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Stephen Roach 18 de Julho de 2017 às 14:00

Outra lição do Japão

Ainda que a experiência do Japão desde o início da década de 1990 dê muitas lições, o resto do mundo falhou miseravelmente em prestar-lhes atenção.

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Está para se produzir uma nova surpresa, numa lista já longa de surpresas, em termos de inflação negativa. Nos Estados Unidos, o chamado IPC básico (índice de preços no consumidor) – que exclui a alimentação e a energia – baixou precisamente quando se pensava que ia subir. Durante o período de três meses que terminou em Maio, o IPC básico ficou praticamente inalterado, mantendo-se apenas 1,7% acima do valor registado no mesmo período do ano anterior. Para a economia norte-americana, que se presume que está próxima de alcançar o pleno emprego, isto é como um despertar abrupto – particularmente para a Reserva Federal, que retirou todos os entraves para que a inflação pudesse regressar à meta de 2%.

 

Do outro lado do mundo, uma história semelhante continua a desenrolar-se no Japão. Mas, para a economia japonesa, a deflação é uma história mais dura.

 

Durante o mês de Abril, o IPC do Japão estava relativamente estável face ao mesmo período do ano anterior, com um desfecho semelhante evidente em Maio na área metropolitana de Tóquio. Para o Banco do Japão, que usou um arsenal sem precedentes de armas políticas pouco convencionais para pôr fim a 19 anos de uma deflação de 16,5%, que durou de 1994 a 2013, isto é mais do que um despertar abrupto. É um embaraço que está muito próximo do fracasso.

 

Esta história tem um alcance mundial. Sim, há alguns casos extremos – como o Reino Unido, onde as actuais pressões e as distorções com as férias estão a impulsionar, de forma temporária, a inflação para os 2,4%, e a Malásia, onde a retirada dos subsídios aos combustíveis impulsionaram a inflação global, ainda que esta esteja estável e próxima dos 2,5%. Mas são excepções num mundo, em geral, sem inflação.

 

As últimas previsões do Fundo Monetário Internacional confirmam este cenário. Apesar do modesto crescimento económico mundial, a expectativa é que inflação nas economias desenvolvidas fique, em média, ligeiramente abaixo dos 2% em 2017-2018.

 

O primeiro capítulo desta história foi escrito há muitos anos no Japão. Desde a bolha dos activos e o excesso de alavancagem, à supressão monetária e às deficiências ao nível da produtividade, a experiência japonesa – com décadas perdidas a aproximarem-se agora de um quarto de século – é o exemplo de tudo o que pode correr mal nas economias grandes e ricas.

 

Mas nenhuma lição é tão profunda quanto aquela sobre uma série de erros políticos do Banco do Japão. A acomodação monetária imprudente não só abriu caminho para a queda do Japão; o banco central do país agravou este problema ao colocar as taxas de juro em zero (e mesmo mais baixas), abraçando o quantitative easing e manipulando as taxas de juro de longo prazo na esperança de animar a economia. Isto criou uma dependência pouco saudável da qual não há uma saída fácil.

 

Ainda que a experiência do Japão desde o início da década de 1990 dê muitas lições, o resto do mundo falhou miseravelmente em prestar-lhes atenção. Volumes foram escritos, inúmeras conferências foram realizadas e promessas foram feitas, como aquela do antigo presidente da Fed, Ben Bernanke, que prometeu nunca repetir os erros do Japão. Ainda assim, repetidamente, outros grandes bancos centrais – em especial a Fed e o Banco Central Europeu – foram rápidos a seguir o exemplo, o que teve igualmente consequências desastrosas.  

 

A surpresa da inflação em 2017 dá três noções essenciais. A primeira é o relacionamento entre a inflação e o abrandamento económico – chamado de curva de Philips – que terminou. Cortesia daquilo que Richard Baldwin, da Universidade de Genebra, chama de "segunda desagregação" da globalização, o mundo está inundado com o excesso de oferta e as cadeias mundiais de abastecimento estão cada vez mais fragmentadas. A subcontratação através destas cadeias de fornecimento expandiu de forma dramática a elasticidade da curva mundial da oferta, alterando fundamentalmente o conceito de abrandamento dos mercados de trabalho e dos produtos, bem como a pressão que tal abrandamento pode colocar na inflação.

 

Em segundo lugar, a globalização de hoje é inerentemente assimétrica. Por várias razões – consequências das recessões nas folhas de balanço no Japão e nos Estados Unidos, os receios desencadeados pela poupança na China e o consumo anémico numa Europa com uma produtividade limitada – o lado da procura continua a ser muito prejudicado na maioria das grandes economias.  Se se justapõe isto contra um cenário em que a oferta está sempre a expandir-se, o desequilíbrio resultante é inerentemente deflacionário.

 

Em terceiro lugar, os bancos centrais são incapazes de lidar com uma meta flutuante que pode ser chamada de armadilha de liquidez não estacionária. Esta armadilha foi primeiramente observada por John Maynard Keynes durante a Grande Depressão na década de 1930, e pode ser descrita por uma situação na qual as taxas de juro, tendo alcançado o limite de zero, não conseguem estimular a procura agregada cronicamente deficiente.

 

Soa familiar? A reviravolta nesta novela hoje é a curva da oferta mundial que está sempre a expandir-se. Isso faz com que hoje os bancos centrais estejam ainda mais impotentes do que estavam na década de 1930.

 

Isto não é uma doença sem cura. Num mundo de hiper-globalização – excepto a recaída proteccionista dos defensores da "América Primeiro" – o tratamento tem de estar focado no lado da procura. A lição mais importante da década de 1930, bem como da experiência moderna do Japão, é que a política monetária não dá respostas para uma procura agregada cronicamente deficiente. Abordá-la é a tarefa principal para as autoridades orçamentais. A ideia que os bancos centrais devem considerar fazer novas promessas para subirem as metas da inflação é pouco credível.

 

Entretanto, a presidente da Fed, Janet Yellen, está certa (finalmente) em impulsionar uma normalização da política da Fed, colocando um fim à experiência falhada que ultrapassou a sua utilidade. O perigo tem sido sempre que um alívio monetário pouco convencional não conseguisse gerar tracção na economia real e fosse injectar uma liquidez excessiva nos EUA e nos mercados financeiros mundiais, o que levaria a bolhas de activos, tomada de risco imprudente e à próxima crise. Além disso, e dado que o alívio monetário foi uma estratégia desenhada para uma emergência que já não existe, deixa a Fed sem munições para lutar contra a próxima e inevitável recessão e crise.

Ao ignorarmos a história corremos um grande perigo. A última desilusão em relação à meta da inflação dos bancos centrais não é uma surpresa. O mesmo é verdade para a queda relativa nas taxas de juro de longo prazo. Há muito a ganhar com o estudo cuidado das lições do Japão.

 

Stephen S. Roachmembro do corpo docente da Universidade de Yale e ex-presidente do Morgan Stanley na Ásia, é o autor de "Unbalanced: The Codependency of America and China".

Copyright: Project Syndicate, 2017.
www.project-syndicate.org
Tradução: Ana Laranjeiro

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