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O erro fatal do Obamacare

O Obamacare, oficialmente conhecido como o Patient Protection and Affordable Care Act (numa tradução literal, programa de cuidados de saúde acessíveis e de protecção dos pacientes) é o programa de seguro de cuidados de saúde implementado pelo presidente norte-americano Barack Obama e pelos congressistas Democratas, com a oposição unânime dos Republicanos do Congresso. Foi criado para que os americanos sem seguros de saúde públicos ou privados – cerca de 15% da população dos Estados Unidos – ficassem cobertos por esta protecção.

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Os opositores não conseguiram impedir, nos tribunais, o avanço do Obamacare, tal como, mais recentemente, o Congresso não o conseguiu. O programa foi, assim, oficialmente lançado a 1 de Outubro. Embora tenha sido dificultado por uma enorme quantidade de problemas informáticos e por outras dificuldades técnicas, o programa deverá ficar operacional em 2014.

 

A grande questão é se irá funcionar como o pretendido e se vai sobreviver de forma duradoura. Há um sério risco de que tal não aconteça.

 

O possível erro fatal do Obamacare é a mesma característica que atrai a maioria dos seus apoiantes: a capacidade de aqueles que, mesmo com uma condição de saúde preexistente grave, comprarem um seguro com um prémio padronizado.

 

Este factor vai encorajar aqueles que não estão doentes a cancelarem os seguros, ou então a permanecerem sem a sua subscrição, até que haja um diagnóstico médico potencialmente dispendioso. A consequente mudança de pacientes inscritos de baixo custo para aqueles que exigirão custos mais elevados vai aumentar o custo por pessoa das seguradoras, o que vai conduzir a uma subida dos prémios que são pedidos. Com o aumento dos prémios, cada vez mais indivíduos relativamente saudáveis serão incentivados a renunciar ao seguro até que surja uma doença, fazendo com que os custos médios e os prémios subam ainda mais.

 

Com este elemento em mente, aqueles que desenharam o Obamacare tornaram esta compra de seguro “obrigatória”. Mais especificamente, os empregadores com mais de 50 funcionários terão de, depois de 2014, comprar uma apólice de seguro aprovada para os seus trabalhadores a tempo inteiro. Aqueles funcionários que não tenham seguro garantido pelos seus empregadores terão de adquirir um seguro por sua conta, sendo que aqueles que auferem rendimentos mais baixos recebem um subsídio estatal.

 

Mas nem a obrigação do empregador nem a exigência individual deverão mostrar-se eficazes. Os empregadores podem evitar esta ordem ao reduzir a semana de trabalho dos funcionários para menos de 30 horas (a partir da qual a lei define como trabalho a tempo inteiro). Mas até mesmo para os funcionários a tempo inteiro, as empresas podem optar por pagar uma coima relativamente mais baixa do que os custos que poderiam enfrentar com o seguro. A coima é de 2.000 dólares por trabalhador, muito abaixo do prémio médio de 16.000 dólares para apólices familiares providenciadas pelos empregadores.

 

Não proporcionar os seguros e pagar as multas é uma opção particularmente atractiva para uma empresa se os seus funcionários receberem rendimentos que lhes permitam candidatar-se a subsídios governamentais (que, actualmente, estão disponíveis para quem tem um rendimento quatro vezes abaixo do nível de pobreza). Em vez de incorrer no custo de pagar um prémio por uma determina apólice, um gestor inteligente pode pagar uma coima por não fornecer tal seguro e, ao invés, aumentar o salário dos funcionários num montante suficiente para que tenham mais rendimento disponível depois de pagarem a tal apólice de seguro subsidiada. Mesmo depois dos dois pagamentos, os empregadores estarão melhores, em termos financeiros. Há notícias que indicam que muitos gestores já estão a dar estes passos.

 

Mas o maior perigo para a sobrevivência do Obamacare é que muitas pessoas que não vão receber o seguro do seu empregador vão escolher não pagar um seguro e, pelo contrário, irão pagar a coima de apenas 1% do rendimento (que sobe permanentemente, depois de 2015, para 2,5%). A alternativa eleita é a de esperar para comprar o seguro até que fiquem doentes ou que enfrentem elevadas facturas médicas.

 

A estratégia de esperar-para-pagar-um-seguro faz sentido se a condição médica corresponde a uma doença crónica como a diabetes ou uma doença que exige cirurgia, como o cancro ou uma hérnia. Em qualquer dos casos, as pessoas poderão solicitar um seguro depois de receber o diagnóstico.

 

Mas e o que acontece aos casos como ataques de coração ou condições resultantes de um acidente automóvel? Nestas situações, a pessoa não tem tempo de comprar o seguro de saúde que a lei permite. Se não estiverem já protegidos por um seguro, estes indivíduos irão pagar elevadas facturas hospitalares que podem causar dificuldades financeiras ou até impedi-los de receber os cuidados de saúde necessários. Qualquer pessoa que olhe para esta perspectiva escolhe renunciar a esta estratégia de esperar-para-pagar-um-seguro e pedir um seguro imediatamente.

 

Mas as seguradoras poderiam resolver este problema com a criação de um novo tipo de “seguro de emergência”, que tornaria a inscrição desnecessária e permitiria aos indivíduos usufruir das vantagens desta estratégia de esperar-para-pagar. Esse seguro iria cobrir os custos que o paciente enfrentaria depois de um evento médico que não deixou tempo para a aquisição das apólices oferecidas nos programas Obamacare. Este seguro de emergência também poderia cobrir os custos dos cuidados de saúde até ao período de “inscrições abertas” para a compra de seguros no final de cada ano (se a pressão política não levar à revogação desta barreira temporária aos seguros).

 

Este tipo de seguro é muito diferente das actuais apólices altamente dedutíveis. Dada a margem muito limitada e a natureza imprevisível das condições que poderá cobrir, o prémio para tal apólice seria muito reduzido. Não iria satisfazer as exigências de maior cobertura a que obriga o Obamacare, fazendo com que as pessoas optem por pagar uma multa relativamente pequena por não estarem protegidas por um seguro e incorrerem no subsequente custo de comprar uma apólice integral se for preciso, mais tarde. Mas a combinação de um seguro de emergência com a estratégia de esperar-para-pagar-um-seguro ainda seria preferível em termos financeiros em muitos casos. Assim, o número iria crescer à medida que os prémios ficariam mais elevados.

 

Os empregadores com um grande número de funcionários a tempo inteiro poderão incentivar as actuais seguradoras a criarem apólices de emergência. Poderão, até, escolher fazer uma protecção própria do risco de emergência para os seus trabalhadores.

 

A opção de esperar-para-pagar-um-seguro poderia conduzir a uma queda acelerada do número de indivíduos assegurados à medida que os prémios subiriam para os que permanecessem protegidos por um seguro. Neste cenário, esta deterioração do Obamacare poderia levar a uma renovada pressão política da esquerda para um sistema de saúde pago pelo contribuintes, ao estilo europeu.

 

Mas esta também poderá fornecer uma oportunidade para um melhor plano: eliminar os actuais subsídios fiscais extraordinariamente dispendiosos para os seguros financiados pelos empregadores e usar as poupanças resultantes para subsidiar toda a população com apólices de seguros privados integrais, com co-pagamentos relacionados com os rendimentos. Essa reestruturação dos seguros iria, em simultâneo, proteger os indivíduos, aumentar a mobilidade laboral e ajudar a controlar os custos com cuidados de saúde.

 

MartinFeldstein, professor de Economia na Universidade de Harvard e antigo presidente do National Bureau for Economic Research dos Estados Unidos, liderou o conselho de assessores de Economia de Ronald Reagan entre 1982 e 1984. 

 

Copyright: Project Syndicate, 2013.
www.project-syndicate.org

Tradução de Diogo Cavaleiro

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