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28 de Junho de 2018 às 14:00

Controlar o Supremo Tribunal das Finanças

Trump não é favorável a algumas posições típicas dos conservadores, como a promoção do livre comércio. Mas sabe muito bem o que quer no que diz respeito ao relacionamento entre o governo e as empresas: quer que o governo pare de dizer aos empresários o que fazer.

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Nos últimos tempos têm crescido as preocupações sobre as potenciais acções do Congresso dos EUA no sentido de reverter as reformas financeiras de Dodd-Frank de 2010, promulgadas na sequência da crise de 2008. Ainda que a Câmara dos Representantes, controlada pelos republicanos, queira uma revogação ampla, o Senado só poderá ser persuadido a apoiar um relaxamento das regras para os bancos de pequena e média dimensão. Infelizmente, dadas as políticas da era Trump, isso não significa que o sistema financeiro permanecerá relativamente seguro.

 

O presidente Donald Trump tem uma ampla agenda de desregulamentação, apoiada pelos republicanos da Câmara dos Representantes e do Senado. A maioria dos principais poderes para regular as finanças já foi delegada à Reserva Federal - ironicamente pela própria legislação de Dodd-Frank. E o presidente nomeia as pessoas que têm controlo total sobre a regulação na Fed. Esta é uma combinação perigosa.

 

Trump não é favorável a algumas posições típicas dos conservadores, como a promoção do livre comércio. Mas sabe muito bem o que quer no que diz respeito ao relacionamento entre o governo e as empresas: quer que o governo pare de dizer aos empresários o que fazer. Nesta questão, o presidente está na mesma linha ideológica de Ronald Reagan, que acreditava firmemente que o governo era o problema.

 

Historicamente, o Congresso estabeleceu regras financeiras e a Reserva Federal - juntamente com outros reguladores - decidiu a sua implementação. Nas décadas que antecederam a crise de 2008, houve um amplo consenso bipartidário no sentido de permitir que as grandes empresas financeiras fizessem o que bem entendessem. Isso incluiu emprestar mais e aumentar o tamanho da sua dívida em relação aos capitais próprios. O raciocínio, que foi totalmente aprovado pela Fed, era que essas grandes empresas - com activos de biliões de dólares - empregavam pessoas inteligentes que conseguiam descobrir como gerir balanços altamente alavancados de uma forma segura.

 

Em Setembro de 2008, a onda de falências e quase-falências nos bancos globais (e seguradoras e fundos mutualistas) demonstrou que essa visão estava profundamente equivocada. Mas a resposta geral do sistema político foi paradoxal. Em vez de retirar poderes dos bancos centrais, a Reserva Federal - assim como o Banco de Inglaterra e o Banco Central Europeu - tornou-se muito mais poderosa.

 

Houve duas razões para isso. Primeiro, os bancos centrais tinham as ferramentas necessárias - crédito barato e política monetária expansionista - para evitar uma crise mais profunda. Em segundo lugar, as finanças modernas são demasiado complexas e evoluem de forma demasiado rápida para que a legislação consiga abordar tudo de forma completa. Alguém tem de ser responsável pela supervisão de uma forma mais detalhada. A crise prejudicou a reputação da Fed, mas todos os reguladores alternativos plausíveis pareciam piores. Assim, a legislação de Dodd-Frank acabou por conceder ainda mais poder à Fed, tornando-a, de facto, o Supremo Tribunal das Finanças.

 

No seu novo e importante livro, Unelected Power: The Quest for Legitimacy in Central Banking and the Regulatory State, Paul Tucker, antigo vice-governador do Banco de Inglaterra, analisa esta história e as suas implicações de forma mais profunda. Como explica Tucker, o aumento da concentração de poder nas mãos dos bancos centrais não se limita aos Estados Unidos - o Reino Unido e a Zona Euro enfrentam uma versão do mesmo problema. (Eu sou um membro não remunerado do Conselho de Risco Sistémico, que é presidido por Tucker).

 

Quando um partido político procura promover uma ampla agenda ideológica e existe um Supremo Tribunal, a estratégia política mais inteligente é, obviamente, nomear pessoas para aquele tribunal - o Conselho de Governadores do Sistema da Reserva Federal, neste caso - que implementará o programa do partido.

 

Durante a administração Obama, a Fed tornou-se mais clara e eficaz na regulação financeira. O governador Dan Tarullo enfraqueceu a jurisdição da Reserva Federal de Nova Iorque, que estava totalmente capturada pelos grandes bancos. A presidente Janet Yellen estava bem ciente dos problemas que resultam das finanças não regulamentadas. O governador Lael Brainard também estava alinhado, assim como Sarah Bloom Raskin antes de se tornar vice-secretária do Tesouro.

 

Mas agora tudo isso está a mudar. Nunca ficou completamente claro o que o sucessor de Yellen, Jerome Powell, pensa sobre a regulamentação financeira. E as primeiras indicações do novo vice-presidente de supervisão da Fed, Randal K. Quarles, sugerem potencial para uma erosão constante das salvaguardas, aplaudidas por Trump e pelo Departamento do Tesouro.

 

Idealmente, na visão de Tucker, questões vitais - como até que ponto se deve regular os chamados bancos "demasiado grandes para falir" - deveriam ser decididas ao nível do Congresso, em parte porque isso implica mais transparência e responsabilidade. Claro, o Congresso é perfeitamente capaz de cometer erros; mas é por isso que há eleições.

 

O que temos agora, porém, é uma extrema delegação de autoridade que impede a transparência e a prestação de contas. A Fed pode mudar substancialmente os detalhes de quão resilientes os bancos estão sem nenhuma acção adicional do Congresso. A intenção do Congresso é importante - e os republicanos indicaram claramente que o caminho a seguir é no sentido de permitir que os grandes bancos façam o que quiserem.

 

Essa é uma abordagem míope, e transferir o fardo político da sua implementação para um corpo não eleito é extremamente perigoso. Na próxima vez que uma crise irromper, a legitimidade da Fed - e de outros bancos centrais - será directamente posta em causa.

 

Simon Johnson é professor da Sloan School of Management do MIT e o co-autor de White House Burning: The Founding Fathers, Our National Debt, and Why It Matters to You.

 

Copyright: Project Syndicate, 2018.
www.project-syndicate.org
Tradução: Rita Faria

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