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Profunda descarbonização

Analisemos o que aconteceu em todo o mundo em Fevereiro passado. A Austrália fez manchetes quando as temperaturas, que atingiram os 45º C, perturbaram o Open de Ténis. A extrema seca na Califórnia obrigou o governador daquele Estado norte-americano a declarar estado de emergência. As fortes inundações na Indonésia mataram dezenas de pessoas e deslocalizaram dezenas de milhares. A poluição do ar, devido ao carvão, em Pequim, obrigou as pessoas a ficarem em casa, encerrou auto-estradas e fez desviar voos. Estes acontecimentos são advertências diárias ao mundo: acordem antes que seja demasiado tarde.

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Entrámos na Era do Desenvolvimento Sustentável. Ou fazemos as pazes com o planeta, ou destruímos a nossa prosperidade, que tanto nos custou a alcançar. A escolha parece óbvia, mas as nossas acções falam mais alto do que as palavras. A humanidade continua na via da ruína, motivada pela ignorância e ganância de curto prazo.

 

Grande parte (mas não toda) da crise ambiental que se vive em todo o mundo decorre do recurso a um sistema energético baseado nos combustíveis fósseis. Mais de 80% de toda a energia primária mundial provém do carvão, petróleo e gás. Quando esses combustíveis fósseis são queimados, emitem dióxido de carbono, que por sua vez altera o clima do planeta. Estes dados básicos da física são conhecidos há mais de um século.

 

Lamentavelmente, algumas empresas petrolíferas (a ExxonMobil e a Koch Industries são as mais notórias) consagraram vastos recursos a semear a confusão, mesmo quando existe um claro consenso científico. Mas, com vista a salvar o planeta que conhecemos, e a preservar o fornecimento mundial de alimentos e o bem-estar das gerações futuras, não há alternativa à transição para um novo sistema energético, baixo em emissões de carbono.

 

Existem três partes nesta transição. A primeira é a melhoria da eficiência energética, o que significa que devemos usar muito menos energia para alcançarmos o mesmo nível de bem-estar. A título de exemplo, podemos conceber os nossos edifícios de modo a usarem a luz natural e a circulação natural do ar, de modo a que precisem de muito menos energia comercial para o aquecimento, arrefecimento e ventilação.

 

Em segundo lugar, temos de transitar para a energia solar, eólica, hídrica, nuclear e geotérmica, bem como para outras formas de energia que não se baseie em combustíveis fósseis. Existe tecnologia para usarmos essas alternativas de forma segura, acessível em termos de preço e a uma escala suficientemente grande para substituir praticamente todo o carvão e petróleo que utilizamos actualmente. Só o gás natural (o combustível fóssil mais ‘limpo’ durante a queima) é que continuará a ser uma importante fonte de energia em meados do presente século.

 

Por último, na medida em que continuarmos a recorrer aos combustíveis fósseis, deveremos capturar as emissões de CO2 produzidas pelas centrais eléctricas antes de escaparem para a atmosfera. O CO2 capturado seria depois injectado no subsolo ou sob a camada oceânica, para um seguro armazenamento de longo prazo. A captura e sequestro de carbono está já a ser realizada, com êxito, numa escala muito pequena (sobretudo para melhorar a recuperação de petróleo nos poços já esgotados). Se (e apenas se) acabar por se revelar bem sucedido para um uso em larga escala, os países dependentes do carvão, como a China, Índia e EUA, poderão continuar a recorrer às suas reservas.

 

Os políticos norte-americanos provaram ser incapazes de conceber políticas visando a transição dos Estados Unidos para a utilização de energia com baixas emissões de carbono. Essas medidas incluiriam um imposto progressivo sobre as emissões de CO2, um aumento das actividades de investigação e desenvolvimento em matéria de tecnologias com uma baixa emissão de carbono, uma transição para veículos eléctricos e regulação destinada à desactivação das centrais eléctricas alimentadas a carvão, excepto as que instalem a captura e sequestro de carbono.

 

No entanto, os políticos não estão a aplicar nenhuma destas medidas adequadamente. Os inimigos da teoria das alterações climáticas gastaram milhares de milhões de dólares a influenciarem os legisladores, a apoiarem campanhas eleitorais dos defensores dos combustíveis fósseis e a derrotarem candidatos que se atreviam a promover as energias limpas. O Partido Republicano no seu conjunto atrai bastante apoio financeiro dos opositores da descarbonização e esses doadores combatem agressivamente o mais pequeno passo em direcção à energia renovável. Por seu lado, muitos membros Democratas do Congresso norte-americano estão também do lado  defensor dos combustíveis fósseis.

 

Algumas grandes figuras da indústria energética, demonstrando não ter qualquer preocupação com a verdade (muito menos com os nossos filhos, que suportarão as consequências da nossa actual loucura), formaram uma aliança com Rupert Murdoch. Com efeito, Murdoch, os irmãos Koch e os seus aliados comportam-se tal como as grandes tabaqueiras ao negarem verdades científicas; até recorrem aos mesmos especialistas.

 

A situação é basicamente toda igual em todo o mundo. Onde os poderosos lobbies defendem os interesses existentes no carvão ou petróleo, os políticos tradicionalmente receiam dizer a verdade acerca da necessidade de energia com baixa emissão de carbono. Os políticos corajosos que dizem a verdade acerca das alterações climáticas encontram-se sobretudo em países onde não existe um poderoso lobby a favor dos combustíveis fósseis.

 

Analisemos o destino de uma corajosa excepção a esta regra. O ex-primeiro ministro australiano Kevin Rudd tentou implementar uma política de energia limpa no seu país produtor de carvão. Rudd foi derrotado na sua tentativa de reeleição por um candidato cujo apoio de uma aliança de Murdoch e empresas carboníferas lhe permitiu bater Rudd por uma larga margem. Os tablóides de Murdoch publicam propaganda anticientífica que se opõe a políticas de combate às alterações climáticas não só na Austrália mas também nos EUA e em muitas outras regiões.

 

A razão por que tudo isto importa é porque temos perante nós a via para uma profunda descarbonização. No entanto, o tempo é muito curto. O mundo tem de deixar de construir novas centrais eléctricas movidas a carvão (excepto aquelas que implementam a captura e sequestro de carbono) e transitar para a electricidade com baixa emissão de carbono. Tem de se desligar progressivamente os motores de combustão interna para quase todos os novos veículos de passageiros até ao ano 2030, substituindo-os por automóveis movidos a electricidade. E tem de se adoptar tecnologias de poupança de energia que consumam menos energia comercial. As tecnologias estão disponíveis e irão melhorando e ficando mais baratas com o uso, se os lobbies em prol dos combustíveis fósseis forem mantidos à distância.

 

Se isso acontecer, as pessoas de todo o mundo descobrirão algo maravilhoso. Não só terão salvo o planeta para a próxima geração, como também desfrutarão do sol e de ar limpo e saudável. E perguntar-se-ão por que demorou tanto tempo quando a própria Terra estava em grande risco.

 

Jeffrey D. Sachs é professor de Desenvolvimento Sustentável, de Política e Gestão da Saúde, e director do Earth Institute na Universidade de Columbia. É também assessor especial do secretário-geral das Nações Unidas para os Objectivos de Desenvolvimento do Milénio. 

 

Direitos de autor: Project Syndicate, 2014.
www.project-syndicate.org

Tradução: Carla Pedro

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