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23 de Janeiro de 2013 às 10:31

Economias em desenvolvimento e a falta de financiamento de longo prazo

Entretanto, a poupança líquida nas economias em desenvolvimento está a aumentar, e os rendimentos mais baixos nas economias desenvolvidas estão a criar um incentivo para os investidores canalizarem mais recursos para investimentos produtivos nas primeiras

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Desde o início da crise financeira global, a palavra "banca" tornou-se praticamente num palavrão. Mas, ainda que os bancos tenham a capacidade de causar sérios danos às economias e às pessoas, um sistema financeiro bem gerido pode oferecer benefícios significativos. Um conjunto de evidências, retiradas do relatório sobre o desenvolvimento financeiro global do Grupo Banco Mundial, mostra que as instituições financeiras e os mercados têm uma profunda influência sobre o desenvolvimento económico, redução da pobreza e na estabilidade das economias de todo o mundo. Assim, justifica-se uma avaliação pragmática do papel do Estado nas Finanças.


Entre os aspectos visíveis, a característica mais incomum da crise financeira é que as economias desenvolvidas foram afectadas de forma mais violenta e directa do que as economias em desenvolvimento, muitas das quais aprenderam com as crises anteriores, colocando as suas finanças em ordem, avançando com as reformas estruturais e melhorando a regulação e supervisão.


Mas esta distinção perde de vista uma questão mais importante: a qualidade das políticas é muito mais importante do que o nível de desenvolvimento económico. Alguns sistemas financeiros nas economias desenvolvidas - por exemplo, na Austrália, Canadá e Singapura - têm mostrado uma notável resistência, enquanto outros se encontram em apuros.


Ao mesmo tempo, o foco na reforma financeira nas economias desenvolvidas, ainda que seja justificada, contribuiu para fomentar a complacência nos países desenvolvidos. Por exemplo, muitas enfrentam as suas próprias versões de "too big to fail" - que a crise reforçou -, mas pouco fizeram para resolver o problema.


Além disso, as medidas tomadas durante a crise podem ter ajudado a mitigar o contágio financeiro, mas algumas delas não favorecem o desenvolvimento do sector no longo prazo. Muitas economias em desenvolvimento resistiram à crise à custa de uma enorme intervenção estatal directa, enquanto os seus sectores financeiros carecem de amplitude e acesso.


A crise financeira teve um impacto particularmente profundo sobre a oferta de financiamento com prazos mais longos. Até certo ponto, isso é compreensível, dado o foco na liquidez e nos fluxos de capital de curto prazo. Mas a queda abrupta na disponibilidade de financiamento de longo prazo está a acentuar as vulnerabilidades do sector financeiro.


Embora a proporção das economias em desenvolvimento na economia mundial tenha passado de um terço a metade durante a última década, as economias desenvolvidas continuam a dominar a oferta de financiamento de longo prazo. O desajuste entre o horizonte temporal do financiamento disponível e o de investidores e empreendedores, particularmente os dos países em desenvolvimento, é uma fonte de vulnerabilidade que actua como um entrave ao crescimento.


Vários factores têm diminuído a predisposição dos investidores para estender créditos de longo prazo. A crise financeira reduziu o apetite de risco dos financiadores privados, tornando a exposição prolongada pouco atractiva. Os fluxos líquidos de capital privado, especialmente para as economias em desenvolvimento, tornaram-se mais voláteis.


O capital privado, que constitui mais de 90% dos fluxos de capital para as economias em desenvolvimento, continuará a ser a principal fonte de financiamento de longo prazo. Mas a disponibilidade de capital de longo prazo parece ter sido limitada, e o financiamento dos bancos também foi restringido devido à desalavancagem, principalmente em relação aos bancos europeus.


O novo pacote Basileia III de reformas bancárias mundiais pode aumentar ainda mais os custos de financiamento para alguns mutuários e reduzir a disponibilidade de financiamento, especialmente para dívidas de longo prazo. Os investidores institucionais, como fundos de pensões e companhias de seguro, com activos superiores a 70 biliões de dólares, são uma importante fonte adicional de capital de longo prazo. Embora esses investimentos em activos produtivos de longo prazo, como infra-estruturas, sejam essenciais para gerar os rendimentos que estes investidores exigem, menos de 1% dos activos dos fundos de pensões são alocados directamente para projectos de infra-estruturas.


Entretanto, a poupança líquida nas economias em desenvolvimento está a aumentar, e os rendimentos mais baixos nas economias desenvolvidas estão a criar um incentivo para os investidores canalizarem mais recursos para investimentos produtivos nas primeiras. Recentemente, vários bancos têm sido capazes de emitir dívida de longo prazo a preços acessíveis.
Outro desenvolvimento promissor é o crescimento dos mercados obrigacionistas em moeda local. Estes mercados podem converter-se numa sólida fonte de financiamento para o investimento doméstico de longo prazo, incluindo em infra-estruturas, reduzindo assim o risco para os mutuários e para os investidores. Mas o desenvolvimento sólido e sustentável desses mercados não pode ocorrer sem reformas institucionais e regulamentares que garantam um ambiente atractivo, e o desenvolvimento de capacidades, ao nível do sector público e do privado, para facilitar um maior desenvolvimento do mercado.


A predisposição dos investidores para disponibilizar capital de longo prazo para o desenvolvimento de infra-estruturas, criação de emprego e crescimento económico depende da sua percepção dos diferentes níveis de risco. Os responsáveis políticos podem gerir essas percepções, melhorando a gestão do sector público, garantindo uma gestão macroeconómica sólida, promovendo um quadro legal transparente que apoie a actividade do sector privado, melhorando a capacidade de gestão da dívida, e protegendo os investidores da expropriação.


O afastamento das abordagens estandardizadas para a reforma financeira implica comprometer o tempo e os esforços necessários para compreender a economia política, bem como o estabelecimento de parcerias com representantes do governo, da sociedade civil e do sector privado. Estas soluções são essenciais para reforçar o desempenho económico em economias desenvolvidas e em desenvolvimento.

 

 

 

© Project Syndicate, 2012.
www.project-syndicate.org
Tradução: Rita Faria

 

Mahmoud Mohieldin é director do Grupo Banco Mundial.

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