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03 de Maio de 2013 às 14:57

Emprestar na obscuridade

A proliferação do opaco e pouco regulado (ou desregulado) sistema bancário paralelo da China tem aumentado os receios de uma possível instabilidade financeira. Mas quão extenso – e arriscado – é o sistema bancário “na sombra” na China?

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De acordo com a Comissão Reguladora Bancária da China, o sistema bancário paralelo (todo o crédito não regulado pelos mesmos padrões dos empréstimos bancários convencionais) aumentou de 800 mil milhões de yuans (130 mil milhões de dólares) em 2008 para 7,6 biliões de yuans em 2012 (cerca de 14,6% do PIB). Estima-se que o total da actividade bancária chinesa não incluída nos balanços – composta por créditos a promotores imobiliários (30%-40%), entidades do governo local (20%-30%) e pequenas e médias-empresas (PME), particulares e prestadores de crédito ponte – tenha ascendido a 17 biliões de yuans em 2012, cerca de um terço do PIB.

 

O termo “sistema bancário na sombra” ganhou proeminência durante a crise dos empréstimos “subprime” nos Estados Unidos como referência aos activos não-bancários nos mercados de capitais, como fundos de investimento em mercados financeiros, os títulos garantidos por activos e produtos derivados alavancados, habitualmente financiados por bancos de investimento e grandes investidores institucionais. Em 2007, o volume das transacções do sistema bancário paralelo nos Estados Unidos excedia o volume dos activos bancários convencionais.

 

O Conselho de Estabilidade Financeira (Financial Stability Board, na língua original) estimava que o total de activos do sistema bancário paralelo global, em 2011, ascendia a 67 biliões de dólares, com os Estados Unidos a representarem 23 biliões de dólares, a Zona Euro 22 biliões de dólares e o Reino Unido nove biliões de dólares. Os activos do “sistema bancário na sombra” chinês representavam apenas cerca de 2,2 biliões de dólares. 

 

O sistema bancário paralelo na China é dominado pelo empréstimo a mutuários de elevado risco, como governos locais, promotores imobiliários e PME. É, em última instância, financiado por depósitos da banca de retalho, produtos bancários de gestão de património e “private equity”. Assim, a verdadeira questão na China não é o volume de crédito “na sombra”, mas a sua qualidade e a capacidade do sistema bancário de absorver perdas potenciais.

 

As forças do mercado e os conflitos políticos impulsionaram o aparecimento do “sistema bancário na sombra” na China. Com o Banco Popular da China a manter as taxas de juro artificialmente baixas, os depositantes a retalho começaram a aproveitar as taxas de retorno mais elevadas oferecidas pelos governos locais, promotores imobiliários e PME, que precisam de se financiar para manterem o seu investimento e se ajustarem a um novo ambiente de mercado.    

 

Desde 2008, o sistema bancário paralelo explodiu, devido a factores de preço e regulatórios. Num ambiente dominado por controlos quantitativos directos, como quotas de empréstimo cada vez mais rigorosas, o “sistema bancário na sombra” tem encontrado uma genuína procura de mercado, com as taxas de juro que os mutuários estão dispostos a pagar a proporcionarem um mecanismo útil de fixação do preço. A China simplesmente precisa de um sistema melhor para avaliar a qualidade destes créditos (e para proporcionar aos depositantes retornos que possam compensar a inflação).

 

Os responsáveis políticos chineses devem ver o temor ao “sistema bancário na sombra” como uma oportunidade do mercado para transformar o sistema bancário num motor de crescimento eficiente, equilibrado, inclusivo e produtivo. Devem começar por reformar o regime dos direitos de propriedade para permitir às forças do mercado equilibrar a oferta e a procura das poupanças e investimentos de uma forma que mantenha a disciplina e a transparência do crédito.

 

Isso requer, em primeiro lugar, determinar quem – o investidor ou o banco – assume o risco de incumprimento dos produtos de gestão de património de elevada rendibilidade. Dado que esta é uma questão legal da definição e execução do contrato, deve ser respondida pelos tribunais de arbitragem, não pelos reguladores. Clarificar a responsabilidade última pela qualidade do crédito e pelo risco deve também reduzir os custos de intermediação, ao eliminar a necessidade de recorrer a canais informais, como sociedades fiduciárias e de garantia de créditos.

 

Além disso, reduzir a exposição dos veículos de financiamento dos governos locais é essencial. A China precisa de construir o seu mercado obrigacionista municipal para gerar financiamento mais sustentável para os projectos de infra-estrutura. Os governos locais podem, então, privatizar a enorme quantidade de activos que acumularam durante anos de rápido crescimento, usando os resultados para pagar a sua dívida.

 

Os esforços da reforma devem ser apoiados por medidas – como a aplicação estrita de requisitos de transparência dos balanços – para melhorar a gestão de risco. De facto, os riscos do “sistema bancário na sombra” são manobráveis, dado o robusto crescimento do PIB e os fortes fundamentais macroeconómicos. No final de 2012, os bancos comerciais da China tinham 6,4 biliões de yuans em “core capital” e 1,5 biliões de yuans em provisões para crédito malparado, para constituir uma almofada de risco de cerca de 8 biliões de yuans.

 

As obrigações de baixo risco do governo central e os requisitos de reservas do banco central – a maioria das quais suportadas por substanciais reservas em moeda estrangeira – representam 31 biliões de yuans do total de 95 biliões de yuans dos activos dos bancos comerciais. Outros 8 biliões de yuans são relativos a créditos hipotecários, também de baixo risco, tendo em conta os baixos rácios entre o valor do empréstimo e o valor da garantia. A exposição às obrigações soberanas locais – de empresas detidas pelo Estado e governos locais – representa cerca de 32 biliões de yuans e as obrigações das empresas privadas representam perto de 24 biliões de yuans.

 

Esta divisão sugere que a almofada de 8 biliões de yuans pode ser suficiente para compensar perdas potenciais que surjam do crédito de elevado risco no sector da banca comercial na China. As elevadas margens de taxa de juro estabelecidas pelo Banco Popular da China proporcionam um suporte adicional.

 

Mas, se mais riscos se acumularem através da contínua expansão do crédito “na sombra”, esta almofada pode tornar-se inadequada. Portanto, os responsáveis políticos chineses devem focar-se em reduzir o crescimento do sector bancário paralelo, enquanto asseguram que todos os riscos actuais e futuros decorrentes do sistema são postos a nu. A introdução de medidas para arrefecer o mercado imobiliário e os novos controlos regulatórios directos sobre o crédito do sistema bancário “na sombra” representam um passo na direcção certa.

 

Talvez os maiores desafios que a China enfrenta são a subida dos retornos reais dos passivos financeiros (depósitos e produtos de gestão de património) e a promoção do empréstimo mais equilibrado. O aumento dos custos de investimento em activos reais deverá ajudar a controlar os preços das propriedades e reduzir o excesso de capacidade na infra-estrutura e manufactura.

 

Em última instância, abordar o sistema bancário “na sombra” na China vai requerer mecanismos que definam, distribuam e adjudiquem claramente os riscos financeiros entre as principais partes envolvidas. Isso inclui assegurar que os mutuários são responsáveis e que os seus passivos são transparentes, desalavancar a dívida municipal através da venda de activos e financiamento mais transparente, mudar o ónus da resolução de conflitos de direitos de propriedade dos reguladores para os árbitros e, eventualmente, para o poder judicial. Estas reformas institucionais deverão levar a um longo caminho para eliminar o risco de incumprimento (ou resgate) e criar um sistema financeiro orientado para o mercado com incentivos equilibrados que suportem o crescimento e a inovação.

 

Andrew Sheng, presidente do Fung Global Institute, é ex-presidente da Comissão de Valores Mobiliários e Futuros de Hong Kong, e é actualmente professor adjunto na Universidade de Tsinghua, em Pequim. Xiao Geng é director de investigação do Fung Global Institute.

 

Copyright: Project Syndicate, 2013.
www.project-syndicate.org

 

Tradução: Raquel Godinho

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