Outros sites Medialivre
Notícias em Destaque
Opinião
23 de Setembro de 2013 às 03:31

Uma outra política de investimento no Afeganistão

A situação política e a segurança do Afeganistão continuam marcadas pela incerteza, decorrente da retirada das tropas dos Estados Unidos e da NATO do terreno, da próxima eleição presidencial e das negociações para o processo de paz com os talibãs. Reconhecendo que a continuada insegurança económica vai agravar esta perigosa situação, o governo anunciou um novo pacote de incentivos económicos, destinados a atrair o investimento directo estrangeiro.

  • 2
  • ...

O pacote inclui a concessão de terra a empresários industriais a preços drasticamente reduzidos, isenções fiscais de até sete anos para proprietários fabris e empréstimos até dez anos a baixos juros para os agricultores. Estes incentivos são direccionados aos investidores estrangeiros e à elite local, com o intuito de parar ou mesmo reverter a fuga de capitais. Mas, em última análise, as novas medidas correspondem a mais do mesmo: uma estratégia política fragmentada que se revelará inapropriada para resolver os problemas económicos fundamentais do Afeganistão.

 

Nas primeiras etapas da transição pós-guerra, o investimento directo estrangeiro (IDE) aumentou rapidamente, passando de 1,2% do PIB em 2002 para um pico de 4,3% do PIB em 2005. A maioria destas entradas de capital estavam destinadas ao sector da construção e dos serviços - os principais motores de crescimento do PIB – e tiveram como objectivo satisfazer a procura internacional, tanto civil como militar.

 

Mas, entre 2006 e 2007, os níveis do IDE começaram a cair, devido a uma forte deterioração das condições de segurança, à contínua falta de energia eléctrica e de infra-estruturas adequadas, à falta de mão-de-obra qualificada, a sistemas legais e de regulamentação inadequados, a procedimentos burocráticos ineficientes e à necessidade anual de renovar as licenças das empresas. A expropriação de terras, a corrupção crónica, a impunidade, a incapacidade de cumprir contactos e a fragmentação e ineficácia da ajuda dissuadiu ainda mais os investidores domésticos e estrangeiros. Em consequência, o IDE decresceu substancialmente para menos de 0,5% do PIB ao ano entre 2011 e 2012.

 

Além disso, no esforço de desenvolver duas das maiores minas do mundo, a ganância dos investidores prevaleceu sobre as suas preocupações quanto à segurança e ao clima de negócios. Em 2007, a Corporação Metalúrgica da China ganhou a concessão para explorar o depósito de cobre de Aynak, na província de Logar. Em 2011, um grupo empresarial indiano ganhou a concessão de exploração do minério de ferro de Hajigak, na província de Bamyan. Mas, apesar dos preços multimilionários e das altas expectativas em torno destes projectos, os investimentos geraram escassos progressos, em grande parte devido a questões de segurança.

 

Pior ainda, o desalojamento dos habitantes das regiões mineiras, os baixos salários e os danos ambientais geraram um ressentimento nas comunidades locais, ressentimento este que tende a crescer no futuro. Contas feitas, a concessão de recursos minerais a estrangeiros reduz – e pode mesmo anular – os benefícios para a população local.

 

Actualmente, a economia do Afeganistão é um castelo de cartas. Os níveis de ajuda são comparáveis ao PIB, com os credores a cobrirem cerca de dois terços dos gastos do governo e do défice das contas correntes, que corresponde a 40% do PIB. Mas a ajuda está a diminuir e é expectável uma redução acentuada depois de 2014.

 

Em vez de continuar a adoptar medidas fragmentadas, como as que acaba de aprovar, o governo necessita de implementar uma estratégia integrada e direccionada para reactivar o investimento, o emprego e o comércio. Na verdade, uma mudança drástica na política é essencial para evitar o colapso económico.

 

Para reduzir os riscos associados ao investimento no Afeganistão, o governo deve criar um sistema que beneficie as comunidades locais mas também os investidores estrangeiros. Este sistema pode ser alcançado através de uma estratégia baseada em duas “zonas de reconstrução” diferentes, mas ao mesmo tempo benéficas: uma zona orientada para as exportações (ERZ, na sigla inglesa) e uma zona de produção local (LRZ, sigla em inglês).

 

A ERZ, focada exclusivamente na produção de bens para exportação, ofereceria incentivos fiscais, infra-estruturas e serviços básicos, segurança e um quadro jurídico estável para os investidores. Em troca, os investidores comprometer-se-iam a dar formação aos trabalhadores locais, a criar postos de trabalho através da compra de serviços e componentes locais, melhorar as práticas das empresas e os padrões dos fornecedores locais, facilitar a transferência de tecnologia e criar parcerias com escolas técnicas e universidades locais.

 

A LRZ deveria permitir aos habitantes locais melhorar as suas condições de vida através da produção de bens agrícolas, da oferta eficiente de serviços e da indústria leve. Este sistema ajudaria também a reforçar a igualdade de géneros, proporcionando a equidade de condições para todos os afegãos em termos de segurança, serviços sociais, infra-estruturas, crédito e produtos para a agricultura (como sementes, fertilizantes e maquinaria agrícola). Além disso, este sistema iria aumentar a oferta de alimentos e reduzir a dependência exorbitante do Afeganistão das importações.

 

Ao centrar-se no investimento dos estrangeiros e das elites nacionais, o Afeganistão está a perder o vasto potencial dos microempresários e das pequenas empresas na hora de contribuir para o crescimento constante do PIB. Alcançar a paz e a estabilidade a longo prazo será impossível sem estes requisitos.

 

Graciana del Castillo é autora de “Rebuilding War-Torn States” e de “Guilty Party: The International Community in Afghanistan” (obra a publicar).

 

Direitos de autor: Project Syndicate

Tradução de Inês Balreira

Ver comentários
Mais artigos de Opinião
Ver mais
Outras Notícias
Publicidade
C•Studio