e valor contabilístico - que sugerem uma sobrevalorização. "Já não há activos baratos" a nível global, como diz Paul Niven, da F&C Investments, na entrevista publicada no Investidor Privado.


A subida dos juros prevê-se que seja lenta, numa conjuntura de inflação reduzida. E enquanto a economia continuar a dar suporte aos resultados das cotadas, as bolsas têm pernas (curtas) para trepar.


Mas o fim do dinheiro barato vai levar os investidores a reverem as suas posições. A subida das taxas de juro vai encarecer o custo de financiamento das empresas, pressionando as margens e os lucros. E a maior remuneração dos activos de baixo risco, como as obrigações americanas ou mesmo o cash, vão reduzir o apetite pelos activos de maior risco. O que deixará os investidores posicionados em terrenos mais aquecidos dos mercados, como a dívida de empresas "high yield", a andar sobre areias movediças.

 

 

aversissimo@negocios.pt

 

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