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10 de Setembro de 2015 às 20:00

O problema complexo da China

Hoje, aproximadamente 55% da população da China vive em cidades, em comparação com menos de 20% em 1978. E a percentagem deve subir para 65-70% ao longo dos próximos 15 anos. As cidades novas e em expansão sustentam o crescimento através do emprego baseado nos serviços que, por sua vez, aumenta o poder de compra dos consumidores, triplicando o rendimento por habitante, face ao auferido nas zonas rurais.

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A assustadora transição da China para aquilo a que os seus líderes chamam de sociedade moderadamente abastada tem vários aspectos em mudança. As mudanças tectónicas estão a ocorrer, simultaneamente, em várias frentes - a economia, os mercados financeiros, a estratégia geopolítica e a política social. O teste final pode consistir na gestão da interacção extremamente complexa entre estes desenvolvimentos. Estarão os líderes da China à altura do desafio, ou tiveram mais olhos do que barriga?

 

A maioria dos comentadores ocidentais está a simplificar demasiado este debate, enquadrando-o nos cenários proverbiais de uma aterragem difícil por parte da China, que têm falhado ao longo dos últimos 20 anos. No rescaldo da queda do mercado de acções, este verão, e da desvalorização surpreendente do yuan, a mesma coisa repete-se novamente. Eu suspeito, no entanto, que os receios de uma grave recessão na China são muito exagerados.

 

Embora o debate sobre as perspectivas de curto prazo da China não deva ser banalizado, é importante lembrar os sólidos progressos da sua economia em direcção ao reequilíbrio - ou seja, uma mudança estrutural da indústria e construção em direção aos serviços. Em 2014, a percentagem do PIB chinês correspondente aos serviços atingiu 48,2%, bem superior à percentagem de 42,6% da indústria e construção juntas. E o fosso continua a aumentar – a actividade dos serviços cresceu 8,4%, em termos homólogos, no primeiro semestre de 2015, superando de longe o crescimento de 6,1% da indústria e construção.

 

Os serviços são, em muitos aspectos, a infraestrutura de uma sociedade de consumo - no caso da China, proporcionando serviços básicos, comunicações, lojas de retalho, cuidados de saúde e finanças que a sua classe média emergente exige cada vez mais. Além disso, também têm uma grande densidade de mão-de-obra: na China, os serviços requerem cerca de 30% mais empregos por unidade de produção do que a indústria ou a construção, intensivas em termos de capital.

 

Por essa razão, em grande medida, as tendências de emprego da China resistiram muito melhor do que seria de esperar no contexto de uma desaceleração económica. O emprego urbano cresceu cerca de 13 milhões em 2013-14 - bem acima dos dez milhões projectados pelo governo. Além disso, os dados do início de 2015 sugerem que a contratação urbana permanece próxima do ritmo impressionante dos últimos anos – o que não condiz propriamente com o stress no mercado de trabalho associado a recessões ou aterragens económicas difíceis.

 

Os serviços também são o ingrediente que torna a estratégia de urbanização da China tão eficaz. Hoje, aproximadamente 55% da população da China vive em cidades, em comparação com menos de 20% em 1978. E a percentagem deve subir para 65-70% ao longo dos próximos 15 anos. As cidades novas e em expansão sustentam o crescimento através do emprego baseado nos serviços que, por sua vez, aumenta o poder de compra dos consumidores, triplicando o rendimento por habitante, face ao auferido nas zonas rurais.  

 

Assim, apesar de toda a preocupação com um colapso na China, a rápida mudança em direcção a uma economia baseada nos serviços está a moderar as pressões descendentes na velha economia baseada na produção. O Fundo Monetário Internacional salientou essa mesma conclusão na sua recente consulta do Artigo IV com a China, observando que o rendimento do trabalho está agora a aumentar em percentagem do PIB, e que o consumo contribuiu um pouco mais do que o investimento para o crescimento do PIB em 2014. Isso pode parecer um progresso marginal, mas é, na verdade, muito rápido em relação ao ritmo normalmente glacial da mudança estrutural - um processo que começou na China apenas em 2011, com a promulgação do 12º Plano Quinquenal.

 

Embora os progressos no reequilíbrio económico sejam encorajadores, a China tem muito mais coisas entre mãos: planos simultâneos para modernizar o sistema financeiro, reformar a moeda e resolver os excessos nos mercados de acções, dívida e sector imobiliário. Ao mesmo tempo, as autoridades também estão a promover uma campanha anti-corrupção agressiva, uma política externa mais muscular, e um ressurgimento do nacionalismo, disfarçado de "Sonho da China".  

 

A interacção entre esses objectivos pode ser especialmente difícil. Por exemplo, a confluência de desalavancagem e do estouro da bolha no mercado de acções poderá criar uma espiral descendente auto-sustentada na antiga economia industrial, capaz de abalar a confiança dos consumidores e neutralizar o dinamismo emergente da nova economia de serviços. Da mesma forma, as aventuras militares no Mar da China Meridional podem prejudicar as ligações da China com o resto do mundo, muito antes de o país poder contar com a procura interna para o crescimento económico.

 

Ironicamente, os malabarismos da China podem tornar-se ainda mais difíceis para as autoridades num sistema orientado para o consumidor com base no mercado. Apanhado na transição de um modelo dirigido pelo Estado, o governo parece incapaz de tomar uma decisão - por exemplo, ao enfatizar uma mudança decisiva para os mercados, só para intervir de forma agressiva quando os preços das acções afundam. Da mesma forma, está a adoptar um regime cambial mais baseado no mercado ao mesmo tempo que desvaloriza o yuan.

 

Se a tudo isto somarmos o compromisso de reformar as empresas estatais, intermitentemente iniciado e interrompido, a China poderá acabar atolada em algo comparável ao que Minxin Pei chamou de "armadilha da transição", na qual a estratégia económica é bloqueada pela falta de vontade política num Estado de partido único.

 

Sob a liderança do presidente Xi Jinping, não há falta de vontade política na China de hoje. O desafio é priorizar essa vontade de uma maneira que mantenha a China no caminho da reforma e do reequilíbrio. Qualquer retrocesso nessas frentes levaria a China para o tipo de armadilha que Pei há muito temia ser inevitável.

 

O desenvolvimento económico tem sido sempre um desafio assustador. Como sublinham os avisos sobre a "armadilha do rendimento médio", a história tem mais fracassos do que sucessos nas tentativas de superar o limiar de rendimento per capita que a China alcançou. A última coisa que a China precisa é tentar equilibrar demasiadas coisas na cabeça de um alfinete. Os seus líderes precisam de simplificar e clarificar uma agenda que corre o risco de se tornar demasiado complexa para gerir.

 

Stephen S. Roach, membro do corpo docente da Universidade de Yale e ex-presidente do Morgan Stanley na Ásia, é o autor de "Unbalanced: The Codependency of America and Chin".

 

Copyright: Project Syndicate, 2015.
www.project-syndicate.org

 

Tradução: Rita Faria

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