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10 de Dezembro de 2014 às 11:37

A Europa debate-se com a dívida

O primeiro-ministro francês Manuel Valls e o seu congénere italiano, Matteo Renzi, declararam – ou pelo menos insinuaram – que não irão cumprir as regras do pacto orçamental com que todos os membros da Zona Euro se comprometeram em 2012; em vez disso, tencionam contrair nova dívida. Esta postura releva a decisiva falha na estrutura da União Monetária Europeia – que os líderes europeus têm de reconhecer e enfrentar antes que seja demasiado tarde.

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O pacto orçamental – formalmente designado de Tratado de Estabilidade, Coordenação e Governança da União Económica e Monetária – foi o 'qui pro quo' da Alemanha para aprovar o Mecanismo Europeu de Estabilidade (MEE), que é, essencialmente, um pacote colectivo de resgate. O pacto estabelece um limite máximo rigoroso para o défice estrutural do orçamento de um país e estipula que o rácio de dívida pública que exceda os 60% do PIB deve ser reduzido anualmente em um vigésimo da diferença entre o rácio actual e o objectivo.

 

Ainda assim, o rácio entre a dívida e o PIB de França vai subir até aos 96% no final do ano, face aos 91% em 2012, enquanto em Itália vai atingir os 135% do PIB, acima dos 127% registados em 2012. A efectiva renúncia ao pacto orçamental por Valls e Renzi sugere que estes rácios vão aumentar ainda mais nos anos vindouros.

 

Neste contexto, os líderes da Zona Euro têm de colocar a si próprios difíceis questões acerca da sustentabilidade do actual sistema de gestão da dívida na União Económica e Monetária. Devem começar por considerar os dois modelos possíveis para assegurar a sustentabilidade e estabilidade da dívida numa união monetária: o modelo da mutualização e o modelo da responsabilidade.

 

Até agora a Europa esbarrou no modelo da mutualização, em que a dívida individual dos Estados é assegurada por um banco central comum ou pelo sistema de resgate orçamental, garantindo segurança aos investidores e eliminando, em grande medida, as diferenças dos spreads das taxas de juro das dívidas, independentemente dos seus níveis de endividamento. Por forma a prevenir que a redução artificial das taxas de juro encoraje os países a contrair dívida de forma excessiva, instituem-se travões políticos à dívida.

 

Na Zona Euro, a mutualização foi alcançada através de resgates generosos do MEE e de um Credit Target2 de cerca de 1 bilião de euros baseado na impressão de dinheiro para os países atingidos pela crise. Além disso, o Banco Central Europeu (BCE) comprometeu-se, de forma gratuita, a proteger estes países do "default" ao longo do programa "outright monetary transactions" (OMT) – ou seja, garantindo que comprará dívida soberana nos mercados secundários – que funciona mais ou menos como funcionariam os Eurobonds. O suposto endurecimento do tecto da dívida em 2012 fazia referência a este modelo.

 

A alternativa – o modelo de responsabilidade – exige que cada Estado assuma responsabilidade pela suas próprias dívidas, com os seus credores a assumirem os custos de um default. Perante tal risco, os credores exigem, logo à partida, taxas de juro mais elevadas ou recusam-se a conceder crédito adicional, impondo assim uma forma de disciplina aos devedores.

 

O melhor exemplo do modelo da responsabilidade são os Estados Unidos. Quando Estados norte-americanos como a Califórnia, Ilinois ou o Minnesota se encontram em dificuldades orçamentais, ninguém espera que os outros Estados ou o governo federal os vá resgatar, muito menos que a Reserva Federal (Fed) garanta ou compre as suas obrigações de dívida.

 

Na verdade, a Fed, contrariamente ao BCE, não compra nenhum tipo de obrigações de Estados individuais; os investidores têm de suportar os custos da insolvência de um qualquer Estado. Em 1975, Nova Iorque teve que comprometer as futuras receitas fiscais para os seus credores de forma a não entrar em insolvência.

 

Claro está que os Estados Unidos não foram sempre tão rigorosos. Pouco depois da sua fundação, tentaram a via da mutualização da dívida com Alexander Hamilton, primeiro secretário do Tesouro dos Estados Unidos, descrevendo o esquema em 1791 como o "cimento" para uma nova federação Americana.

 

Porém, como se viu depois, o modelo da mutualização – utilizado novamente em 1813 durante a segunda guerra contra o Reino Unido – alimentou uma bolha de crédito que viria a colapsar em 1837 levando nove dos 29 estados e territórios norte-americanos a entrar em bancarrota. O problema por resolver da dívida exacerbaria tensões sobre a questão da escravatura, espoletando a Guerra Civil em 1861.

 

Neste sentido, tal como notou o historiador Harold James, a mutualização acabou por se transformar em dinamite, e não em cimento, para a nova federação dos Estados Unidos. Só depois da Guerra Civil é que os Estados Unidos decidiram operar a federação de acordo com o modelo da responsabilidade – uma abordagem que desde então garantiu estabilidade e limitou os níveis de endividamento dos estados.

 

Para os líderes europeus, o abandono da França e da Itália relativamente ao pacto orçamental deveria servir como um claro sinal de que o modelo da mutualização também não está a funcionar na Zona Euro. Seguindo o exemplo da Fed, o BCE deveria abolir o programa OMT – que, de qualquer forma, segundo o Tribunal Constitucional alemão, não cumpre os tratados da UE.

 

Além do mais, o BCE devia reintroduzir a exigência que indica que as dívidas TARGET2 sejam reembolsadas em ouro, como ocorreu nos Estados Unidos, antes de 1975, para liquidar os saldos entre os distritos do Sistema da Reserva Federal. Talvez até mesmo o próprio pacto orçamental deveria ser reconsiderado.

 

Tais medidas serviriam para mostrar aos investidores que eles não podem esperar ser salvos pela impressão de notas em tempos de crise, o que os levaria a exigir taxas de juro mais elevadas ou, por outro lado, dissuadi-los, em primeiro lugar, de conceder crédito. Isto levaria a uma maior disciplina entre os endividados países da Zona Euro e salvaria a Europa de uma avalanche de dívida que poderia, em última instância, levar estados actualmente solventes à bancarrota e à consequente destruição do projecto de integração europeu. 

 

Hans-Werner Sinn, professor de Economia e Finanças Públicas na Universidade de Munique, presidente do Instituto Ifo para a Investigação Económica e colabora no Conselho Consultivo do Ministério da Economia alemão. É autor, mais recentemente, do livro "The Euro Trap: On Bursting Bubbles, Budgets and Bliefs".

 

Direitos de Autor: Project Syndicate, 2014.
www.project-syndicate.org 

Tradução: David Santiago

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