Opinião
O teste de "stress" da China em directo
A queda do mercado accionista na China, que justificou ondas de choque à volta do mundo, tem representado um teste de "stress" em tempo real para o país. Os pessimistas, que previam a quebra da economia chinesa, estão agora consumidos pelo regozijo.
Os optimistas sustentam que, não importa o quão violentas as oscilações do mercado accionista possam ser, a história do sucesso económico da China continua intacta. Mas, neste ponto, nenhum desfecho é certo.
Deve ser sublinhado, primeiro e acima de tudo, que a actual volatilidade, embora não necessariamente desejável, representa uma natural correcção do mercado. Antes de descer 30% desde o máximo de 5.166 pontos a 12 de Junho, o índice Shanghai Composite tinha disparado 150% em doze meses. Uma intervenção sem precedentes das autoridades – incluindo permitir que cerca de 1.300 empresas suspendessem a negociação – travou a queda e o índice fechou nos 4.159 pontos a 14 de Julho.
Embora o jogo das culpas esteja em curso, o livro de 1978 do historiador Charles Kindleberger Manias, Panics and Crashes, oferece a explicação perfeita para o que a China está a viver. A economia está a passar por um ciclo padrão de deslocamento, excesso de negociação, expansão monetária, descrédito e repulsa, tudo num espaço de menos de 12 meses.
O factor de deslocamento chinês foi a emergência da própria economia da Internet do país. Com o sucesso espectacular de empresas como a Alibaba, milhões de investidores chineses convenceram-se de que as acções de tecnológicas os tornariam ricos do dia para a noite.
A segunda e terceira fases – excesso de negociação e expansão monetária – estão interligadas. Tanto as correctoras licenciadas como as instituições financeiras não licenciadas ofereciam quantias crescentes de financiamento que impulsionaram e reforçaram subidas nos preços e nas receitas. (O governo começou a reprimir estes empréstimos em Abril.)
Além disso, para se ajustar a um crescimento mais lento do PIB, o banco central cortou a taxa de juro, comprometendo-se efectivamente na expansão monetária. Incapazes de obter muito retorno com os depósitos, e perante preços mais elevados dos imóveis, os aforradores chineses viram a subida prolongada nos preços das acções domésticas como uma oportunidade para impulsionarem a sua rentabilidade.
O descrédito emergiu quando alguns investidores exigentes repararam na discrepância entre preços e fundamentais e começaram a vender as suas acções. A 12 de Junho, isso deu lugar à repulsa, com a descida nos preços a espoletar os "stops" de perdas e a estimular uma grande parte dos investidores a liquidar as margens – que resultaram em perdas severas quer para os credores quer para os mutuários, especialmente em acções pouco líquidas.
Este episódio provou, mais uma vez, que os mercados altamente alavancados são instáveis e insustentáveis. As crises financeiras têm sido repetidamente geradas pela inovação financeira desadequadamente regulada, com a combinação da ganância do mercado e dos buracos na regulação e dos pontos cegos que permitem altos e baixos.
No caso da China, a abordagem intervencionista do governo está a exacerbar o problema. Embora a intervenção no mercado possa limitar o espaço para perdas no curto prazo, prejudica a capacidade dos mercados se auto-corrigirem, sem mencionar a credibilidade das autoridades chinesas como reguladores neutros.
A um nível estático, os mercados accionistas secundários são fundamentalmente um jogo de soma zero: aqueles que vendem durante o "boom" são vencedores e aqueles que compram demasiado tarde (e com dinheiro emprestado) são os perdedores. Na China, os vencedores foram a maior parte dos proprietários das empresas (incluindo o Estado) que venderam enquanto o índice de Xangai subia em direcção aos 5.000 pontos e os perdedores foram os investidores de retalho que comparam acima dos 4.000 pontos.
A um nível dinâmico, contudo, a destruição criativa que acontece numa quebra não elimina o capital que foi criado durante o "boom". Os mercados accionistas chineses podem ter perdido quase três biliões de dólares desde o pico de Junho, mas também criaram mais de 4,6 biliões de dólares em valor ao longo do último ano – cerca de metade do que foi criado para o Estado.
O facto é que os mercados apenas avançam através de experiências e, inevitavelmente, erros. De facto, era estatisticamente improvável que a economia chinesa e os mercados accionistas pudessem ter-se desenvolvido tão rapidamente, sem alguns obstáculos impressionantes ao longo do caminho.
Permitir que o mercado accionista se desenvolvesse não foi o movimento errado. No final de 2013, quando o índice de Xangai negociava nos 2.116 pontos, o mercado de dívida da China representava 256% do PIB e a capitalização do mercado accionista ascendia a 36% do PIB, implicando um rácio de alavancagem insustentável de 7,2:1. Quando o mercado accionista atingiu o pico de 100% do PIB, o rácio de alavancagem caiu para 2,6:1, perto do rácio de 2,2:1 nos Estados Unidos, onde a capitalização do mercado accionista era de 132% do PIB.
De mesma forma, o desejo dos investidores de retalho de investir em empresas como a Alibaba não estava errado. Pelo contrário, fez muito sentido comprometer-se com os mercados.
O problema era que os investidores de retalho não estavam equipados para julgar a avaliação de empresas cotadas como a Alibaba, embora eles pudessem usar crédito para se envolverem em especulações. Esta era uma combinação perigosa – que levou a perdas socialmente inaceitáveis para o sector de retalho e o governo não interviu.
A economia da China tem sido bem-sucedida através de tentativa e erro e as lições do actual teste de "stress" devem ser vistas como parte deste processo usadas para conduzir a próxima fase da reforma económica. Uma lição chave é que os mercados accionistas chineses continuam estruturalmente tendenciosos face ao controlo e metas do Estado, mesmo com o país a construir uma economia mais empreendedora. Isto é sobretudo problemático porque é o mercado (não o Estado) que vai identificar e apoiar os unicórnios.
Contudo, a China já começou a construir um sector industrial mais inovador e um sector de retalho impulsionado pela Internet e o Estado ainda pode ter um papel para fomentar a inovação. Mas, com o governo a determinar como descarregar as suas participações massivas de acções de forma ordenada, deve assegurar que tais esforços são financiados por capital, não alavancados, melhorando assim o equilíbrio e a resiliência do mercado.
Andrew Sheng é membro do Asia Global Institute na Universidade de Hong Kong e membro do Conselho Consultivo de Finanças Sustentáveis da UNEP. Xiao Geng, director do IFF Institute, é professor no Asia Global Institute na Universidade de Hong Kong.
© Project Syndicate, 2015.
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Tradução: Raquel Godinho