Opinião
O comentador Machete tem razão
Os juros de 4,5% de Rui Machete foram uma argolada política. Isso não significa que não tenham um fundo de verdade. Portugal pode voltar a emitir com taxas acima da fasquia dada pelo ministro dos Negócios Estrangeiros. Mas, a prazo, esse é um preço que Portugal não pode pagar. Como alertava ontem José Silva Lopes na conferência anual da Ordem dos Economistas: "Portugal não tem a mínima chance de sobreviver com as taxas do mercado".
Primeiro a argolada. Não faz sentido um ministro vir dizer que enquanto os juros da dívida não baixarem os 4,5% Portugal está condenado a um segundo resgate, a poucos meses de Portugal começar a negociar com a Europa um programa cautelar. Mesmo que uma solução e outra não difiram assim tanto na substância. Ninguém nos mercados levou o ministro a sério. Nem tão pouco na Comissão Europeia.
Já enquanto ministro travestido de comentador, as palavras de Rui Machete tocam de soslaio numa ferida aberta para a qual, mais cedo ou mais tarde, o País terá de olhar. Com uma factura em juros já de si insustentável e taxas de crescimento económico baixas, conseguir financiamento a taxas acima de 5% não pode tornar-se um hábito. Serve para abrir o acesso ao mercado. Tão só. Daí para frente têm de baixar o juro, se Portugal quiser manter a autonomia financeira.
O custo médio actual ronda os 3,5%. A troika assume uma taxa de juro de médio e longo prazo de 5% no exercício que valida a sustentabilidade da dívida pública portuguesa, que vai em 127,8% do PIB. Será de confiar? Um estudo de técnicos do FMI reconheceu que os pressupostos usados em relação à sustentabilidade da dívida grega foram puxados pelos cabelos.
Para que a trajectória da dívida pública seja sustentável é preciso que o custo médio de financiamento não exceda o crescimento nominal da economia. Ora a previsão da própria troika para o crescimento nominal de Portugal a médio e longo prazo é de 4% (2% é inflação). Donde seria recomendável que o custo médio da dívida não excedesse os 4% a 4,5%. O tal número de Machete. Um encargo maior tornaria a factura dos juros ainda mais incomportável.
Falta dizer que as condições descritas acima são válidas num cenário de equilíbrio das contas públicas, algo que Portugal manifestamente não vai conseguir a curto prazo. Pela inflação também não nos safamos – o presidente do BCE avisou a semana passada que ela vai manter-se baixa por um período prolongado. Chegará um dia em que vamos ter de pôr o dedo na ferida. Voltemos a Silva Lopes: "Se não houver alguma mutualização de dívida, alguma redução de encargos, alguma reestruturação de dívidas, da portuguesa e outras, a União Europeia não acaba bem". Não é se vai acontecer. É quando.
*Editor de Mercados Financeiros
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