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O problema das bolhas financeiras

Depois de a magnitude da crise financeira de 2008 se ter tornado clara, começou um intenso debate sobre a forma como os bancos centrais e os reguladores podiam – ou deveriam – tê-la evitado. A visão tradicional, partilhada pelo ex-presidente da Reserva Federal dos Estados Unidos, Alan Greenspan, é que qualquer tentativa de furar antecipadamente as bolhas financeiras está destinada ao fracasso. O máximo que os bancos centrais podem fazer é tratar dos estragos.

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De facto, furar as bolhas pode sufocar o crescimento económico – e com um custo social elevado. Mas há um contra-argumento. Os economistas do Banco de Compensações Internacionais (BIS, na sigla inglesa) sustentaram que os custos da crise foram tão grandes, e o processo de saneamento tão prolongado, que devemos certamente procurar formas de agir preventivamente quando voltarmos a ver um crescimento perigoso da liquidez e do crédito.

 

Daí a disputa feroz (ainda que secreta e educada) entre os dois lados na recente reunião do Fundo Monetário Internacional em Lima, Peru. Para os amantes da literatura, foi uma reminiscência de "As Viagens de Gulliver", de Jonathan Swift. Gulliver encontra-se preso numa guerra entre duas tribos: uma que acredita que um ovo cozido deve ser sempre aberto na extremidade mais estreita, enquanto outra defende fervorosamente que uma colher encaixa melhor no extremo maior e mais arredondado.  

 

É justo dizer que o debate avançou um pouco desde 2008. E mais importante ainda, foi adicionada uma regulação microprudencial ao conjunto de ferramentas dos responsáveis pelas políticas económicas: em suma, faz sentido que os requisitos de capital variem consoante o ciclo financeiro. Quando a expansão do crédito é rápida, pode ser apropriado aumentar os requisitos de capital dos bancos como uma salvaguarda contra os riscos elevados de uma contracção subsequente. Este aumento estaria acima do que a supervisão microprudencial - a avaliação dos riscos para as instituições individuais - pode ditar. Desta forma, as novas regras de Basileia permitem exigir que os bancos mantenham uma almofada anticíclica de capital adicional.

 

Mas se a ideia da almofada anticíclica é agora amplamente aceite, o que acontece à "opção nuclear" de furar uma bolha: É justificável aumentar as taxas de juro em resposta a uma expansão de crédito, mesmo que a taxa de inflação esteja abaixo da meta? E os bancos centrais deveriam ter um objectivo de estabilidade financeira específico, separado de uma meta de inflação?

 

Jaime Caruana, director-geral do BIS e ex-governador do Banco de Espanha, responde que sim a ambas as questões. Em Lima, argumentou que o chamado "princípio de separação", segundo o qual a estabilidade monetária e financeira são abordadas de formas diferentes e por organismos independentes, não faz mais sentido.

 

Os dois conjuntos de políticas devem, evidentemente, interagir; mas Caruana defende que é errado dizer que sabemos pouco sobre a instabilidade financeira para sermos capazes de agir de forma preventiva. Sabemos tanto sobre bolhas como sobre a inflação, argumenta Caruana, e deveria reconhecer-se de maneira explícita a necessidade dos bancos centrais de alterar as taxas de juro por razões que excedem o controlo a curto prazo das tendências dos preços no consumidor.   

 

Na reunião de Lima, a visão oposta, tradicionalista, veio de Benoît Coeuré do Banco Central Europeu. Um banco central, defendeu, precisa de um mandato muito simples que lhe permita explicar as suas acções de forma clara e ser responsabilizado por elas. Deixemos, portanto, que os bancos centrais mantenham o princípio da separação "que torna a nossa vida mais simples. Não queremos um conjunto complicado de objectivos".

 

Para Coeuré, tentar manter a estabilidade financeira está na categoria "muito difícil". Mesmo a regulação macroprudencial é de valor duvidoso: os supervisores devem limitar-se a supervisionar as instituições individuais, deixando política de nível macro para os adultos.

 

Nemat Shafik, vice-governadora do Banco da Inglaterra, tentou posicionar-se entre estas posições opostas. Propôs a definição de três linhas de defesa contra a instabilidade financeira.

 

A regulação microprudencial, defendeu ela, é a primeira linha de defesa: se todos os bancos emprestarem de forma prudente, as possibilidades de excessos colectivos são mais baixas. Mas a segunda linha de defesa é a manipulação macroprudencial dos requisitos de capital, que deveriam aplicar-se de maneira global ou em determinados segmentos de mercado, como as hipotecas. E, se tudo o mais falhar, os bancos centrais poderiam alterar as taxas de juro. Como a lei britânica atribui a regulação de capital e a política de taxas de juro a duas comissões separadas - com membros diferentes - dentro do Banco da Inglaterra, a estratégia de Shafik exigiria algumas manobras políticas e burocráticas inteligentes.

 

Dedicaram-se quantidades industriais de investigação, análise e debate às causas e consequências da crise de 2008; por isso parece estranho que os altos dirigentes dos bancos centrais ainda estejam tão fortemente divididos na questão central da estabilidade financeira. Todos os dias passados ??nos conclaves secretos em Basileia, a beber vinho da lendária adega do BIS, não conduziram, aparentemente, a qualquer consenso.  

 

A minha opinião é que Caruana tinha o melhor dos argumentos em Lima, e Coeuré o pior. Aderir a um objetivo simples em prol de uma vida tranquila, mesmo sabendo que ele é imperfeito, é uma postura deselegante na melhor das hipóteses. Precisamos que os nossos banqueiros centrais tomem decisões complexas e sejam capazes de equilibrar objectivos potencialmente conflituosos. Aceitamos que eles não vão estar sempre certos. No entanto, é imperativo que aprendam com a maior crise financeira dos últimos 80 anos, em vez de insistirem em estratégias que fracassaram de forma tão notória.

Howard Davies, presidente do Royal Bank of Scotland, foi o primeiro presidente da Autoridade de Serviços Financeiros do Reino Unido (1997-2003). Foi director da London School of Economics (2003-11), vice-governador do Banco de Inglaterra e director-geral da Confederação da Indústria Britânica.

 

Direitos de Autor: Project Syndicate, 2015.
www.project-syndicate.org
Tradução: Rita Faria

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