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A próxima agenda da China

Embora Pequim e Xangai sejam relativamente prósperos, ainda há muita pobreza. É revelador que para atingir a meta do Plano a Cinco Anos de eliminar a pobreza até 2020, o que exige a redução em 55 milhões do número de pessoas pobres, a linha de pobreza seja definida em apenas 354 dólares por ano, ou menos de um dólar por dia.

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Regressei recentemente de Pequim, onde estive uma semana a conversar com autoridades chinesas e a assistir ao Fórum de Desenvolvimento da China (CDF, na sigla anglo-saxónica), o grande encontro anual de responsáveis chineses e estrangeiros, bem como de executivos de topo. O Governo chinês acabara de lançar o seu 13º Plano Quinquenal, com os responsáveis ansiosos por explicar o que isso significa para o futuro da China.

 

Embora o plano mais recente contenha uma lista aparentemente interminável de projetos e metas específicas, o novo grande tema deste ano é "a reestruturação do lado da oferta", um termo que inclui uma ampla gama de políticas destinadas a impulsionar o crescimento económico e os níveis de vida. O termo "lado da oferta" destina-se a distinguir estas novas políticas das tradicionais medidas de dinheiro barato, do lado da procura, e do défice orçamental ligeiramente superior, ambos já visando o reforço da actividade económica.

 

No topo da lista de políticas do lado da oferta está a eliminação de parte do excesso de capacidade das empresas estatais das indústrias do aço e do carvão. Isto significa despedir cerca de quatro milhões de trabalhadores, o equivalente a 0,5% da força de trabalho chinesa. O plano autoriza um fundo especial para prestar assistência aos que continuam desempregados. Os especialistas acreditam que é necessária uma redução muito maior. Mas as autoridades estão a começar lentamente, de modo a ver como funciona e para monitorizar a resposta da população.

 

A China irá também mudar milhões de pessoas de áreas agrícolas de baixa produtividade para dezenas de novas cidades, lado a lado com planos ambiciosos para construir 50 novos aeroportos e milhares de quilómetros em novas estradas e ferrovias. As autoridades estão também a enaltecer o projecto "One Belt, One Road", que utilizará os recursos e a assistência financeira chineses para desenvolver portos, ferrovias e rodovias que liguem a China a outras regiões da Ásia, Ásia Central e, potencialmente, até mesmo da Europa. O objectivo da política externa é expandir a influência chinesa na região e além desta. Irá também proporcionar uma oportunidade para exportar algum do excesso de capacidade industrial da China.

 

Além disso, os responsáveis pretendem estimular a inovação através da investigação e desenvolvimento, incluindo através da redução das taxas de imposto para empresas de alta tecnologia. A reforma tributária irá também alargar o IVA ao sector de serviços. E as reformas financeiras eliminarão os limites às taxas de juro que os bancos podem pagar sobre os depósitos e o que cobram sobre os empréstimos.

 

Ao mesmo tempo, há uma confusão substancial em torno do novo regime cambial da China. Nos últimos anos, a queda do yuan face dólar provocou queixas de empresas norte-americanas que competem com produtos chineses. Mas o yuan também valorizou 25% desde 2010, face a outras moedas de países desenvolvidos. As autoridades prometem que irão permitir que o mercado determine a taxa de câmbio e que não há razão para uma desvalorização sustentada. Mas as autoridades continuam a salientar as oscilações do yuan face ao dólar, porque temem que enfatizar a gestão da taxa de câmbio face a um cabaz de moedas leve a crer numa queda em relação ao dólar, uma expectativa que aumentaria as saídas de capital.

 

Políticas para melhorar o meio ambiente estão também no topo da agenda do Governo para os próximos cinco anos. A população está ansiosa por um ar, rios e terra mais limpos. Para conseguir isso, o Governo vai adoptar novas regulamentações e criar "obrigações verdes" para financiar fontes de correcção e de energia de baixo carbono. As empresas de automóveis chinesas estão a ser incentivadas a produzir carros híbridos e o Governo está a alertar as empresas automóveis estrangeiras que irá tomar medidas para reduzir a sua quota de mercado, caso estas não se conformem.

 

Melhorar a qualidade de vida também requer um reforço na qualidade dos produtos que os consumidores chineses podem comprar. Um ministro do Governo salientou no CDF que os cerca de um milhão de turistas chineses que viajaram para o exterior no último ano usaram os seus cartões de crédito para comprar cerca de mil milhões de dólares em bens que não podem obter em casa - embora salientasse a ironia de que alguns desses produtos de marcas europeias e norte-americanas são, na verdade, fabricados na China.

 

A China é ainda um país de baixos rendimentos, com um PIB per capita de apenas 14 mil dólares, cerca de um quarto do registado nos Estados Unidos. Embora Pequim e Xangai sejam relativamente prósperos, ainda há muita pobreza. É revelador que para atingir a meta do Plano a Cinco Anos de eliminar a pobreza até 2020, o que exige a redução em 55 milhões do número de pessoas pobres, a linha de pobreza seja definida em apenas 354 dólares por ano, ou menos de um dólar por dia.

 

O elevado nível de endividamento das empresas chinesas pode ser uma fonte de instabilidade financeira, embora vários responsáveis tenham salientado que não estavam preocupados. Os dados do Governo mostram que a proporção de empréstimos bancários face ao PIB é cerca de duas vezes superior à dos Estados Unidos. Mais preocupante, a proporção de crédito malparado poderá ser gravemente elevada.

 

Mas mesmo se essa proporção for maior do que as estatísticas oficiais indicam, o problema do mau crédito na China é muito diferente do registado no Ocidente. As empresas chinesas mais endividadas são do Estado e os seus credores são bancos estatais. Neste sentido, solucionar as dívidas incobráveis implicaria transferir as perdas dos bancos estatais para o Governo. E porque a dívida do Governo é relativamente baixa - cerca de 17% do PIB - não seria difícil absorver essas perdas. Caso fosse necessário, poderia também lidar com o elevado endividamento no qual os governos locais incorreram em 2008 e 2009, incentivados pelas autoridades centrais

 

O que não foi discutido no CDF é o enorme combate à corrupção de alto nível que o Presidente Xi Jinping está a levar a cabo e que muitos dizem estar a obstruir o processo de decisão económica, bem como a atrasar o crescimento do PIB. Nem houve qualquer discussão em torno da preocupação generalizada sobre uma mudança ideológica à esquerda, que poderia ameaçar os direitos de propriedade, levando à fuga de capitais por indivíduos que procuram proteger a sua riqueza.

 

Mas enquanto a China continua a ser um complicado quebra-cabeças, as autoridades estão claramente à procura de reformas pró-mercado, destinadas a produzir um crescimento real anual de 6,5% ou mais, durante os próximos cinco anos, levando à duplicação do rendimento per capita até 2020, ao qual o Partido Comunista Chinês apelou em 2010. Se esse objectivo não for atingido, não será por falta de esforço por parte do governo chinês.

 

Martin Feldstein, professor de Economia na Universidade de Harvard e presidente emérito do National Bureau of Economic Research, presidiu ao Council of Economic Advisers do Presidente Ronald Reagan entre 1982 e 1984.

Direitos de Autor: Project Syndicate, 2016.
www.project-syndicate.org
Tradução: André Tanque Jesus

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