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02 de Fevereiro de 2016 às 21:00

A resposta à polarização política da Europa

Os eleitores estão cada vez mais insatisfeitos com os partidos tradicionais e estão dispostos a dar uma hipótese àqueles que propõem alternativas radicais. Estão a dar apoio aos partidos que, embora muito diferentes uns dos outros, culpam a União Europeia pelo estado lastimável das economias.

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Na Europa, 2015 começou com a vitória eleitoral do partido de extrema-esquerda Syriza na Grécia. Terminou com mais três eleições que atestaram a crescente polarização política. Em Portugal, o Partido Socialista formou uma aliança com os seus antigos arqui-inimigos, os comunistas. Na Polónia, o partido nacionalista Lei e Justiça (PiS) conquistou apoio suficiente para governar sozinho. E em Espanha, o surgimento do Podemos, outro novo partido de esquerda, pôs fim à tradicional hegemonia do PSOE no centro-esquerda e do Partido Popular no centro-direita. (Em França, por outro lado, a Frente Nacional de extrema-direita, liderada por Marine Le Pen, mostrou a sua força na primeira volta das eleições regionais de Dezembro.)

 

A mensagem é clara: os eleitores estão cada vez mais insatisfeitos com os partidos tradicionais e estão dispostos a dar uma hipótese àqueles que propõem alternativas radicais. Estão a dar apoio aos partidos que, embora muito diferentes uns dos outros, culpam a União Europeia pelo estado lastimável das economias e dos mercados de trabalho dos seus países.

 

Actualmente, a radicalização não se limita à Europa. Como argumentei noutra ocasião, o candidato presidencial norte-americano Donald Trump deve a sua ascensão a muitos dos mesmos factores que estão a dar a Le Pen uma crescente popularidade. O que é particularmente problemático na UE é o choque entre a política radical e a governança convencional. 

 

Durante 30 anos, a maioria dos países da UE foi governada por partidos de centro-esquerda ou de centro-direita com uma visão amplamente partilhada da Europa. Apesar das suas divergências políticas, representavam, em conjunto, o consenso ideológico - e formaram a coligação política - que construiu o mercado único, o euro, e a UE alargada.

 

Mas muitos eleitores sentem agora que as políticas tradicionais falharam. Os governos revelaram-se incapazes de proteger os trabalhadores não qualificados e semiqualificados das consequências da globalização e da evolução tecnológica. O ensino generalizado, a tributação progressiva e os benefícios sociais não impediram o aumento da desigualdade. E o euro não foi capaz de gerar prosperidade e estabilidade. Aqueles que (como eu) pensam que os erros políticos específicos e as falhas institucionais são mais culpadas do que a integração europeia em si estão a ser abafados.

 

Nas democracias, é natural que se produzam realinhamentos políticos; na verdade, as instituições democráticas são desenhadas de forma a torná-las possíveis. Geralmente, a constituição não muda, ou muda lentamente, enquanto um novo partido ou coligação redefine a agenda política e reforma a legislação. Esta combinação de rigidez e plasticidade permite que os regimes democráticos se adaptem às mudanças nas preferências dos cidadãos.

 

No entanto, o mesmo não se aplica à Europa. Em primeiro lugar, a mudança política não está sincronizada. Num determinado momento, alguns países podem ter escolhido partidos radicais, enquanto outros não (ou simplesmente não realizaram eleições). Este choque de legitimidade foi o que o Governo grego não entendeu na Primavera passada, quando procurou aliviar as medidas de austeridade: o Syriza tinha recebido um mandato para a mudança por parte dos eleitores gregos, mas os representantes de outros países não haviam recebido um mandato desse tipo.

 

Em segundo lugar, ao contrário das democracias nacionais, a UE não obtém a sua legitimidade do processo através do qual as escolhas políticas são feitas, mas principalmente do seu resultado. Isso não quer dizer que não haja nenhum processo democrático: o Parlamento Europeu eleito é um órgão legislativo sério, e o seu exame rigoroso aos comissários europeus é muitas vezes mais profundo do que a selecção de pessoal a nível nacional. Mas não tem visibilidade, porque as grandes decisões são negociadas entre os governos nacionais.

 

Em terceiro lugar, a fronteira entre as questões constitucionais e legislativas é peculiar na UE. Todas as disposições dos tratados têm um estatuto constitucional; na verdade, só podem ser alteradas por acordo unânime. Além disso, como os governos não confiam uns nos outros, insistiram em incluir nos tratados o que normalmente faria parte da legislação ordinária. As muitas regras que governam a vida económica na UE são, por isso, muito mais difíceis de emendar do que qualquer disposição nacional semelhante. Por outras palavras, a margem de redefinição das regras é extremamente estreita, mesmo que elas reflictam um consenso político que já não seja amplamente compartilhado.

 

Que opções isto deixa à UE para responder à polarização política e às exigências concomitantes de mais margem de manobra política a nível nacional? Claro, a UE poderia simplesmente ignorar essas mudanças, e esperar que o radicalismo desapareça assim que os seus protagonistas sejam confrontados com a responsabilidade de governar. Mas isso seria uma tolice. O Syriza foi forçado a aceitar escolhas difíceis porque a Grécia depende de ajuda financeira externa. Nenhum outro país está na mesma situação. Ignorar as exigências de mudança acabaria por aprofundar a hostilidade popular.

 

Outra possibilidade seria explorar, numa base ad hoc, a flexibilidade existente nas disposições dos tratados da UE. O pragmatismo pode realmente ser útil, e a Comissão Europeia liderada por Jean-Claude Juncker está disposta a abraçá-lo. Mas seria perigoso transformar o quadro da UE num emaranhado de negociações políticas específicas de cada país. Aqueles para quem o Estado de Direito e o cumprimento dos princípios fundamentais são assuntos sérios - não apenas a Alemanha – colocariam logo objecções.

 

A última solução seria tornar a UE mais favorável à mudança política. Isso exigiria mudar explicitamente o equilíbrio entre as questões constitucionais e legislativas, de modo que os princípios fossem preservados, mas as políticas pudessem ser sensíveis à política. Além disso, a UE deveria poder legislar sobre uma ampla gama de políticas, incluindo, por exemplo, a tributação. Isso acabaria com a sua estranha impotência - e aparente indiferença - perante a desigualdade.

 

Ao mesmo tempo, devia ser dada uma maior visibilidade ao Parlamento Europeu, como num sistema verdadeiramente federal, de modo que os governos, a nível nacional e europeu, fossem percepcionados como igualmente legítimos. Com uma federalização deste tipo na UE ou, mais provavelmente, na Zona Euro (dentro da qual o grau de integração é maior), os conflitos políticos colocariam os governos nacionais em oposição não a um sistema opaco, mas a uma instituição federal politicamente legítima.

 

Esta abordagem enfrenta grandes obstáculos. No início dos anos 2000, fez-se uma tentativa de redigir uma constituição para a União Europeia. Fracassou. A Alemanha e outros países onde as políticas convencionais ainda têm um grande apoio opor-se-iam veementemente a qualquer suavização das regras e princípios comuns. Vai ser difícil, para dizer o mínimo, acordar competências adicionais e um Parlamento Europeu mais forte numa altura em que muitos na Europa, a começar pelos radicais, consideram que a UE é a principal culpada pelos seus problemas. No entanto, a construção de uma democracia transnacional é, em última análise, a resposta mais viável para a polarização política na Europa.

Jean Pisani-Ferry é professor na Hertie School of Governance em Berlim, e trabalha actualmente como comissário geral do planeamento político do Governo francês.

 

Copyright: Project Syndicate, 2015. 
www.project-syndicate.org 
Tradução: Rita Faria

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