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05 de Setembro de 2016 às 20:00

Crescimento num tempo de ruptura

Em vez de olhar para as mudanças como uma ameaça, e tentar resistir-lhes, as economias em desenvolvimento devem antecipar-se, abraçando inovações disruptivas. Isso significa investir na capacidade - física e humana - para apoiar a sua utilização.

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Os países em desenvolvimento enfrentam grandes obstáculos - muitos dos quais não controlam - para alcançar um crescimento sustentado. Além dos desafios provocados pelo crescimento lento das economias avançadas e das condições monetárias e financeiras anormais do pós-crise, há os impactos negativos da tecnologia digital, que corroem as vantagens comparativas das economias em desenvolvimento em actividades de produção que exigem muita mão-de-obra. Já que a reversão dessas tendências está fora de questão, a adaptação é a única opção.

 

A robótica já fez avanços significativos na montagem de produtos electrónicos, e os trabalhos de costura, tradicionalmente o primeiro ponto de entrada de muitos países no sistema de comércio global, virão a seguir. Com a continuação desta tendência, o imperativo de construir cadeias de fornecimento com base na localização do trabalho relativamente imóvel e de baixo custo vai diminuir, com a produção a aproximar-se do mercado final. A Adidas, por exemplo, está a construir uma fábrica na Alemanha onde robôs vão produzir calçado desportivo, e já está a planear uma segunda nos Estados Unidos.

 

Neste contexto, os países em desenvolvimento precisam de agir agora para adaptar as suas estratégias de crescimento. Um quadro razoável para o fazer deve ter em conta vários factores-chave.

 

Em primeiro lugar, os problemas nos países avançados - do crescimento económico lento à incerteza política - deverão persistir, reduzindo o potencial de crescimento em todo o lado por um período prolongado. Neste contexto, os países em desenvolvimento não devem sucumbir à tentação de tentar impulsionar a procura por meios insustentáveis, como a acumulação de dívida excessiva.

 

Em vez disso, os países em desenvolvimento, particularmente aqueles que estão num estágio inicial de desenvolvimento económico, devem encontrar novos mercados externos para os seus produtos, maximizando as oportunidades de comércio com os seus homólogos no mundo em desenvolvimento, muitos dos quais têm um considerável poder de compra. Ainda que essa solução não deva compensar a quebra da procura dos países avançados, pode ajudar a suavizar o golpe.  

 

Em segundo lugar, o investimento, tanto público como privado, continua a ser um poderoso motor de crescimento. Em economias com excesso de capacidade produtiva, o investimento direccionado pode resultar num duplo benefício, gerando procura de curto prazo e impulsionando o crescimento e a produtividade, em seguida. Assim, limitações ao investimento que promete um elevado retorno social e privado devem ser reduzidas, ou mesmo eliminadas.

 

Estes investimentos promotores do crescimento e da produtividade devem ser financiados principalmente com poupanças domésticas, apesar de alguns também poderem ser financiados com dívida. Os investimentos em infraestrutura estáveis e de longo prazo podem ser financiados, pelo menos em parte, por instituições de desenvolvimento internacionais.

 

Em terceiro lugar, é fundamental gerir a conta de capital de uma forma que proteja e melhore o potencial de crescimento da economia real. Grandes fluxos de capitais de países com baixas taxas de juro podem facilmente impulsionar as taxas de câmbio, colocando a parte transaccionável da economia sob pressão. Ao mesmo tempo, a perspectiva de uma inversão dos fluxos de capitais acrescenta riscos, desencoraja o investimento e pode gerar restrições repentinas no crédito.

 

Neste contexto, um controlo de capitais selectivo e uma gestão cuidadosa das reservas pode ajudar a estabilizar a balança de pagamentos e garantir que os termos de troca não mudam a um ritmo tão rápido que não possa ser compensado pelo crescimento da produtividade. Na verdade, os países em desenvolvimento bem-sucedidos estavam a seguir estas políticas, mesmo antes da crise económica global.

 

Em quarto lugar, é necessário abordar, de forma realista, a revolução digital. Por um lado, os países em desenvolvimento devem reconhecer que a ruptura, ainda que rápida, não vai tornar os seus modelos de crescimento obsoletos do dia para noite. O crescimento continuado da China e o aumento do rendimento das famílias estão a criar oportunidades para as economias de baixo rendimento na produção de baixo custo.

 

Por outro lado, os países em desenvolvimento devem aceitar a inevitabilidade das alterações nos seus modelos de crescimento provocadas pelas tecnologias digitais. Em vez de olhar para essas mudanças como uma ameaça, e tentar resistir-lhes, as economias em desenvolvimento devem antecipar-se, abraçando inovações disruptivas. Isso significa investir na capacidade - física e humana - para apoiar a sua utilização.

 

Além de actualizar o processo de produção, os países em desenvolvimento devem preparar-se para a mudança em direcção ao sector dos serviços, que acontecerá inevitavelmente com o crescimento dos rendimentos (embora o momento exacto seja difícil de prever). Na verdade, deveriam estar à procura de formas de explorar oportunidades para aumentar o seu comércio de serviços, como a Índia e as Filipinas têm feito.

 

Em quinto lugar, a distribuição dos ganhos do crescimento económico não pode ser ignorada. As economias avançadas tentaram isso, e o resultado tem sido uma crescente polarização política, que intensifica o sentimento anti-sistema, diminui a coerência política e enfraquece a coesão social. Num ambiente de baixo crescimento, em particular, os países em desenvolvimento não se podem dar ao luxo de cometer o mesmo erro.

 

Em sexto lugar, é importante estabelecer com antecedência padrões de crescimento sustentáveis. Uma abordagem "verde" não só estimularia um crescimento adicional, como aumentaria a qualidade do crescimento, já para não falar da vida das pessoas. Além disso, proporcionaria uma economia muito mais resistente no longo prazo.

 

Por fim, a actividade empresarial é vital para traduzir o potencial económico em realidade. Políticas que apoiam essa actividade, tais como a remoção de obstáculos à criação de novos negócios e o aumento das oportunidades de financiamento, não podem ser deixadas de fora das estratégias de crescimento. A abertura de canais para fluxos de informação, ideias, experiência e talento do exterior só pode melhorar esses esforços.

 

As economias em desenvolvimento podem não ter muito controlo sobre as adversidades que enfrentam hoje, mas isso não significa que sejam impotentes. Muito pode ser feito não apenas para sustentar o crescimento moderado, mas também para garantir um futuro mais próspero e resiliente.

 

Michael Spence, laureado com o Prémio Nobel da Economia, é professor de Economia na Stern School of Business da Universidade de Nova Iorque, e conselheiro no Instituto Hoover.

 

Copyright: Project Syndicate, 2016.
www.project-syndicate.org 
Tradução: Rita Faria

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