Opinião
As armadilhas que esperam a Fed à saída
A persistente debilidade da economia norte-americana – onde o desendividamento nos sectores privado e público prossegue – levou a um desemprego obstinadamente elevado e a um crescimento inferior ao normal. Os efeitos da austeridade orçamental – um forte aumento dos impostos e uma forte redução da despesa governamental desde o início do ano – estão a minar ainda mais o desempenho económico.
Com efeito, dados recentes impuseram o silêncio a alguns responsáveis da Reserva Federal que tinham dado a entender que a Fed poderia começar a sair da sua terceira ronda de flexibilização quantitativa (QE3) que está actualmente em curso (por uma duração indeterminada). Atendendo ao lento crescimento, ao elevado desemprego (que só tem diminuído porque muitos trabalhadores desanimados estão a abandonar a vida activa) e à inflação bastante abaixo da meta da Fed, não é altura de começar a restringir a liquidez.
O problema é que as injecções de liquidez da Fed não estão a criar crédito para a economia real, mas sim a impulsionar o endividamento e a tomada de riscos nos mercados financeiros. A emissão de obrigações de má qualidade (“junk bonds”), com cláusulas contratuais vagas e taxas de juro excessivamente baixas está a aumentar; o mercado accionista está a atingir novos máximos históricos, apesar da desaceleração do crescimento; e o dinheiro está a fluir para mercados emergentes de elevado rendimento.
Mesmo a periferia da Zona Euro está a beneficiar com a vaga de liquidez libertada pela Fed, pelo Banco do Japão e por outros importantes bancos centrais. Com os juros sobre as obrigações soberanas nos EUA, Japão, Reino Unido, Alemanha e Suíça em níveis ridiculamente baixos, os investidores estão numa demanda global de rendibilidade.
Talvez seja ainda demasiado cedo para dizer que muitos activos de risco atingiram já níveis de ‘bolha’ e que essa alavancagem e tomada de riscos nos mercados financeiros estão a tornar-se excessivas. Mas a realidade indica que takvez se formem bolhas de crédito e de activos/capital accionista nos próximos dois anos, dada a flexível política monetária dos Estados Unidos. A Fed referiu que o QE3 se manterá até que o mercado de trabalho tenha melhorado o suficiente (provavelmente em inícios de 2014), com os juros directores em 0% até que o desemprego caia para pelo menos 6,5% (muito provavelmente não antes do início de 2015)-
Mesmo quando a Fed começar a subir juros (algures em 2015), será um processo lento. No anterior ciclo de aperto, que começou em 2004, a Fed demorou três anos para conseguir normalizar a taxa de intervenção. Agora, a taxa de desemprego, bem como a dívida das famílias e a dívida do governo federak, são muito mais elevadas. A rápida normalização – como a que ocorreu no período de um ano, em 1994 – levaria a uma forte queda nos mercados de activos, podendo levar a uma brusca aterragem económica.
No entantp, se os mercados financeiros estão já com tendência para formarem bolhas, imaginem como estarão em 2015, quando a Fed começar a apertar as suas condições, e em 2017 (se não mais tarde) quando a Fed terminar o processo de restrições. Da última vez, as taxas de juro estiveram demasiado baixas durante demasiado tempo (2001-2004) e a subsequente normalização dos juros foi demasiado lenta, provocando grandes bolhas nos mercados do crédito, imobiliário e accionista.
Sabemos como é que este filme terminou e é bem possível que possamos estar a preparar-nos para uma sequela. A débil economia real e o débil mercado de trabalho, de par com elevados rácios de endividamento, sugerem a necessidade de proceder a uma retirada lenta dos estímulos monetários. Mas uma retirada lenta pode criar uma bolha do crédito e dos activos tão grande como a anterior, se não mesmo maior. Procurar a estabilidade económica real, ao que parece, poderá conduzir de novo à instabilidade financeira.
Alguns responsáveis da Fed – o presidente Ben Bernanke e a vice-presidente Janet Yellen – dizem que os decisores podem perseguir ambos os objectivos: a Fed aumenta as taxas de juro lentamente para providenciar estabilidade económica (rendimentos sólidos, com crescimento do emprego e baixa inflação), ao mesmo tempo que evita a instabilidade financeira (bolhas do crédito e de activos derivadas da elevada liquidez e das baixas taxas de juro), através do recurso à supervisão macroprudencial e à regulação do sistema financeiro. Por outras palavras, a Fed usará instrumentos regulatórios para controlar o crescimento do crédito, a tomada de riscos e o endividamento.
Mas uma outra facção da Fed – liderada pelos governadores Jeremy Stein e Daniel Tarullo – diz que os instrumentos macroprudenciais não foram testados e que limitar o endividamento num sector do mercado financeiro simplesmente desvia a liquidez para outros sectores desse mercado. Com efeito, a Reserva Federal apenas regula os bancos, por isso a liquidez e o endividamento podem migrar para o sistema bancário sombra se os bancos começarem a ser mais rigorosamente regulados. Consequentemente, Stein e Tarullo argumentam que só o instrumento da taxa de juro da Fed é que pode atacar todos os problemas do sistema financeiro.
Mas se a Fed apenas dispuser de um instrumento eficaz - taxas de juro – os seus dois objectivos de estabilidade económica e financeira não podem ser alcançados em simultâneo. Ou a Fed tenta alcançar o primeiro objectivo, mantendo as taxas de juro baixas durante mais tempo, normalizando-as muito lentamente (caso em que surgiria uma enorme bolha do crédito e dos activos, no seu devido tempo); ou se focaliza na prevenção da instabilidade financeira e aumenta as taxas directoras muito mais rapidaemente do que o exigido pelo fraco crescimento e elevado desemprego, travando assim uma retoma que está já entorpecida.
A retirada, pela Fed, dos estímulos de flexibilização quantitativa, bem como as suas políticas de taxas de juro zero, podem ser traiçoeiras. Uma retirada demasiadamente rápida levará a uma contracção da economia real, ao passo que uma retirada demasiadamente lenta criará uma enorme bolha, levando depois a um ‘crash’ do sistema financeiro. Se a retirada não for feita de modo bem sucedido, uma Fed com uma postura conciliadora é mais susceptível de criar bolhas.
Nouriel Roubini é presidente da Roubini Global Economics (www.roubini.com) e professor de Economia na Stern School of Business, Universidade de Nova Iorque.
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Tradução: Carla Pedro