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Turquia, uma bomba-relógio nos mercados emergentes

Apesar da retórica inflamada, Erdogan pode perceber rapidamente que tem poucas opções a não ser abandonar as suas políticas isolacionistas e hostis dos últimos anos. Se o fizer, muitos investidores vão olhar para trás no próximo ano e lamentar-se por não terem comprado algumas liras quando tiveram oportunidade.

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A queda da moeda da Turquia e a deterioração das condições financeiras do país dão credibilidade, pelo menos para algumas pessoas, à ideia de que "uma crise é uma coisa terrível de se desperdiçar". Suspeito que muitos políticos ocidentais, em particular, não estão totalmente insatisfeitos com a situação da Turquia.

 

Para os observadores económicos veteranos, os problemas da Turquia são quase um caso paradigmático de um fracasso dos mercados emergentes. Afinal de contas, estamos em Agosto, e se recuarmos à década de 1990, não se passava um ano sem algum tipo de crise financeira surgir no pico do verão.

 

Indo mais directo ao ponto, a Turquia tem um grande e persistente défice da balança corrente e um líder beligerante que não percebe - ou se recusa a reconhecer - que as suas políticas económicas populistas são insustentáveis. Além disso, a Turquia tornou-se cada vez mais dependente de investidores estrangeiros (e provavelmente também de alguns investidores ricos do país).

 

Tendo em conta estes factores, há muito que os mercados presumiam que a Turquia estava a encaminhar-se para uma crise cambial. Na verdade, essas preocupações já eram generalizadas no Outono de 2013, quando eu estava em Istambul a entrevistar líderes empresariais e financeiros para uma série da BBC Radio sobre economias emergentes. Naquela época, os mercados estavam a começar a recear que a normalização da política monetária e o fim do alívio quantitativo nos Estados Unidos teriam consequências terríveis em todo o mundo. A lira turca tem flirtado com o desastre desde então.

 

Agora que a crise surgiu, é a população da Turquia que terá de suportar o impacto. O país deve apertar drasticamente a sua política monetária, reduzir os empréstimos estrangeiros e preparar-se para a possibilidade de uma recessão económica, durante a qual a poupança interna terá de ser lentamente reconstruída.

 

A liderança do presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, vai complicar as coisas e, ao mesmo tempo, dar alguma vantagem à Turquia. Erdogan tem vindo constantemente a assumir poderes constitucionais, reduzindo os do parlamento e minando a independência da política monetária e orçamental. E, pior ainda, parece estar a divertir-se com a crescente disputa com a administração do presidente Donald Trump, em torno da detenção de um pastor americano pela Turquia e da compra de um sistema de defesa antimísseis russo S-400.

 

Esta é uma situação perigosa para o líder de uma economia emergente, especialmente quando os próprios Estados Unidos embarcaram numa expansão orçamental ao estilo de Ronald Reagan que levou a Reserva Federal dos EUA a subir os juros de forma mais rápida do que teria feito se não fosse isso. Dada a improbabilidade de surgir alguma fonte externa de financiamento, Erdogan acabará por ter de recuar em algumas das suas políticas pouco ortodoxas. O meu palpite é que assistiremos a um regresso a uma política monetária mais convencional e, possivelmente, a um novo enquadramento da política orçamental.

 

Quanto às vantagens da Turquia na crise actual, vale a pena lembrar que o país tem uma população grande e jovem e, por isso mesmo, o potencial para se tornar uma economia muito maior no futuro. O país também tem uma posição geográfica privilegiada na encruzilhada entre a Europa, Médio Oriente e Ásia Central, o que significa que muitos dos principais actores têm interesse em garantir a sua estabilidade. De facto, muitos europeus ainda mantêm a esperança de que a Turquia abraçará o capitalismo ao estilo ocidental, apesar dos danos que Erdogan impôs à candidatura do país à União Europeia.

 

Entre os poderes regionais, a Rússia é por vezes mencionada como uma potencial salvadora para a Turquia. Não há dúvida de que o presidente russo, Vladimir Putin, adoraria usar a crise da Turquia para afastá-la ainda mais dos seus aliados da NATO. Mas Erdogan e os seus conselheiros estariam profundamente enganados ao pensar que a Rússia pode preencher o vazio financeiro da Turquia. Uma intervenção do Kremlin faria pouco pela Turquia e provavelmente exacerbaria os próprios desafios financeiros e económicos da Rússia.

 

Os outros dois patronos potenciais são o Qatar e, claro, a China. Mas ainda que o Qatar, um dos aliados mais próximos da Turquia no Golfo Pérsico, pudesse ajudar em termos financeiros, não teria forma de tirar a Turquia da crise sozinho.

 

Quanto à China, embora não queira desperdiçar a oportunidade de aumentar a sua influência em relação à Turquia, não faz o género do país entrar numa situação tão volátil, e muito menos assumir a responsabilidade pela solução do problema. O resultado mais provável - como estamos a ver na Grécia - é a China levar as suas empresas a procurarem oportunidades de investimento depois de a poeira assentar.

 

Isso significa que a salvação económica da Turquia está nos seus aliados ocidentais convencionais: os EUA e a UE (particularmente França e a Alemanha). A 13 de Agosto, um porta-voz da Casa Branca confirmou que a administração Trump está a acompanhar a resposta dos mercados financeiros à crise da Turquia "muito de perto". A última coisa que Trump quer é uma economia mundial em ruínas e uma forte subida do dólar, que poderiam fazer descarrilar as suas ambições económicas internas. Portanto, Erdogan terá à sua disposição um acordo ao estilo de Trump se estiver disposto a sentar-se à mesa das negociações.

 

Da mesma forma, alguns dos maiores e mais frágeis bancos da Europa têm uma exposição significativa à Turquia. Juntemos isso à actual crise política em torno da migração e temos a receita perfeita para uma desestabilização mais profunda dentro da UE. Eu, pela minha parte, não consigo imaginar os líderes europeus sentados, sem fazer nada, enquanto a Turquia implode junto às suas fronteiras.

 

Apesar da retórica inflamada, Erdogan pode perceber rapidamente que tem poucas opções a não ser abandonar as suas políticas isolacionistas e hostis dos últimos anos. Se o fizer, muitos investidores vão olhar para trás no próximo ano e lamentar-se por não terem comprado algumas liras quando tiveram oportunidade.

 

Jim O’Neill, antigo chairman do Goldman Sachs Asset Management e ex-ministro das Finanças do Reino Unido, é presidente da Chatham House.

 

Copyright: Project Syndicate, 2018.
www.project-syndicate.org
Tradução: Rita Faria

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