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14 de Abril de 2014 às 19:23

O caminho da sede

Para que seja possível estabelecer metas para a gestão da falta de água, são necessários dados fiáveis e atempados para perceber que variações na qualidade e quantidade de água são causadas pelas mudanças climáticas ou pela degradação do ambiente.

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Nota: Este artigo está acessível, nas primeiras horas, apenas para assinantes do Negócios Primeiro.

 

Vários milhões de pessoas entre as mais pobres do mundo enfrentam desafios muito sérios relacionados com a água - desde a falta de acesso e deficiências a conflitos sobre o abastecimento - o que tem grandes implicações na segurança, desenvolvimento económico e sustentabilidade ambiental. Num momento em que os líderes mundiais estão a delinear uma estratégia de desenvolvimento para suceder aos Objectivos de Desenvolvimento do Milénio (ODM), que expiram em 2015, abordar estas questões deve ser a principal prioridade.

 

Preste atenção a isto: quase mil milhões de pessoas em todo o mundo não têm acesso a água potável segura, e 2,5 mil milhões de pessoas não têm condições de saneamento adequadas. O custo disso é impressionante: milhares de crianças morrem todos os dias, e há perdas económicas anuais avaliadas em 260 mil milhões de dólares - mais do dobro do montante total oficial de assistência ao desenvolvimento.

 

Para piorar as coisas, as mudanças climáticas vão tornar as reservas de água mais imprevisíveis, com cheias cada vez mais frequentes e intensas e secas com custos significativos em termos humanos e económicos, a impedirem o desenvolvimento nos países pobres. E a população mundial, que está em expansão - prevê-se que ultrapasse os 9,5 mil milhões de pessoas em 2050 - vai colocar ainda mais pressão nos recursos hídricos.

 

É necessário tomar medidas urgentes para assegurar o acesso a água e saneamento seguros e a preços acessíveis para todos. Primeiro, é necessário fazer melhorias drásticas nos serviços ligados à água - incluindo abastecimento e saneamento, irrigação e drenagem, energia e instalações ambientais, para assim melhorar os desempenhos em termos de saúde e permitir que mais pessoas saiam da pobreza.

 

Devem ser os governos a assumir a dianteira no que toca a assegurar uma gestão criteriosa e um uso sustentável dos parcos recursos hídricos. O cultivo de alimentos que exigem muita água e a produção de energia, entre outros, dependem de um abastecimento ininterrupto. Para que seja possível estabelecer metas para a gestão da falta de água, são necessários dados fiáveis e atempados para perceber que variações na qualidade e quantidade de água são causadas pelas mudanças climáticas ou pela degradação do ambiente, bem como para identificar padrões de consumo de água pelas famílias, agricultores e indústrias.

 

Abordar estes desafios ligados à água exige esforços elevados em quatro áreas. Para quem está a começar, as novas tecnologias podem ser alavancadas para se criarem soluções à escala mais eficazes em termos de custo. Hoje, há mais dispositivos móveis ligados à Internet do que seres humanos, o que garante uma extensa rede para criar e disponibilizar soluções baseadas na mobilidade.

 

Por exemplo, os funcionários públicos podem usar aplicações móveis para identificar e responder às queixas dos cidadãos sobre o abastecimento de água e os serviços de saneamento, aumentando, dessa forma, a transparência e a responsabilidade. Na Libéria, instrumentos de recolha de dados em motas usaram telemóveis para mapear 10 mil pontos de água até então desconhecidos - uma iniciativa que completou o primeiro plano de investimento em água do país, lançado no ano passado.

 

Segundo, para expandir a prestação dos serviços aos pobres sem sobrecarregar os já muito pressionados orçamentos públicos, os responsáveis políticos devem tentar fazer parcerias inovadoras com actores do sector privado. Claro que isto exige uma regulação eficaz para proteger os consumidores, em conjunto com estruturas governativas fortes para assegurar que os serviços cobrem os custos (e assegurar assim que eles vão ser prestados de forma consistente e com altos padrões a longo prazo). Por exemplo, o Quénia, numa tentativa de atrair investidores privados, atribuiu notações de crédito sombra a 43 empresas.

 

Esta é uma grande oportunidade para os actores privados investirem na disponibilização de serviços hídricos a custos baixos às populações pobres e a segmentos privados deste tipo de condições em países em desenvolvimento, graças a uma enorme procura que está por explorar. No Bangladesh, Indonésia, Peru e Tanzânia, o mercado para melhorar os serviços de saneamento in-situ está avaliado em cerca de 2,6 mil milhões de dólares.

 

Efectivamente, o saneamento é a terceira área a exigir maior atenção. Uma vasta percentagem da população mundial não tem acesso a instalações adequadas para depositar os seus dejectos. Programas locais com o objectivo de mudar o comportamento das comunidades podem contribuir para um ambiente mais limpo e melhores desempenhos em termos de saúde.

 

Tal como demonstram os ODM, os objectivos de desenvolvimento exigem um forte enquadramento de implementação, incluindo financiamento suficiente e dados de alta qualidade, para aumentar rapidamente as iniciativas ao mesmo tempo que se estabelece uma prestação de contas e se assegura sustentabilidade. Aqui, a liderança política a nível nacional é fulcral.

 

Por fim, os líderes mundiais têm de reconhecer que vai ser impossível responder de forma eficaz ao desafio da água sem abordar o desafio do clima. Isso exige um esforço concertado para tirar partido das oportunidades que permitam atingir um crescimento sustentável, inclusive garantindo um investimento adequado.

 

Claro que também há muito para fazer além dos sectores da água e saneamento. Em áreas como a agricultura, energia, silvicultura e planeamento municipal, são tomadas todos os dias decisões sem se ponderar as implicações que estas terão na disponibilidade e sustentabilidade da água - uma situação que se torna ainda mais complicada quando os recursos hídricos cruzam as fronteiras dos países.

 

Neste contexto, são necessárias abordagens mais integradas e cooperativas para melhorar a gestão da água. Mas as negociações para acordos de cooperação na água estão carregadas de riscos perceptíveis, associados a questões relacionadas com a responsabilização, soberania, equidade e estabilidade. Os responsáveis políticos podem reduzir esses riscos se construírem as instituições, o conhecimento e as capacidades que são necessárias para gerir a água de forma mais eficaz, entre as famílias, agricultores e empresas.

 

Não há um modelo único para a cooperação internacional, mas os países podem aprender com as experiências dos outros, aplicando estratégias que deram resultado noutros lados para firmar acordos duradouros entre interesses concorrentes. Essas estratégias devem também estar abertas às inovações nos instrumentos legais e financeiros e respectivas garantias, e devem ser vistos como legítimos por todo o eleitorado, incluindo os jovens que vão herdar os acordos que hoje são criados.

 

Uma gestão eficaz da água e do saneamento tem o poder de transformar economias - e as vidas das pessoas mais pobres do mundo. Não há tempo - ou água - a perder.

 

 

© Project Syndicate, 2014.

www.project-syndicate.org

Tradução: Bruno Simões

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