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06 de Março de 2015 às 19:00

Serão os campeões nacionais verdadeiros vencedores?

A indústria está, uma vez mais, no topo da agenda de negócios da Europa. O antigo comissário para a indústria da União Europeia, Antonio Tajani - que foi substituído recentemente por Elzbieta Bienkowska - definiu a meta de aumentar a percentagem da indústria no PIB de pouco mais de 15% em 2012 para 20% em 2020. Mas se os Estados-membros querem atingir este objectivo, têm de repensar as actuais abordagens políticas dentro da UE. Qualquer política industrial moderna deve envolver mais do que a simples escolha de vencedores.

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Os governos da UE têm estratégias diferentes, e muitas vezes contraditórias, para o sector industrial. A Alemanha está a apostar na criação de um quadro competitivo que permita aos "campeões escondidos" emergirem como líderes globais. A França, por outro lado, quer criar campeões nacionais, seleccionando sectores específicos para prestar um apoio especial; o seu governo descreveu recentemente os planos para adquirir uma participação na Peugeot como um acto de "patriotismo industrial".

 

No entanto, a experiência do passado sugere que a abordagem francesa não vai resultar. Como sinaliza um relatório da Comissão de Monopólios da Alemanha, realizado em 2004, "o entusiasmo francês por pronunciamentos sobre política industrial e a admiração da comunicação social pelo activismo dos ministros responsáveis são desproporcionados com o sucesso desta política".   

 

Os governos da UE, apesar das privatizações no sector da indústria desde a década de 1980, continuam a olhar com carinho para as suas políticas industriais - a produção do Airbus é um caso exemplar. Geralmente, o apoio industrial é justificado com o argumento de que os monopólios e duopólios privados distorcem os mercados - porém, tendo conduzido a McDonnell-Douglas para fora do mercado, a Airbus e a Boeing deixaram a estrutura de mercado global inalterada.

 

Os campeões nacionais pelo menos repatriam os benefícios dos monopólios; mas, mais uma vez, como aponta a Comissão de Monopólios da Alemanha, a Airbus "só poderia ser considerada como uma história de sucesso se eventuais ganhos fizessem os subsídios parecerem um investimento rentável." Há poucas hipóteses de isso vir a acontecer em breve.

 

Esta experiência pode ressaltar a importância de limitar a intervenção do Estado nos mercados ao mínimo necessário. No entanto, dois acontecimentos decorrentes da crise económica e financeira mundial de 2008-2009 desafiaram o pensamento baseado no mercado na União Europeia. Em primeiro lugar, estudos mostram que os rendimentos per capita da UE, que haviam sido convergentes ao longo das últimas seis décadas, são agora divergentes. É necessário fazer alguma coisa para reverter essa situação. Em segundo lugar, a disposição dos responsáveis políticos em todo o mundo para concordarem com a uniformização das normas de concorrência tem diminuído; de facto, alguns governos - acreditando que têm de cuidar de si próprios - estão a usar a política de concorrência como um instrumento de política industrial.

 

Além disso, no rescaldo da crise financeira, os responsáveis políticos da União Europeia têm ignorado regulamentos destinados a restringir a intervenção do Estado. E fizeram isso com algum sucesso. Por exemplo, os incentivos à troca de carro reforçaram a indústria automóvel. Já a redução do horário de trabalho evitou que as empresa em dificuldades fossem obrigadas a despedir trabalhadores.

 

Ao mesmo tempo, os apoios do Estado são por vezes necessários numa base contínua. Consideremos, por exemplo, a relação entre um hub da aviação nacional e a companhia aérea de bandeira de um país. O aeroporto de Frankfurt, embora de propriedade privada e dedicado às suas próprias actividades de negócios internacionais, também é uma parte essencial da infra-estrutura pública da Alemanha. O seu potencial comercial não pode ser dissociado do sucesso da transportadora nacional nem vice-versa. Isso requer algum nível de envolvimento do Estado. Os governos e as companhias de bandeira no Oriente Médio distorcem as leis da concorrência a fim de estabelecer hubs que garantem ligações directas vitais para o país.

 

Questões semelhantes podem ser aplicadas à infra-estrutura financeira de um país. O risco excessivo assumido por muitos bancos "demasiado grandes para falir" nosanos anteriores à crise de 2008 provocaram pedidos compreensivelmente irritados de reforma. Mas os legisladores e reguladores também reconheceram a importância estratégica de ter instituições financeiras fortes, ancoradas a nível nacional. A recapitalização obrigatória de grandes bancos norte-americanos dentro do "Troubled Asset Relief Program (TARP)", por exemplo, provou ser a pedra angular da sua nova força. Apesar da resistência popular em gastar dinheiro público dessa maneira, ninguém sairia a ganhar se a indústria local perdesse a sua infra-estrutura de financiamento.

 

Mas se muitas vezes a intervenção estratégica do Estado é válida, isso não deve levar a política industrial europeia no sentido da nacionalização ou proteccionismo. A indústria europeia não pode ignorar os enormes benefícios de um mercado global aberto. Embora a proporção de bens intermediários importados nas exportações da indústria alemã tenha subido de cerca de 19% para 30% desde 1995, a globalização das cadeias de valor durante este período melhorou a competitividade e aumentou drasticamente o valor da produção.

 

Mais importante ainda, a indústria não só influencia a estrutura das cadeias de valor, como também gera um valor significativo no sector de serviços.

 

O futuro do sector industrial da Europa poderá passar por uma maior integração dos serviços na indústria transformadora, pela criação de redes de conhecimento mais amplas e pela inovação. Os responsáveis políticos da Europa podem apoiar este processo incentivando diferentes formas de cooperação empresarial, e através da abertura de oportunidades de investimento através de redes de infraestrutura pan-europeia e maior cooperação científica.

 

Os apoios aos campeões nacionais poderiam, então, ser retirados da agenda.

 

Michael Hüther é director do Instituto de Pesquisa Económica de Colónia.  

 

Direitos de Autor: Project Syndicate, 2015.
www.project-syndicate.org

Tradução: Rita Faria

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